segunda-feira, 25 de julho de 2011

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O ART. 544 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, COM A REDAÇÃO QUE LHE DEU A LEI Nº 12.322, DE 2010

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O ART. 544 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, COM A REDAÇÃO QUE LHE DEU A LEI Nº 12.322, DE 2010

Jorge Amaury Maia Nunes

Professor da Faculdade de Direito da UnB, nos curso de graduação e pós-graduação stricto sensu.

Coordenador e líder do Gepro - UnB



APONTAMENTOS DE ORDEM GERAL


Há muitos anos, soube que uma agência de publicidade houvera sido contratada para divulgar certa marca de uísque, exalçando suas qualidades, direcionando-a para os melhores gostos, etc. Depois de muito estudo e de muita pesquisa entre a clientela consumidora de bebidas alcoólicas, a agência sugeriu ao contratante o seguinte: Chivas Regal, o melhor!

E mais não dizia!

Às vezes, o mais simples é o mais adequado e o mais completo. Sob qualquer critério, aquele produto seria o melhor no confronto com outros do mesmo gênero. A mensagem, sem rebuscamentos, era clara, sedutora e atendia perfeitamente aos propósitos a que se destinava. Assim também acontece com a nova Lei nº 12.322, de setembro de 2010, que entrou em vigor em dezembro do mesmo ano.

Propôs-se, o legislador pátrio, a alterar substancialmente a sistemática do artigo 544 do Código de Processo Civil. Para isso, em lugar da interposição do agravo de instrumento para desobstruir as vias de acesso do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário até o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, que tenham sido eventualmente vedadas por decisão do presidente ou vice-presidente de um Tribunal qualquer, instituiu a possibilidade de essa desobstrução ser alcançada por meio de um agravo tirado “nos próprios autos”.


DAS REITERADAS ALTERAÇÕES POR QUE PASSOU O ART. 544

Para os que acompanham há mais tempo as alterações legislativas por que passou o art. 544 ao longo dos anos, fica claro que aquele agravo de instrumento vinha sendo utilizado pelas cortes de superposição cada vez mais como forma de impedir o acesso do jurisdicionado à instância excepcional. Explico: a redação original do art. 544 previa uns poucos documentos obrigatórios necessários à formação do agravo de instrumento, com o que o jurisdicionado tinha robustas razões para crer que, se as razões de mérito do recurso fossem bastantes, não seria o recorrente vítima de armadilhas formais.

Deveras, quando ainda não havia nem STJ, nem Recurso Especial, a versão original do CPC previa apenas no parágrafo único do art. 544 o seguinte:

Parágrafo único. O agravo de instrumento será instruído com as peças que forem indicadas pelo agravante, dele constando, obrigatoriamente, o despacho denegatório, a certidão de sua publicação, o acórdão recorrido e a petição de interposição do recurso extraordinário.

Posteriormente, a Lei nº 8.950, do primeiro grande pacote de reformas do CPC, convolou o parágrafo único em § 1º, dando-lhe a seguinte redação:

§ 1º O agravo de instrumento será instruído com as peças apresentadas pelas partes, devendo constar, obrigatoriamente, sob pena de não conhecimento, cópia do acórdão recorrido, da petição de interposição do recurso denegado, das contra-razões, da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado.

Mais recentemente, a Lei nº 10.352, de 2001, estatuiu, verbis:

§ 1o O agravo de instrumento será instruído com as peças apresentadas pelas partes, devendo constar obrigatoriamente, sob pena de não conhecimento, cópias do acórdão recorrido, da certidão da respectiva intimação, da petição de interposição do recurso denegado, das contra-razões, da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado. As cópias das peças do processo poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal.

Da comparação desses fragmentos, percebe-se que, primeiramente, eram quatro as peças obrigatórias. Após, seis conjuntos de documentos, tendo sido acrescentadas, na segunda versão, a cópia das contrarrazões e a cópia das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado. A partir de 2001, foi acrescentado mais um: a cópia da certidão da intimação do acórdão recorrido.

