sábado, 18 de junho de 2011

Separação de poderes, Poder Judiciário e Consequencialismo. Texto do Autor escrito no âmbito do GEPRO-UnB

OS LINDES DA QUESTÃO

A norma insculpida no artigo 2º da Constituição, que dispõe sobre a independência e harmonia dos poderes da União, tem sido motivo de perplexidade, não tanto pela sua expressão literal, mas, possivelmente, em face do pequeno grau de correspondência que esse princípio tem no mundo sensível, considerado aqui especificamente o Estado brasileiro.

Ao que tudo indica, mais de três séculos de elaboração, experimentação e consolidação da teoria da separação dos poderes não foram suficientes para espancar as hesitações doutrinárias e práticas a respeito do perigo que representa o abandono da tese: o poder para o poder. Isso se deve, talvez, a uma tresleitura do princípio ou à necessidade de sua releitura, não sendo poucos, porém, os que sustentam que, avelhantada, a teoria "expirou desde muito como dogma de ciência."

Impõe-se um exame crítico do assunto, em termos do que realmente significa ou pode significar a separação dos poderes, como concepção teórica e como princípio referenciado ao ordenamento jurídico-político brasileiro, de molde a tentar descobrir, se for o caso, em que medida a dimensão que se lhe atribua repercutirá sobre o relacionamento do Judiciário com os demais Poderes.

Separação de Poderes

Como concepção teórica, pareceria correto admitir que os formuladores do princípio e seus precursores (Aristóteles, por exemplo) não conferiram ao Poder Judiciário a posição de proeminência que parcela da doutrina juspublicista lhe atribui. Locke , com efeito, a ele nem sequer se refere como poder autônomo; Montesquieu dispensa-lhe um papel secundário, como um desdobramento da atividade executiva.

Como princípio referenciado ao ordenamento jurídico brasileiro, o seu acolhimento constitucional não é, por si só, capaz de deitar luzes definitivas ao problema. É que, como advertem Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres de Brito , os princípios ensartados no Estatuto Político, entre eles o da separação dos poderes, "padecem de uma imprecisão conceitual ontológica", fenômeno, aliás, reconhecido por praticamente todos os constitucionalistas que se ocuparam do exame da matéria.

É necessário, pois, precisar esse conceito, sempre tendo presente que todos os elementos interpretativos do texto constitucional hão de ter sua conformação exclusivamente endógena, dada a noção de autorreferência que cerca a hermenêutica constitucional .

Não se pretende, contudo, fazer dessa investigação mera formulação teórica, desvestida de utilidade prática. A todo instante vêm a lume pesquisas sobre o papel do Judiciário na nova concepção de Estado democrático de direito embaladas, sobretudo, pelas chamadas teorias neoconstitucionalistas, investigações essas que têm como foco, dentre outros a observação sobre a legitimidade (ou ausência de) do Poder Judiciário para atuar propositivamente no exercício de seus misteres e os limites dentro dos quais pode operar sem desbordar para a seara do arbítrio.

Tem-se admitido como certo que o Princípio da Separação dos Poderes, de estatura constitucional, influi de maneira preponderante na formação do Estado, sendo acolhido praticamente em todas as modernas constituições, ressalvada a Constituição do Estado da Cidade do Vaticano.

A ideia de separação dos poderes inspirou-se, nos séculos XVII e XVIII, em princípios similares aos que hoje provocam a repartição do poder. Novos são, apenas, a percepção do aspecto fragmentário do poder e o fato de que a sociedade moderna (considerada aqui apenas a chamada civilização ocidental) não é rigidamente estratificada. Talvez até tenha sido a existência de sociedades rigidamente estratificadas a mola propulsora do desenvolvimento da teoria da soberania popular.

É certo, porém, que os princípios ensartados no Estatuto Político "padecem de uma imprecisão conceitual ontológica", como já apontado preambularmente, cabendo à doutrina precisá-los. No caso concreto, cumpre especificar o que hoje significa o Princípio da Separação dos Poderes e como foi ele lançado no ordenamento constitucional brasileiro pelo poder constituinte originário.

Isso não poderá ser feito senão com o estudo da evolução do pensamento político e filosófico a respeito do tema. Toda investigação a respeito do tema conduz a Aristóteles como precursor da Teoria da Separação dos Poderes. Ao conceber no seu A Política os princípios informadores da constituição mista, ou da constituição média , Aristóteles já previa a partição do poder entre classes, ideia que certamente foi assimilada pelos modernos formuladores da teoria sob exame: o equilíbrio do poder político, através de sua distribuição entre as várias classes sociais, como forma de representar os chamados fins sociais realmente queridos por toda a coletividade.

Para atingir esse desiderato, Aristóteles entendia ser necessário misturar as diversas formas de governo que concebeu — realeza, aristocracia e república, formas boas, e tirania, oligarquia e demagogia, formas más. — , porque nas constituições puras um único grupo ou classe social detém o poder político.

A constituição mista é, para Aristóteles, aquela em que os vários grupos ou classes sociais participam do exercício do poder político, ou aquela em que o exercício da soberania, ou o governo, em vez de estar nas mãos de uma única parte constitutiva é comum a todas.

Há, pois, na teoria das constituições mistas, uma espécie de separação dos poderes (poder político) por meio de sua distribuição entre as várias classes sociais, embora não tivesse cogitado Aristóteles, ainda, de uma expressa divisão orgânica.

É certo, entretanto, que foi Locke quem assentou — visando a dar legitimidade à assunção de Guilherme de Orange ao trono inglês — as bases do Princípio da Separação dos Poderes, ou, melhor dizendo, de uma das formulações conceituais de maior prestígio a respeito do tema.

As formulações de Locke não eram de natureza meramente teórica. Ao revés, fundavam-se na experiência inglesa e, ao que parece, representavam os anseios políticos da época.

Locke encontrava estabelecida no Estado Inglês a temática da constituição mista porquanto o rei, a nobreza e os comuns ocupavam posições bem definidas tanto nas instituições estaduais quanto no exercício do poder político.


Ao contrário, porém, do que se sucede na teoria das constituições mistas, que se baseiam num fato natural, Locke, a exemplo de Rousseau e Hobbes, encontra a essência do poder político e, por via de conseqüência, do Estado, em um pacto — pacto de sociedade para os dois primeiros, pacto de sujeição para o último. A adoção da teoria contratualista sugere que Locke se afasta da teoria mista da distribuição estamental do poder e pugna pela divisão de poderes; classifica-os em legislativo, executivo e federativo, sendo que este último concerne aos assuntos exteriores (poder de fazer a guerra, a paz, constituir ligas e alianças e de levar adiante todas as negociações que seja preciso realizar como pessoas e comunidades políticas alheias).

Paulo Bonavides aponta ter Locke distinguido o Judiciário como um poder autônomo. Na mesma senda caminha Jose Maria Rodriguez Paniagua . Essas opiniões são, a nosso ver, equivocadas. Deveras, o exame da fonte primeira, O Ensaio sobre o Governo Civil, não autoriza a conclusão a que chegam. Com efeito, a epígrafe do Capítulo XII bem demonstra o pensamento do filósofo inglês: Do Poder Legislativo, do Poder Executivo e do Poder Federativo da Comunidade Política; e, nele, somente esses três poderes são versados.