Aos que não têm lembrança desse tempo, cabe dizer que todas essas alterações legislativas não foram iniciativa pura e simples do legislador. Ao revés, o acrescentamento dessas peças sempre se fez por meio de construção da jurisprudência: STJ e STF passavam, de determinado momento em diante, a considerar tais ou quais peças obrigatórias; o legislador acolhia aquele posicionamento e o positivava no Código de Processo Civil.

A JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA INFLUENCIANDO O LEGISLADOR

Ocioso dizer que o crescente aumento das exigências de peças supostamente obrigatórias para o aviamento do agravo de instrumento tendente a conferir trânsito a Recurso Especial e Recurso Extraordinário fazia parte do esforço de construção das instâncias excepcionais para desestimular, por todas as formas, o aviamento desses recursos e, no limite, a sua apreciação nas instâncias de superposição, no que acabou ficando conhecido como jurisprudência defensiva.

De mesma natureza (jurisprudência defensiva) é o famoso prequestionamento que, sem embargo de historicamente não constar em nossos textos constitucionais desde a Constituição de 1946, ainda continua a ser exigido como fundamental à apreciação do cabimento dos recursos excepcionais.

Se o agir por via da chamada jurisprudência defensiva soa legítimo, do ponto de vista humano, dado o assombroso número de processos que desabavam diariamente sobre os ombros dos Ministros das duas Cortes, o certo é que essas exigências não pareciam (nem parecem) ajustar-se ao contido no ordenamento positivo brasileiro.

Talvez por isso, e agora corretamente, o esforço do constituinte derivado (Emenda Constitucional nº 45) e do legislador infraconstitucional (art. 543-C) tenha sido no sentido de tentar dotar o Direito brasileiro de mecanismos legítimos, visando a atribuir um pouco de ordem e eficácia ao sistema recursal excepcional, limitando a revisibilidade, uma a uma, das irresignações levadas a essas duas casas maiores.

Se as medidas preconizadas conseguirem o efeito desejado, de redução drástica do número de recursos interpostos e examinados, então, não será mais necessário o culto da jurisprudência defensiva, nem da invenção de novas técnicas de indeferimento de agravos de instrumento (v.g, o carimbo do protocolo está ilegível na cópia trazida ao Tribunal e nenhuma certidão do órgão da justiça ordinária pode substituir o carimbo; o pagamento do preparo foi realizado via internet e o comprovante do pagamento “pode” ser falso, etc.).

Há, exatamente em decorrência disso, amplo espaço para a edição e adequada aplicação da Lei nº 12.322, de 2010, que “transforma o agravo de instrumento interposto contra decisão que não admite recurso extraordinário ou especial em agravo nos próprios autos”, pondo por terra toda uma gama de precedentes defensivos. Deveras, como o agravo, agora, é interposto nos próprios autos do processo, não há mais possibilidade teórica de ser indicada como razão da inadmissibilidade do recurso a ausência de algum documento tido por indispensável à formação do agravo.

É bem verdade, entretanto, que a mente humana é muito mais imaginativa do que a lei e nada impede um Ministro da Corte, dotado de certa criatividade, de inventar outras técnicas defensivas, visando a não conferir admissibilidade ao recurso de agravo interposto nos próprios autos.

Ainda recentemente, quase imediatamente após a entrada em vigor da lei em comento, num dos primeiros agravos que teve sua admissibilidade examinada no STJ, certo Ministro saiu-se com esta:

"O protocolo de interposição do recurso especial está ilegível (fl. 48), sendo, portanto, imprestável para aferir sua tempestividade.
Nego, por isso, seguimento ao agravo."

Como é possível? Simples: mesmo ocorrendo o aviamento do agravo nos próprios autos, dois procedimentos têm sido adotados: (i) o STJ determina, sponte sua, e por meio de seus próprios funcionários, a digitalização dos recursos que chegam à Corte, com a devolução dos autos ao tribunal de origem; ou (ii) o próprio tribunal recorrido digitaliza integralmente os autos e remete por meio eletrônico para o STJ.