É claro que Locke não desconhece a necessidade do exercício da função judicial, mas o atributo que lhe comete é esse mesmo: de função; jamais lhe empresta a conotação de poder independente. Assim, por exemplo, ao cuidar da sociedade Política, ou Civil, no Capítulo VII, afirma: "Isto é que retira os homens de um estado de Natureza e os coloca dentro de uma sociedade civil, quer dizer, o fato de estabelecer neste mundo um juiz com autoridade para decidir todas as disputas e reparar todos os danos que possa sofrer um membro da sociedade. Esse juiz é o Poder Legislativo." O exercício da função judicial seria, pois, atribuído ao poder legislativo, ou a quem ele delegasse; jamais constituiria outro poder.

Esclareça-se que essa separação de poderes concebida por Locke não os colocava em absoluto pé de igualdade. É compreensível isto: assim como Hobbes, no Leviatã, fazia a apologia do poder absolutista (daí o pacto de sujeição), Locke atacava as bases dos Estados absolutos conferindo o poder de fazer as leis à sociedade como um todo e vinculando o chefe do Executivo a agir na sua conformidade. Suas palavras não deixam margem a dúvida:
"Não somente é o poder legislativo o poder máximo da comunidade política; é também sagrado e imutável em mãos onde a comunidade o haja situado. Nenhum edito ou ordenação, seja de quem seja, qualquer que seja sua redação e qualquer que seja o poder que lhe dê supedâneo, tem a força e a obrigatoriedade de uma lei, se não tiver sido aprovada pelo poder legislativo eleito e aprovado pelo povo."

Sem embargo dessa supremacia do Legislativo, parece evidente que a atribuição do poder executivo ao monarca (i) aproximava a teoria de Locke da teoria das constituições mistas; e (ii) intuía a separação de funções do Estado de forma não estanque, sobretudo porque reservava ao Poder Executivo a chamada Prerrogativa, uma espécie de poder de editar medidas provisórias, para promover o bem comum, onde a lei fosse omissa ou lacunosa, ou mesmo, em certos casos, agir contra legem para atenuar os rigores da lei .

Isso tudo nos leva a crer ter sido Locke o primeiro formulador de uma teoria da separação dos poderes, embora essa, evidentemente, não corresponda àquela que foi popularizada por Montesquieu que, registre-se, foi construída, indutivamente, a partir da observação do filósofo francês sobre a Constituição e a praxis inglesas.

É certo, porém, que a fama e a respeitabilidade do princípio devem-se a Montesquieu. Para comprovar isso, Madison, delegado da Virginia, e quem mais contribuiu, segundo Ralph Gabriel , para dar forma à Constituição, anota, a propósito do princípio da separação dos poderes, acolhido implicitamente pela Constituição dos Estados Unidos, que: "O oráculo que sempre se consulta e cita a esse respeito é o celebrado Montesquieu. Se não foi ele o autor deste valioso preceito da ciência política, teve ao menos o mérito de expô-lo e recomendá-lo de modo mais eficaz à atenção da humanidade."

Essa a dimensão que se deve atribuir ao contributo de Montesquieu à teoria da separação dos poderes, que se erigiu em princípio fundamental da organização política do Estado moderno , marcando a evolução do constitucionalismo francês e mundial, sobretudo após sua inserção no artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, soando "Toda sociedade na qual não esteja assegurada a garantia dos direitos do homem nem determinada a separação dos poderes não possui, absolutamente, constituição."

É quase indissonante o entendimento de que o princípio da separação de poderes concebido por Montesquieu consiste em distinguir três funções estatais — legislação, administração e jurisdição — e atribuí-las a três órgãos ou grupos de órgãos, reciprocamente autônomos, que as exercerão com exclusividade ou ao menos preponderantemente.

Não nos parece, contudo, que esse seja o único entendimento preponderante na teoria do jusfilósofo francês, como será demonstrado a seguir.

A respeito de suas concepções, cujo conhecimento facilita a compreensão da teoria sob exame, é preciso que se diga que, diversamente de Locke e Rousseau, Montesquieu não é adepto das teorias contratualistas e, por isso, não vê o poder soberano unitariamente contido no povo. Isso é facilmente identificável em diversas passagens de sua obra, quando se refere aos vários estratos sociais como eventuais detentores do poder político , o que autoriza o entendimento de que, mesmo com a não utilização expressa do termo, Montesquieu se aproxima seguramente da teoria das constituições mistas, de distribuição do Poder Político entre os diversos estamentos sociais. Expressiva é, por exemplo, esta passagem, extraída do famoso Capítulo VI, do Livro XI:

Existem sempre num Estado pessoas eminentes pelo nascimento, pelas riquezas ou pelas honras.Se elas ficassem confundidas entre o Povo, e não tivessem senão um voto como os outros, a liberdade comum seria a sua escravidão, e elas não teriam interesses em defender a liberdade, porquanto a maioria das resoluções seria contra elas.
A participação dessas pessoas na Legislação deve pois estar proporcionada às demais vantagens que têm no Estado. Ora, isto se dará se elas formarem um corpo com direito de frear as iniciativas do Povo, assim como o Povo terá direito de frear as delas.
Assim, o Poder Legislativo estará confiado não só ao corpo de nobres mas também ao corpo escolhido para representar o Povo. Os dois corpos terão cada qual as suas assembléias e suas deliberações à parte, e pontos de vista e interesses distintos.

Nuno Piçarra bem enfatiza esse aspecto e, em consequência, consegue examinar a teoria de Montesquieu debaixo de um duplo enfoque: um institucional, funcional, a que chama separação vertical, que cuida da dimensão orgânico-funcional; outro, extrainstitucional, ou separação horizontal, que cuida da dimensão político-social de sua doutrina.

É evidente a utilidade da dimensão político-social para a compreensão da obra de Montesquieu que, de sabença geral, era referida à Inglaterra do início do sec. XVIII e que tinha como referencial inarredável a realidade social da França daquela época. A distribuição do poder entre os diversos estamentos buscava impedir a sustentação teórica das chamadas monarquias absolutas, se bem que em Montesquieu não se encontra uma real correspondência entre os diversos estratos sociais e os órgãos designados para o exercício do poder.

Outro aspecto interessante na obra de Montesquieu, quanto à dimensão político-social é que, ao que parece, embora não adepto das teorias contratualistas, entendia o Barão De La Brède que a representação das classes era, internamente, fruto de uma vontade homogênea. Não havia, pois, para ele, conceito de maioria ou minoria dentro das classes. Esse conceito só poderia ser entendido se referenciado a uma outra classe.

É induvidoso, porém, que o caráter mais festejado e mais conhecido da teoria de Montesquieu é o da separação das funções do Estado, como forma de evitar o arbítrio. Assevera o jusfilósofo que em cada Estado há três espécies de poderes: o Legislativo; o Executivo das coisas que dependem do Direito das Gentes e o Executivo das que dependem do Direito Civil.

Pelo primeiro, o Príncipe ou magistrado cuida da elaboração das leis, para algum tempo ou para sempre, e corrige ou ab-roga as que estão feitas; pelo segundo, ele faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança, previne invasões; pelo terceiro, pune os crimes, ou julga as demandas entre particulares.

A respeito dessa separação, afirma Manoel Gonçalves Ferreira Filho:
Em realidade, essa tripartição não tem o rigor necessário para ser acatada como científica. De fato, é fácil mostrar que as funções administrativa e jurisdicional são no fundo a mesma coisa que é a aplicação da lei a casos particulares. A distinção entre ambas pode estar de modo, no acidental, portanto, já que substancialmente não existe.

Talvez nem seja o caso de ingressar nessa discussão; porém, é evidente que o constitucionalista brasileiro sustenta exatamente a mesma posição que é esposada por Montesquieu. Não há dissenso entre eles como pareceu ao constitucionalista brasileiro. Deveras, na variante que ora se examina, duas são as funções executivas: uma das coisas que dependem do direito das gentes (Poder Executivo do Estado); outra o Executivo das coisas que dependem do Direito Civil (Poder de Julgar) . Ambas são funções de natureza executiva no sentido de não serem atividade de criação do Direito, e sim no sentido de serem atividades consequentes, atividades de aplicação do Direito.

É bem de ver, porém, que, nada obstante trate de uma mesma atividade executiva, Montesquieu sugere que, subjetivamente, tais funções sejam atribuídas a seres distintos, como o faz, também, relativamente ao Poder Legislativo. É celebre a passagem que se reproduz:
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou o mesmo Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente.
Também não haverá liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o Juiz seria Legislador. Se estivesse junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor.
Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou de nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes e as demandas dos particulares.

Montesquieu, em diversas passagens, acentua uma enorme preocupação com o Poder de Julgar, que constitui, hoje, a atividade do Poder Judiciário, e busca, cautelosamente, neutralizá-lo, num exercício premonitório do que viria a acontecer mais tarde, por exemplo, nos Estados Unidos, onde se estabeleceu o chamado "governo dos juízes". Fá-lo nestes termos:

O Poder de Julgar não deve ser entregue a um senado — a expressão deve ser entendida como representando um grupo de pessoas de escol — permanente, mas exercido por pessoas tiradas do seio do Povo, em certas épocas do ano, da maneira prescrita em lei, para formar um tribunal que não durará senão o quanto o exigir a necessidade.
Deste modo, o Poder de Julgar tão terrível entre os homens, não estando ligado nem a um certo estado, nem a uma certa profissão torna-se, por assim dizer, invisível e nulo.
..................
Mas, se os tribunais não devem ser fixos, devem-no os julgamentos. A tal ponto que não sejam estes jamais senão um texto preciso da lei. Fossem eles a opinião particular dos juízes, e viver-se-ia na sociedade sem saber precisamente quais os compromissos assumidos." — os grifos não são do original.

É verdade que alguns autores têm buscado demonstrar, hoje, a imprestabilidade do princípio. Nesse sentido, a clássica catilinária contra ele lançada por Marcel de La Bigne Villeneuve , em 1934, procurando demonstrar a imprestabilidade e inaplicabilidade do princípio e, também, a afirmação de Manoel Gonçalves Ferreira Filho de que "sua importância costuma ser minimizada, seu fim, profetizado, sua existência até negada... ela é mais aparente do que real" Na mesma toada, Paulo Bonavides vai buscar em Coste-Floret a afirmação de que "há muito tempo a regra da separação dos poderes, imaginada por Montesquieu como um meio e lutar contra o absolutismo, perdeu toda a razão de ser."

Ora, venia concessa, não procede o entendimento dos que seguem essa corrente. Deveras, ainda que se possa concordar com o fato de que, sobretudo após a segunda guerra, não se fazem mais presentes as condições que autorizavam a formulação da teoria da separação os poderes especificamente referenciada à partilha do poder político, no sentido de que todos os estratos da sociedade deveriam estar representados no concerto do exercício das funções estatais, daí não se pode inferir que o princípio perdeu sua utilidade. É que esse princípio como qualquer outro da área da Ciência Política ou do Direito não pode ser compreendido fora de sua dimensão histórica e deve ser historicamente atualizado.

Deveras, com o declínio das monarquias, melhor dizendo, com o declínio das estruturas monárquico-constitucionais detentoras do poder político e com a ascensão da chamada democracia parlamentar, desapareceu o próprio substrato fático que autorizava a construção da teoria das constituições mistas e da separação horizontal do poder, já que todo o poder político passou a ser concentrado no seio de toda a coletividade, dentro de uma concepção que pode, nesse ponto, ser considerada rousseauniana (embora sem a ideia do one man one vote).

Não se deve cogitar, porém, em razão da ausência da sociedade estamentalizada, com diferentes polos de poder, de uma inaplicação total dos postulados lançados por Montesquieu. Com efeito, já se disse aqui, ao lado da separação horizontal, cuidou Montesquieu de uma separação orgânico-funcional. Cometeu as principais atividades estatais preponderantemente a certos órgãos, ainda que taxionomicamente se possa lançar essa ou aquela crítica a esse cometimento. Bem de ver, contudo, que próprio conceito de Poder Executivo à época da formulação de Montesquieu era absolutamente distinto do que se tem hoje. O Poder Executivo de então se resumia ao poder de executar as resoluções públicas e seu conceito se obtinha por oposição, e residualmente, ao conceito de Poder Legislativo. Em outras palavras, o que não fosse atividade de criação da lei seria atividade executiva. De outra parte, a Europa daquela época não concebia um Estado onipresente , atuando em todas as frentes participando ativamente do jogo da economia e atuando como "Estado assistencial" ou Estado providence.

Mesmo, porém, com a alteração que se possa ter do conceito de Poder Executivo, permanece válida, a nosso pensar, a divisão orgânico-funcional preconizada na teoria da separação dos poderes que tem, também, o condão e estremá-la da teoria das constituições mistas, de purificá-la, portanto.

Mister se faz, apenas, que os exercentes do poder, orgânico-funcionalmente falando, sejam legitimados pelos detentores do poder político nas chamadas democracias representativas, através de processos seletivos e temporários de representação.

Também não merecem qualquer credibilidade as afirmações que rejeitam a teoria da separação dos poderes porque a prática constitucional teria demonstrado ser impossível uma total separação, sendo preferível falar-se em interdependência entre os poderes. É preciso que se diga que Montesquieu jamais preconizou a separação absoluta entre os poderes. Ele conhecia a versão da balança dos poderes, ou sistema de freios recíprocos, controles recíprocos, tributário que era, confessadamente, do constitucionalismo inglês, de onde é originário tal sistema. Nem por outro motivo, uma das expressões mais famosas de Montesquieu é: o poder para o poder. Justamente por isso, atribui aos poderes a faculté d'empêcher e a faculté de statuer sendo a primeira, obviamente, um meio de controlar ou contrabalançar o poder de outro órgão.