Nas duas hipóteses, o recorrente não possui nenhuma forma de controlar o procedimento de digitalização (nem tem como fazê-lo). A perpetuar-se o absurdo, ficará o jurisdicionado sem armas para lutar contra essa nova e perversa forma de jurisprudência defensiva, que condena o requerente a residir no sol.

Sem embargo disso, é certo que será necessária muita criatividade para ressuscitar todas as técnicas defensivas das instâncias de superposição. Enquanto elas não vêm, convém saudar e aplicar a nova lei.


DA NOVA REGÊNCIA LEGAL E SEUS DESDOBRAMENTOS

O Texto da Lei nº 12.322, de 2010, na parte pertinente aos recursos excepcionais, tem este teor:

Art. 544. Não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo nos próprios autos, no prazo de 10 (dez) dias.

§ 1o O agravante deverá interpor um agravo para cada recurso não admitido.

[foi mantida a anterior redação do § 2º].

§ 3o O agravado será intimado, de imediato, para no prazo de 10 (dez) dias oferecer resposta. Em seguida, os autos serão remetidos à superior instância, observando-se o disposto no art. 543 deste Código e, no que couber, na Lei no 11.672, de 8 de maio de 2008.

§ 4o No Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, o julgamento do agravo obedecerá ao disposto no respectivo regimento interno, podendo o relator:

I - não conhecer do agravo manifestamente inadmissível ou que não tenha atacado especificamente os fundamentos da decisão agravada;

II - conhecer do agravo para:

a) negar-lhe provimento, se correta a decisão que não admitiu o recurso;

b) negar seguimento ao recurso manifestamente inadmissível, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal;

c) dar provimento ao recurso, se o acórdão recorrido estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal. (NR)

Art. 545. Da decisão do relator que não conhecer do agravo, negar-lhe provimento ou decidir, desde logo, o recurso não admitido na origem, caberá agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, ao órgão competente, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 557. (NR)

Presente o texto da lei, a primeira observação a ser feita é a de que o novo agravo, nos próprios autos, é fruto da transformação do agravo de instrumento (assim diz a ementa). Vale o registro de que os advogados, na elaboração do recurso, não precisam nem devem nominá-lo como “agravo nos próprios autos”, basta que escrevam agravo. O complemento “nos próprios autos” tem pertinência com a forma ou com o locus da interposição, mas não com a denominação do recurso.

Com isso, já é possível deduzir que me incluo entre aqueles que abominam a expressão agravo inominado. Havendo sido dito que é agravo, então já se trata de recurso nominado, recurso de agravo! Agravo inominado é uma contradição essencial. A maneira, a forma como se processa o recurso, mero adjunto, não faz parte da nominação.

Não por outro motivo, o legislador somente utilizou a expressão “nos próprios autos”, no caput do art. 544, para contrapor ao que acontecia até o momento anterior à entrada em vigor da lei, em que o agravo era tirado por via de instrumento. Depois dessa menção inicial, em todos os outros fragmentos da lei, limitou-se o legislador à expressão agravo.

Sem embargo disso, convém mencionar que a expressão agravo no auto do processo (correspondente a agravo nos próprios autos) é de larga tradição histórica no direito luso-brasileiro. Deveras, as Ordenações Manoelinas de 1521 já a ele se referiam no Livro III, 54, § 8, e 77. Foi reafirmado na Carta Régia de 1526 e mantido nas Ordenações Filipinas, Livro III, Tit. 20. Desprezado no nosso Regulamento nº 737, de 1850, reapareceu no Código de Processo Civil de 1939 (art. 851).

Ainda que possa parecer ocioso, convém deixar anotado que esse agravo que objetiva o trânsito dos recursos excepcionais não se confunde com o agravo retido de que cogita o art. 522 do Código de Processo Civil. Este último, que é aviado de sorte a obstar a preclusão de matérias deliberadas pelo juiz do primeiro grau de jurisdição, somente é apreciado em “preliminar” de apelação, enquanto que o agravo do art. 544 tem tramitação e exame imediatos, ressalvada a incidência do art. 543-C, do Código de Processo Civil.