Justamente em face da historicidade dos princípios, antes referida, cabe destacar que não seria lógico afirmar que o conceito informador do princípio da separação dos poderes, na Constituição Brasileira, estivesse referenciado à distribuição do poder político como nas monarquias mistas, ou na separação horizontal, exatamente porque a sociedade brasileira não é estamentalizada. Tanto mais assim se há de entender quanto se sabe que o Parágrafo Único do artigo 1° elege o Povo como o solitário detentor do poder.

A questão é, pois, de separação funcional. O poder é reservado ao Povo e é por este delegado aos membros do Legislativo e do Executivo, ou é exercido diretamente, nos termos da Constituição.

Há aí uma espécie de deslocamento de pano de fundo: por um lado, a teoria de que o poder para o poder deixa de se preocupar com as classes sociais, com os estamentos, para se preocupar com pessoas ou grupos de pessoas (grupos de pressão, lobbies). Por outro, o poder político, num movimento originário de autorregulação estabelece, no seu estatuto político, regras de jurisfação do poder de tal sorte que o exercício de uma função não permita ao seu agente apresar os agentes das outras funções estabelecidas, atentando à máxima de Montesquieu sobre a tendência que têm os detentores do poder a dele abusar.

O Judiciário no concerto dos Poderes do Estado

Já se disse que, na origem, nem Montesquieu nem Locke preconizavam a existência de um Poder Judiciário, embora admitissem a função de julgar. Essa dignidade somente é emprestada ao Poder Judiciário quando o princípio atravessa o Atlântico e se encarta no Direito constitucional norte-americano.

É certo que o princípio da Separação, embora exija o conhecimento dessas formulações teóricas a seu respeito, e das dissensões até então lavradas, possui, em si, algo de absolutamente incontroverso: a independência e harmonia dos três Poderes entre si.

E onde o constituinte diz independência não pode o hermeneuta ler submissão, dependência, subalternidade de qualquer dos poderes em relação aos outros. Afinal, como adverte Rumpf, citado por Maury de Macedo, "As audácias do hermeneuta não podem ir a ponto de substituir, de fato, a norma por outra." Assim, quaisquer interpretações da Constituição que possam ser levadas a efeito, hão de ter sua aplicabilidade e ser entendidas como forma de garantir esse independência e harmonia entre os Poderes da República. Nunca o contrário.

Essa advertência se faz tanto mais necessário quanto se sabe que, nos dias atuais, tem vindo à balha, com frequência, a discussão sobre o magistrado adepto do ativismo judicial e seu poder criador; sobretudo nos últimos anos, em que o Supremo Tribunal Federal abandonou a sua clássica posição de ser apenas e tão-somente um legislador negativo, para atuar como legislador positivo, ocupando um espaço destinado ao Poder Legislativo.

Discute-se, em outras palavras se o magistrado, na construção da norma jurídica individual, cria direito ou revela o direito já existente no ordenamento e aplicável ao caso concreto, numa espécie de antítese entre a atividade de interpretação judiciária e a atividade criadora dos magistrados.

Em princípio, isso parece ser um falso problema. Deveras, admitido que o Direito não é um sistema dotado de completude, que não é axiomático-dedutivo, nem lógico formal, é forçoso concluir que há inevitáveis espaços de criação na construção da norma jurídica individual.

Assim, como ressalta MAURO CAPPPELLETTI , o verdadeiro problema é o do “grau de criatividade e dos modos, limites e aceitabilidade da criação do direito por obra dos tribunais judiciários.”

Dizendo de outra forma, quanto de criatividade pode ser invocado pelos magistrados na criação da norma individual sem que essa atividade desborde para a seara do arbítrio, em atenção, à afirmação de Lord Acton — citado por Ives Gandra Martins —, no sentido de que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente .

Se é certo que a Constituição pátria prevê a independência e harmonia dos poderes, então deve ter estabelecido um eficaz sistema de controles recíprocos, para dividir igualmente as faculdades d'empêcher de que cuidava Montesquieu, como forma de equilíbrio entre os poderes.

O tratamento constitucional que recebeu o Poder Judiciário brasileiro, cujos membros não são eleitos, e têm deferida a faculdade de controlar a constitucionalidade das leis, tornou-o um Poder essencialmente diverso do concebido por praticamente todos os teóricos da separação dos poderes, merecendo, também por isso, um tratamento especialíssimo, de modo a evitar que se torne letra morta a cláusula pétrea do princípio da separação dos poderes.

Esse tratamento há-de levar em conta, com máximo desvelo, a questão pertinente à legitimação dos três Poderes da República. Ora, admitido como certo que o princípio da separação dos poderes cuida de uma separação orgânica de funções — porque incompreensível a adoção da teoria das constituições mistas em sociedades não estamentalizadas — tem-se que a legitimação próxima do exercício dessas funções deflui do próprio texto constitucional.

Ocorre que esse mesmo instrumento legitimante reconheceu que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente... (Constituição Federal, artigo 1°, parágrafo único), o que vem confirmado no artigo 14 do mesmo Estatuto Político que determina: "A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto (e periódico, conforme definido no artigo 60, § 4°, que inclui essa disposição entre as cláusulas pétreas).

Esse poder soberano, mesmo admitida a tese de Miguel Reale sobre a jurisfação do poder, se exerce sobre as funções (=poderes) Legislativa e Executiva, justamente através do voto direto e periódico, como forma de escolha de seus agentes, representantes no poder, e, induvidosamente, como forma de placitar ou reprovar condutas havidas no exercício dessa representação.

No que diz, porém, com o Poder Judiciário, a situação é bastante diferente. Não são os seus agentes escolhidos pelo detentor da soberania e, sobretudo, não passam pelo controle periódico de legitimação, o voto, visto como são vitalícios.

Justamente por isso, a forma alternativa de legitimação que possuem passa pela necessidade de que procedam conformidade com o justo social, presumivelmente querido pela lei. Não podem simplesmente eleger a sua ideia de justiça pessoal independentemente de prestação de contas à sociedade sobre cuja conduta decidem. Nem podem fazer-se independentes de alguma forma de controle da sociedade, sob pena de incidirem na advertência de Lord Devlin: "
"É grande a tentação de reconhecer o judiciário como uma elite capaz de se desviar dos trechos demasiadamente embaraçados da estrada do processo democrático. Tratar-se-ia, contudo, de desviação só aparentemente provisória; em realidade, seria ela a entrada de uma via incapaz de se reunir à estrada principal, conduzindo inevitavelmente, por mais longo e tortuoso que seja o caminho, ao estado totalitário."

Não se pretende, obviamente, reduzir a independência do Judiciário. Quer-se, isso sim, reduzi-lo às suas reais dimensões: igual aos outros Poderes, nem mais nem menos importante. Não é, pois, o caso de reduzir o Judiciário a "um poder nulo e invisível" ou à "boca que pronuncia as palavras da lei". Isso seria uma tolice acadêmica e uma imprevidência em termos de Ciência Política.

Admite-se que a atividade do Poder Judiciário implica um espaço necessário de criação do direito. Essa admissão, todavia, não implica a aceitação de formas exacerbadas de ativismo judiciário, seja ele exercido pelas instâncias ordinárias, seja ele exercido pelo Supremo Tribunal Federal que não teve reservado a si, pela Constituição, o poder de exercer o papel de legislador positivo (ressalvadas as situações especificamente admitidas para o uso do mandado de injunção e nos seus limites), ao argumento de que o Legislativo demitiu-se do múnus de concretizar a Constituição, argumento esse supostamente abrigado em exóticas teorias neoconstitucionalistas.