No que concerne ao procedimento, esse ficou bastante simplificado. O agravo é tirado perante a autoridade judiciária que negou trânsito ao Recurso Extraordinário ou ao Especial, ou a ambos, no prazo de dez dias contados da intimação da decisão denegatória, sendo que, se houver ocorrido a denegação de ambos os recursos excepcionais, deverá ocorrer a interposição de dois recursos de agravo, um para cada decisão contrária. Como há expressa referência ao art. 543 do Código de Processo Civil, deve ficar claro que, em qualquer hipótese (agravo de não-admissão do Extraordinário, agravo de não-admissão do Especial, agravo de não-admissão de ambos), os autos do processo deverão ser primeiramente encaminhados ao STJ para exame, ou do Especial ou do agravo interposto e, somente após essa atividade serão encaminhados ao STF, se for o caso, dado que a decisão do STJ pelo integral provimento do recurso Especial pode tornar desnecessária a remessa à Corte Maior.

A redação do § 2º do art. 544 não sofreu alteração em decorrência da Lei 12.322, sendo mantido, inexplicavelmente, este teor:

§ 2º A petição de agravo será dirigida à presidência do tribunal de origem, não dependendo do pagamento de custas e despesas postais. O agravado será intimado de imediato para no prazo de 10 (dez) dias oferecer resposta, podendo instruí-la com cópias das peças que entender conveniente. Em seguida, subirá o agravo ao tribunal superior, onde será processado na forma regimental.

Ora, pelo menos duas razões de ordem sistemática não autorizariam a mantença do dispositivo, tal como se encontra redigido. Primus, parcela da redação desse fragmento legal foi trasladada para o § 3º. Confira-se, em ambos os parágrafos, este trecho: O agravado será intimado de imediato para no prazo de 10 (dez) dias oferecer resposta. Tem-se uma redundância legiferante que somente pode ser creditada a um descuido do legislador; secundus, o novo perfil do agravo, agora nos autos, pelo menos em uma primeira leitura, não sugere que o agravado possa ou deva instruir sua resposta com “cópias das peças que entender conveniente.” Todas as peças estarão, pela própria forma eleita pelo legislador, encartadas nos autos.

O fragmento não é, entretanto, de todo desnecessário. Têm valia a indicação procedimental de que o agravo deve ser dirigido ao presidente do Tribunal de origem e a referência ao não-pagamento de custas e despesas postais.

Vale a anotação, aqui, de que o § 4º, na esteira, aliás, do que tem sido a tendência do processo civil brasileiro nos três últimos lustros, atribuiu ainda mais poder ao relator do recurso de agravo. Com efeito, os poderes do relator ganham maior dimensão.

O Ministro relator terá poderes para (1) não conhecer do agravo: (1.1) manifestamente inadmissível; ou (1.2) que não haja hostilizado os fundamentos da decisão agravada; (2) conhecer do agravo para: (2.1) no mérito, negar-lhe provimento, se entender que a decisão de inadmissão do REsp ou do RE está correta; (2.2) negar seguimento ao REsp ou RE manifestamente inadmissível, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal; (iii) dar provimento; (3) dar provimento ao RE ou REsp se o acórdão recorrido estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal.

Cotejado com a redação anterior, o novo § 4º deu tratamento sistemático à matéria que antes se encontrava no antigo § 3º, cuidando, agora, tanto de hipóteses em que o Relator deve não conhecer do agravo como daquelas em que deve examiná-lo. A regência anterior cuidava apenas das hipóteses, positivas, de conhecimento do agravo e de provimento direto do REsp ou do RE. Se a conclusão do relator divergisse de uma dessas duas atitudes, então a solução deveria ser buscada no art. 557 do CPC.

É certo que o tratamento atual é mais sistemático, mas ainda assim contém equívoco de natureza justamente sistemática. Deveras, é exato afirmar que não se deve conhecer de agravo manifestamente inadmissível ou que não tenha atacado os fundamentos da decisão agravada, em violação ao requisito extrínseco da regularidade formal. Não é exato, entretanto, estabelecer que o relator deve conhecer do agravo para (b) negar seguimento ao recurso manifestamente inadmissível, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal.