Em outras palavras, ainda que se possa identificar o elevado grau de abulia do Congresso Nacional no exercício dos misteres que lhe são próprios, daí não resulta que possa o STF avançar no vácuo do poder e instalar-se como novel legislador.

Sem embargo disso, e como já afirmado, é evidente o poder criador do magistrado na construção da norma jurídica individual, seja como consectário natural do exercício de sua função seja como decorrência do fato de que o sistema jurídico é dotado de natural incompletude, a exigir do julgador o preenchimento de suas eventuais lacunas. Tanto em uma como em outra situação ocorrerá a manifestação inevitável do poder criador do juiz.

Consequencialismo e Legitimação
Nessa seara é que parece florescer a necessidade de examinar, com mais cuidado, a postura consequencialista do julgador, como um limitador na construção da norma jurídica, a impor ao magistrado um exercício de prognose em relação aos efeitos que o cumprimento da decisão irá provocar no chamado mundo sensível. Não se trata, pois, simplesmente de proferir a decisão, mas, sim, de preocupar-se com sua realização no mundo real de forma adequada, até como forma de eliminar frustração de expectativas, construídas pela própria sentença, em relação ao vencedor, ao vencido, e à sociedade como um todo.

O consequencialismo funciona, em certo sentido, como fonte e forma de legitimação do Poder Judiciário porque ajusta a conduta do Judiciário, conformando-a ao todo social, num reconhecimento de que a justiça do caso concreto se espraia sobre toda a sociedade que não pode nem deve sofrer danos colaterais decorrentes dessas decisões. Ademais, funciona como processo de justificação da decisão judicial, de modo a permitir o controle da sociedade sobre as expectativas que devem manter em relação ao Judiciário e às suas manifestações.

É preciso, em face disso, tecer algumas considerações sobre o consequencialismo como teoria jurídica.

Há uma espécie de admissão tácita de que a tese do consequencialismo deve envolver “the act wich will lead to the most good” , conceito esse que não parece expressar exatamente a ideia que se deve ter e, sim, mais precisamente, algumas vertentes do pragmatismo norteamericano, que têm alguns pontos de contato com o consequencialismo mas que não lhe captam a essência.

Conceda-se, antes de continuar o exame, que a ideia de consequencialismo e sua formulação teórica vicejaram no campo da commom Law. Sem embargo, sua aplicação em ordenamentos de civil Law, especialmente no Brasil, é plenamente admissível, máxime em se considerando a adoção, desde a Emenda Constitucional 45, das chamadas súmulas vinculantes, fato esse que provocou uma maior aproximação entre os dois sistemas sob a ótica da criação da norma jurídica individual e da sua capacidade de funcionar como binding precedent ou precedente vinculante.

Demais disso, são fartos os exemplos de argumentação consequencialista retirados da jurisprudência britânica em que os tribunais decidem sobre direito estatutário, sobre aplicação da lei ao caso concreto, nos moldes que ocorrem no sistema de civil law.

É claro que nos sistemas de commom law, e isso é apontado por MacCormick, amparado em Austin, a decisão de hoje pode ser — e normalmente o é — o precedente de amanhã, fato esse que determina se a apreciação judicial voltada não exclusivamente para o caso concreto mas tendente à consideração de que poderá abrigar casos futuros. Conceda-se, porém, que a atual atividade do Supremo Tribunal Federal na edição de súmulas vinculantes e da apreciação da repercussão geral dos recursos extraordinários e, também, do STJ no julgamento dos recursos repetitivos, tem, ou deve ter, exatamente a mesma preocupação: a valorização das consequências das decisões proferidas.

Nessa linha, convém ter presente a ideia de sinépica como um conjunto de regras que, habilitando o órgão da jurisdição a sopesar as consequências, permite a ponderação dos efeitos da decisão adotada.

Nessa vereda, poder-se-ia pensar em algumas achegas trazidas pela AED (Análise Econômica do Direito), como uma conduta consequencialista, mais exatamente como um instrumento consequencialista (mas que não se confunde, a nosso entender, com consequencialismo), como também, na mesma toada, poder-se-ia pensar no princípio da reserva do financeiramente possível, já algumas vezes invocado no STF, em manifestações do Min. Gilmar Mendes, além de outras posturas consequencialistas que não tenham imediata repercussão patrimonial.

Entre outras aplicações práticas, o consequencialismo se impõe de forma mais acentuada nas relações que concernem à concretização e execução de medidas relativas a políticas públicas, ações de massa, tanto aquelas relativas à tutela coletiva de direitos como à tutela de direitos coletivos.

A ideia que se quer deixar assentada é a de que o pensar as consequências extraprocessuais da decisão judicial, validando-as, entretanto, no próprio sistema jurídico, pode e deve funcionar como meio de legitimação do Judiciário e da decisão judicial, por força do comprometimento do juiz com a sociedade, comprometimento que não se esgota após proferida a sentença de mérito ou após determinado o cumprimento da decisão judicial, mas que se prolonga além tempo e que, por isso mesmo, tem do condão de obrigá-lo, vinculá-lo, responsabilizá-lo.

Diante de tudo o que foi dito, parece lícito concluir que a postura consequencialista reafirma o princípio da separação dos Poderes, aproxima o Judiciário da sociedade e serve como sua fonte de legitimação.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

PEC do Peluso


Texto de autoria coletiva do Gepro/UnB,
sob coordenação do Professor Jorge Amaury Maia Nunes[1]


                        Este texto compara visões otimistas e pessimistas em relação à chamada PEC dos Recursos, e apresenta, também, nossa percepção inicial sobre a questão. Os principais documentos consultados contra ela foram as manifestações da OAB, do IAB e do Ministro Marco Aurélio, do STF. Em oposição a tais manifestações contrárias, praticamente todas as manifestações favoráveis à PEC consistiram em declarações do Ministro Cezar Peluso, do STF. Para que nossa reflexão fosse também fundada em dados, cruzamos as posições em debate com os relatórios oficiais de estatística das seguintes instituições: CNJ (100 Maiores Litigantes, Justiça em Números e Relatório Anual), STF (Estatísticas) e FGV (Supremo em Números). Embora não tenhamos chegado a um consenso, a maioria dos integrantes do grupo entende que a PEC pode ser boa para o Judiciário brasileiro e, em última análise, para a sociedade.

1.   Reformas paralelas

                        Ao mesmo tempo em que tramita na Câmara dos Deputados a reforma do Código de Processo Civil, os chefes dos Três Poderes estão negociando, como parte do III Pacto Republicano, uma emenda constitucional que extinguiria o efeito suspensivo dos recursos dirigidos à jurisdição de instância excepcional.  Tal proposta de emenda, que tem como principal articulador o Ministro Cezar Peluso, ficou conhecida como “PEC dos Recursos” e visa a criar os artigos 105-A e 105-B da CF, determinando que haverá sempre o trânsito em julgado em segunda instância, de tal modo que os recursos excepcionais, eventualmente interpostos, não venham a ser dotados de efeito suspensivo.[2]-[3]-[4]
                        Em termos práticos, essa é uma aposta que pretende diminuir o número de recursos nas instâncias superiores, porque o trânsito em julgado antecipado tornaria tais decisões passíveis de execução definitiva. Na falta de um termo melhor, chamaremos este instituto de coisa julgada antecipada porque, apesar da previsível indignação dos puristas, a PEC concebe uma espécie de coisa julgada com o processo ainda pendente.
                        Essa seria uma inovação no direito brasileiro, pois, em nosso ordenamento processual, o trânsito em julgado coincide com o fim da fase de conhecimento do processo. Tal novidade se choca com a tradicional opção pelo sistema dualista, em que a impugnação de decisões pode ser feita por meio de recursos ou por meio de ações rescisórias. Apesar de representar uma ruptura com o modelo brasileiro atual, a implantação de um sistema monista não é uma inovação no plano do direito comparado, pois em diversos países existe, ou já existiu, um sistema monista – dentro do qual a coisa julgada é impugnável por meio de recurso.[5] Deveras, a impossibilidade de impugnação da coisa julgada por meio de recurso, que, de nos ser tão familiar, termina por parecer um elemento necessário do direito processual, está longe de ser um elemento comum aos ordenamentos dos Estados democráticos contemporâneos. Ao revés, são variados os regimes de impugnação da coisa julgada.
                        No direito comparado, os recursos que se prestam a impugnar a coisa julgada são tipicamente chamados de “extraordinários”[6], mas evitaremos tal nomenclatura para que não se confunda com os recursos ao STF que têm essa denominação no direito pátrio. Também para evitar qualquer confusão, utilizaremos sempre o termo recursos excepcionais para falar sobre aqueles de competência de instância superior.[7]

2.   Consequências da PEC

                        A configuração inovadora da coisa julgada antecipada implica uma série de consequências jurídicas que têm por objetivo atribuir mais efetividade ao processo. Um dos exemplos mais marcantes – considerando-se que o Estado é um dos maiores litigantes no Judiciário[8]-[9] – está em que o trânsito em julgado no curso do processo autorizaria a emissão de precatórios anos antes do que acontece hoje em dia. Para que se tenha uma dimensão do que isso significa, os maiores Estados brasileiros têm dívidas na casa dos bilhões. São Paulo, por exemplo, tem um atraso nos pagamentos de mais de R$ 20 bilhões e o cenário é semelhante ao redor do País, guardadas as devidas proporções.[10] A soma de todos os precatórios estaduais chega a R$ 85 bilhões.
                        A magnitude da repercussão financeira dessa PEC indica que os chefes do Executivo envolvidos na negociação do III Pacto Republicano devem apresentar alguma resistência a ela, que faria muito mais por moralizar o pagamento das dívidas públicas do que qualquer outra medida anteriormente tomada. Todavia, o impacto dessa medida continuaria restrito pelo fato de que a Constituição limita o pagamento de precatórios a 1,5% da receita líquida, a depender do ente (art. 97, §2º, I, das DCT/CF), de sorte que, mantida essa limitação, a PEC apenas faria aumentar a lista de requisições pendentes de liquidação; e, na medida em que a lista crescesse, o débito do Estado também cresceria, dada a incidência de juros sobre tal montante. Isso faz com que a PEC não reverta diretamente em economia para o Estado.
            Outra ordem de considerações concerne aos interesses privados que se imbricam com a PEC. Quanto a isso, é importante destacar que, atualmente, como a execução provisória corre por conta e risco do exequente, muitas vezes a parte vencedora acaba aguardando o fim do processo para executar o julgado em seu favor, mesmo que ao seu dispor exista um meio equivalente à própria execução definitiva.[11]-[12] Isso ocorre porque o exequente assume o risco de executar um julgado que pode vir a ser modificado e precisa garantir sua reversibilidade, o que pode gerar ônus demasiadamente grandes para algumas partes. Caso aprovada, a PEC modificaria radicalmente esse balanceamento de custo/benefício da execução, estimulando a execução definitiva imediatamente após a decisão de instância ordinária.
            Nesse propósito, basta ter em mente que sobre o exequente não pesaria o ônus previsto no art. 475-O, consistente: (i) na responsabilidade de reparação civil caso o julgado fosse revertido; (ii) na liquidação desse prejuízo nos próprios autos por arbitramento; e (iii) na prestação de caução para atos que importem levantamento de quantia, alienação  de propriedade ou grave dano. Vale ainda dizer que permaneceria a possibilidade de reversão do julgado, na medida em que os recursos excepcionais seriam capazes de desconstituir a coisa julgada, assemelhando-se às ações rescisórias. Ou seja, a PEC não nega a possibilidade de revisão dos julgados em instância excepcional, mas apenas retira do exequente os ônus que ele teria para realizar a execução provisória do julgado recorrido.[13]
                        Tudo leva a crer que, em termos sistemáticos, os defensores da PEC entendem que lidar com coisas julgadas mais reversíveis é um preço que vale a pena ser pago para que se tenha uma execução mais célere das decisões. Números oficiais relativos à Justiça Estadual indicam que apenas um terço dos julgados de segundo grau é alvo de recursos e que gira em pouco mais de um quinto (desse terço) a parcela dos recursos julgados pelos STF e STJ que revertem acórdãos emitidos pelos tribunais locais.
                        Assim, a opção política envolvida na referida emenda é a de tornar mais célere a execução de todos os casos submetidos a recurso de segundo grau, mesmo com o custo gerado pela onerosa reversão da execução de 7% desse total (ou seja, aproximadamente um quinto de um terço de todas as decisões proferidas por tribunais locais) tradicionalmente revertidas em instância excepcional.[14]
                        Naturalmente, essa é uma conta simplificada, pois há alguns fatores que também devem influir nessa tomada de decisão de política judiciária, tornando-a mais complexa. Por exemplo, imaginemos um caso em que a Fazenda promova uma ação contra um particular e se beneficie de uma decisão de segundo grau que venha ser depois revertida. Não pode ser ignorado que uma execução contra a Fazenda será o procedimento necessário para reparar o prejuízo causado por decisões desse tipo, caso o particular tenha pago aquilo a que foi condenado em segundo grau. Se o julgamento tivesse sido o correto desde o início, o particular não precisaria se submeter a essa forma de reparação, que pode ser muito demorada e onerosa. Isso significa que pode haver certa vantagem para a Fazenda em um julgamento equivocado revertido em instância extraordinária, uma vez que ela mesma nunca se submeterá a um regime tão desfavorável de reparação para satisfazer seus créditos.[15]
                        Tal vantagem, contudo, não é absoluta, pois é mais provável um credor receber da Fazenda – especialmente na esfera federal – do que o contrário. Afinal, apesar da demora da execução por precatórios, o credor nesse caso estaria livre do risco da insolvência. Esse exercício mental serve apenas para reforçar a ideia de que desfazer um julgamento equivocado pode submeter o prejudicado – seja ele qual for – a riscos decorrentes da demora e até da própria solvência ou insolvência do condenado. Ou seja, estamos tratando de uma decisão bastante complexa em termos de política judiciária, pois a questão não se refere somente a saber quantas decisões erradas serão executadas. É necessário refletir também sobre se temos um sistema suficientemente eficiente para reparar as injustiças que decidirmos tolerar ao adotar a PEC.
             Além da equação mencionada, que põe na balança basicamente o número de decisões mantidas e as reformadas, parece haver uma aposta em que essa modificação tenderá a reduzir o próprio número de recursos dirigidos aos tribunais superiores, na medida em que recursos meramente protelatórios não acarretariam qualquer ganho para o recorrente. Caso esse prognóstico se confirme, não haveria apenas uma redução quantitativa no número de processos, mas uma seleção qualitativa aprimorada, já que se gastaria menos tempo e dinheiro avaliando processos cuja única função era protelar a execução das sentenças.
            Em termos quantitativos, tudo indica que o impacto da PEC seria grande, pois as últimas modificações legislativas, mesmo que mais sutis, levaram a uma sensível diminuição no número de processos pendentes junto ao STF. Um bom exemplo é o número de recursos em que se cogita de controle difuso de constitucionalidade, que era praticamente o triplo no ano de 2006. Sem novas alterações, tal distribuição tende a se estabilizar por volta de 40 mil recursos anuais, nível visto após a exigência da repercussão geral como requisito de admissibilidade. Apenas para que se tenha uma ideia comparativa, desde 1988 foram distribuídas apenas 4,5 mil ações diretas de inconstitucionalidade. Ou seja, a cada ano são ainda distribuídos quase dez vezes mais recursos de controle difuso do que o número de demandas de controle concentrado distribuídas desde a entrada em vigor da atual Constituição.[16]-[17]
            A repercussão geral tem papel relevante nessa diminuição de recursos, cujo tratamento é feito segundo a sistemática dos repetitivos. Ou seja, além de ter um número menor de recursos para efetivamente julgar, o STF passou a ter ferramentas para que seu próprio processamento seja mais eficiente. Tudo parece fazer parte de um pacote, cuja implementação teve relativo sucesso. A PEC é compatível com esse avanço e viria complementar o sistema que já existe sem abrir mão dos avanços até agora conquistados.
            Voltando ao assunto dos números do Judiciário, como índice de sucesso das reformas, há também outra ordem de considerações não quantificáveis. Por exemplo, existe uma sensação de impunidade em relação aos crimes cometidos por pessoas que contam com advogados capazes de se utilizar do sistema recursal para que aconteça a prescrição. Para esse tipo de causa, a PEC é também muito relevante, pois o trânsito em julgado autorizaria a aplicação da pena imediatamente após o julgamento de segunda instância.
                        A reação dos advogados criminalistas, que patrocinam os talvez maiores interessados na morosidade judicial, é bem exemplificada pela manifestação do Conselheiro Federal da OAB, Délio Lins e Silva. Para ele: “essa PEC vai abarrotar os nossos presídios de inocentes”.[18] Ao lado dessas, há diversas outras manifestações vindas da advocacia que não agregam muito ao debate do ponto de vista científico, pois são manifestações simbólicas de repúdio, sem envolver uma reflexão crítica e uma avaliação cuidadosa dos prováveis impactos positivos e negativos da medida.[19] Em contraste, o Ministro Cezar Peluso divulgou estudo de sua assessoria segundo o qual apenas um recurso extraordinário, entre milhares interpostos, reformou no mérito uma condenação criminal nos últimos dois anos.[20]
                        Por fim, do ponto de vista procedimental, há mais uma consequência da PEC a ser comentada. A proposta do Ministro Cezar Peluso é taxativa ao registrar que “a nenhum título será concedido efeito suspensivo aos recursos”[21], fechando assim a via das cautelares voltadas a tal fim. Apesar da clareza do texto, é difícil supor que em nenhuma hipótese será atribuído o efeito suspensivo, sob pena de violar o próprio acesso ao judiciário. Idealmente, a PEC substitui a busca pela atribuição de efeito suspensivo pela possibilidade de que o recurso tenha “preferência no julgamento”. Os críticos da PEC sustentam que, embora em tese a preferência afaste o mal do tempo sobre o processo, poderia acontecer algum caso em que postergar a decisão implicasse também negativa de jurisdição. Além disso, os críticos mencionam que o pedido de preferência é algo difícil de ser controlado e poderia ser utilizado por advogados pertencentes a elites jurídicas.[22] Apesar da eloquência das críticas, somente com a PEC em vigor será possível saber se algum efeito nocivo ela causará à prática judicial.