A dicção dessa alínea ‘b’ sofre de ausência de paralelismo em relação à alínea ‘a’, antecedente. Com efeito, nesta última, o relator conhece do agravo e lhe nega provimento. Ora, então, na ‘b’, antes citada, o relator deveria, em primeiro plano, conhecer e dar provimento ao agravo. Feito isso, passaria ao exame do RE ou do REsp e lhe negaria seguimento porque inadmissível (por motivo diverso daquele invocado pelo presidente ou vice-presidente do tribunal ordinário, dado que, se fosse pelo mesmo motivo, a hipótese seria da alínea ‘a’); somente assim o texto obedeceria ao critério instituído pela norma mesma.

Matéria que merece consideração é a relativa à possibilidade de retenção dos atos no tribunal de origem. Deveras, a referência, no novo parágrafo terceiro, à Lei nº 11.672, de 2008, dá conta da possibilidade de o recurso não ter tramitação imediata. Pode ficar sobrestado por força do fato de que, aplicada à espécie o art. 543-C, somente serão encaminhados à instância de superposição aqueles recursos representativos da controvérsia. Os demais ficam sobrestados (diz a lei: suspensos) até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça.

Outro aspecto a ser realçado e que representa consequência direta do ajuste da legislação infraconstitucional ao que disposto na Emenda Constitucional nº 45, que instituiu a repercussão geral como requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário, tem pertinência com o disposto no art. 543-B do Código de Processo Civil: o legislador estabeleceu que, quando houvesse multiplicidade de recursos em que tivesse sido agitada a mesma controvérsia, o tribunal de origem selecionaria um ou mais recursos e os encaminharia ao STF. Os demais ficariam sobrestados na instância a qua.

Assim, no que concerne ao represamento do Recurso Extraordinário, no tribunal ordinário, por força da aplicação do citado art. 543-B do CPC, depois de alguma hesitação inicial, a jurisprudência fixou-se no sentido de que não cabe nem agravo de instrumento nem Reclamação na hipótese de ocorrência de algum equívoco quanto ao sobrestamento de que cogita esse artigo, na hipótese de multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia. Apenas a título de exemplo, traz-se este recente julgado do STF:

RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ALEGAÇÃO DE EQUÍVOCO NA APLICAÇÃO DA REPERCUSSÃO GERAL PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. INOCORRÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. I – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que não é cabível a reclamação para corrigir eventual equívoco na aplicação da repercussão geral pela Corte de origem.

Parece-nos que essa não é a melhor solução. Deveras, mesmo não sendo o caso de agravo nos autos (e realmente não o é, porque sobrestar recurso não significa negar seguimento, única hipótese que autoriza o agravo do art. 544), parece que a alternativa natural seria a reclamação para firmar a competência do STF: entretanto, o entendimento atual tem sido o de que a solução terá de ser encontrada no próprio tribunal de origem. Como se trata de decisão da presidência ou vice-presidência do tribunal, a medida a ser adotada, um agravo interno, deverá ser objeto de exame pelo plenário da casa ou, onde houver, pela corte especial.

Desnecessário afirmar que esse órgão último, em brevíssimo tempo, ficará com as pautas inteiramente tomadas somente com o exame de matérias dessa natureza.

CONCLUSÃO

Postas essas considerações a respeito do novo art. 544, soa-nos lícito concluir que a ideia do legislador, ao proceder à transformação do agravo de instrumento para permitir trânsito ao Recurso Especial e ao Recurso Extraordinário, há de ser acatada como alvissareira por quantos militam na prática diária da advocacia. Sem embargo disso, não está afastado o receio de que os tribunais superiores continuem a conceber novas e desnecessárias técnicas defensivas, objetivando a denegação de seguimento dos agravos interpostos por meio dessa nova modalidade, sobretudo em face da digitalização dos autos que, como já se viu, não é matéria afeta aos advogados que patrocinam os feitos e que não têm nenhum poder de fiscalização a exercer.