3.   Aproximação dos controles de legalidade e de constitucionalidade

                        Caso a PEC venha a entrar em vigor, é razoável supor que os tribunais superiores se tornem ainda mais resistentes a rever acórdãos de instância ordinária. Esse tipo de comportamento aproximaria a postura do STF, tanto em sua atuação no controle difuso quanto no controle concentrado de constitucionalidade, nos quais a garantia da estabilidade jurídica é por vezes considerada mais relevante do que a satisfação dos direito das partes.
                        O modelo proposto pela PEC valoriza o STF e o STJ como fontes de uniformização do direito, dando a entender que eles devem ser ainda mais tribunais de direito e não de justiça. Ao assim agir, o Judiciário colocaria o direito da parte em segundo plano, sob um fundamento de política judiciária segundo o qual isso seria necessário para que o sistema funcionasse melhor como um todo.[23] Com isso, decisões que definissem linhas jurisprudenciais diversas das estabelecidas pelos tribunais de segundo grau tenderiam a ampliar o número de recursos e, nessa medida, poderiam ser evitadas por razões mais estratégicas do que normativas.
                        Lembremos que, no controle por via de ação, concentrado, o reconhecimento desse fenômeno motivou a criação do instituto da modulação dos efeitos das declarações de inconstitucionalidade[24], permitindo que fossem tomadas decisões de caráter ex nunc ou que fosse fixada uma data determinada para a operação dos seus efeitos. Essa possibilidade chegou a ser estendida para o controle incidental, possibilitando que o controle difuso seja operado sem oferecer qualquer vantagem às partes litigantes, mostrando uma tendência a julgar de forma abstrata mesmo as questões constitucionais concretas.[25]

            A modulação dos efeitos foi uma solução política para os impasses gerados por decisões de caráter erga omnes e a presente PEC tende a conferir um efeito semelhante para as decisões de instância excepcional, que, embora não tenham propriamente um efeito erga omnes, terão impactos que extrapolarão em muito os direitos das partes envolvidas no processo. 
                        Por enquanto, essa é apenas uma especulação que precisa aguardar pelo futuro, embora seja razoável esperar que seja operada uma aproximação do sistema de julgamento dos recursos excepcionais e o atual modelo de apreciação dos recursos extraordinários propriamente ditos. Isso porque a aproximação se daria no âmbito da prática, por meio do maior impacto das decisões recursais e da consequente resistência na reforma de decisões transitadas em julgado. Naturalmente, com a PEC em vigor, os tribunais superiores poderiam investir mais energia no julgamento de causas de maior relevância para pacificação da jurisprudência, o que irradiaria efeitos uniformizadores por todo o sistema judicial. Essa parece ser a razão maior da proposta. É nessa medida – e apenas nessa medida – que o fato de 90% do acervo pendente de julgamento no STF serem constituídos de recursos se mostra como algo negativo para o Judicário. Ou seja, a existência de uma grande proporção de recursos não é algo ruim em si. Isso faz parte do nosso modelo constitucional de controle de constitucionalidade. É assim também em vários países, que trabalham apenas com recursos que remetem casos concretos ao órgão responsável pela uniformização do direito constitucional, a exemplo dos Estados Unidos e da própria Alemanha.[26]
                        Do ponto de vista teórico, tal convergência entre modelos de controle de constitucionalidade e de legalidade – afinal não estamos tratando aqui somente da modulação de efeitos no STF, e sim incluindo o STJ – não seria justificável. Basta ter em mente que o controle de constitucionalidade por via de ação tutela objetivamente o direito, ao passo que os recursos excepcionais, por força da própria Constituição, são dependentes da existência de uma lide individual. Vem daí a crença equivocada de que o jurisdicionado brasileiro teria direito subjetivo ao julgamento nos tribunais superiores. Embora sem muita técnica, fala-se em um julgamento de terceira instância (pelo STJ) e também de quarta instância (pelo STF), a cujo acesso o jurisdicionado teria direito subjetivo. Em termos lógicos uma coisa não leva à outra: o sistema judicial brasileiro convive com a exigência de uma lide individual para que o recurso excepcional seja admissível, mas a existência dessa lide não é suficiente para gerar a admissibilidade.
                        O melhor exemplo dessa desconexão é a existência da repercussão geral no STF e da crescente importância dos recursos repetitivos no STJ. A crença na existência de um direito subjetivo de acesso a essas cortes leva a que quase 80% dos processos em trâmite no STF sejam recursos excepcionais, submetidos atualmente aos mencionados filtros.[27] Apesar de um bom ponto de partida, esse número não esgota o debate em torno dos motivos que levam a uma recorribilidade tão alta. Afinal, o discurso do direito subjetivo de acesso parece apenas tentar justificar a interposição corriqueira de recursos, sendo que a real motivação pode ser financeira e não jurídica. A razão é simples: é relativamente barato dever na Justiça. Por meio de uma articulação jurídica – consistente na criação da coisa julgada antecipada, que facilitaria a execução imediata – a PEC tornaria o processo mais caro para o devedor, reconhecido como tal pelo Poder Judiciário.

4.   Constituição e poder

                        Toda modificação constitucional é impulsionada por uma instabilidade nos jogos de poder circundantes à prática jurídica. No caso, ainda tomando como exemplo o tema do direito subjetivo ao julgamento em instância excepcional, o STF parece pretender deixar claro que ele não existe. Ou seja, o STF pretende se consolidar como uma instância efetivamente extraordinária, que escolha sobre o que se manifestar levando em conta o potencial de uniformização jurisprudencial de suas manifestações. Assim, os tribunais superiores deixariam de estar a serviço da parte para estar a serviço de todos os cidadãos. Trata-se de um comportamento voltado à ocupação de uma função de mais poder: o poder de escolha dos casos sobre os quais eles desejam se manifestar.
                        A reforma nesse sentido já vinha acontecendo silenciosamente, por meio da jurisprudência. São inúmeros os exemplos de julgamento do STF, bem como do STJ, que se voltaram a solucionar a questão normativa abstrata e colocaram em segundo plano a lide do processo posta em julgamento pelo recurso.[28] Agora o que se pretende é o reconhecimento jurídico dessa aspiração no nível constitucional, de tal modo que se abra caminho para a reforma infraconstitucional necessária para compatibilizar totalmente essa inovação do trânsito em julgado antecipado com o ordenamento processual. Ou seja, a almejada PEC seria um primeiro passo para a reacomodação das expectativas dos atores políticos envolvidos na prática judicial.  
                        Assim, a PEC colocaria o STF e o STJ como verdadeiros vértices do nosso sistema judicial, o que de certa maneira diminuiria a importância das demandas individuais que neles tramitam. Elas se tornariam verdadeiros pretextos para uniformização da jurisprudência, tomando como centro de gravidade o interesse público na segurança jurídica. De algum modo isso se choca com a forma pela qual fomos educados a articular nosso pensamento jurídico, pois nosso senso teórico dominante exige a existência do interesse jurídico (pessoal) da parte como condição de admissibilidade do recurso. Em outras palavras, a teoria do processo – assim como a própria configuração constitucional dos recursos excepcionais – exige uma violação normativa que tenha relevância para a parte titular do recurso.
                        Disso decorre que – quando o STF assume que gostaria de julgar a causa, independentemente do trânsito em julgado antecipado – ele está mirando o futuro e não o caso concreto. Em um jogo no qual estivesse sendo considerado somente o interesse individual, a PEC dos Recursos não teria a mínima chance de prevalecer. Por isso, é possível dizer que estamos assistindo a uma mudança de mentalidade judicial, na qual o interesse privado está perdendo prestígio e o público vem ganhando peso. Do ponto de vista doutrinário, esse fenômeno assume vários rótulos, por exemplo, o da constitucionalização do processo e “objetivação” do processo.[29]

5.   Reação à PEC

                        A PEC dos Recursos tem sido vista como uma proposta do Ministro Cezar Peluso. Mas ela não é uma iniciativa isolada, e sim uma possível continuidade das reformas que começaram com a Emenda Constitucional (EC) 45/2004. Fizeram parte desse movimento a ampliação do uso do cumprimento de sentença (Lei 11.232/2005), a retenção dos agravos como regra (Lei 11.182/2005), a restrição da apelação contrária a súmula (Lei 11.276/2005), a possibilidade de julgamento de improcedência liminar (Lei 11.277/2006), entre outras leis que tinham por objetivo dar mais efetividade ao Judiciário. Em outras palavras, estamos falando de algo muito maior do que a própria instituição do julgamento com repercussão geral pelo STF, associado ao procedimento dos recursos repetitivos no STF e no STJ, conforme autorizada pela EC 45/2004.
            Politicamente, essas reformas estão se viabilizando por blocos, os chamados Pactos Republicanos, cujo primeiro aconteceu em 2004 e o segundo em 2009. Agora, estamos caminhando para uma terceira rodada de negociações políticas que deve permitir a aprovação em bloco de algumas propostas legislativas já em trâmite, como a PEC 358/2005 (em curso na Câmara, tratando de diversos assuntos) e a PEC 15/2011 (em curso no Senado, prevendo a transformação dos recursos excepcionais em ações rescisórias de forma bastante semelhante à proposta pelo Ministro Cezar Peluso).[30] O que tudo isso tem em comum é que o processo vem sendo simplificado para admitir a eliminação de alguns passos até que uma decisão efetiva possa ser emitida.
                        A reação dos advogados – representados pela OAB[31] e também pelo IAB[32] – era bastante previsível, pois lhes interessa a preservação de um sistema judicial marcado pela manutenção de garantias, dado que são essas garantias de manifestação em juízo que asseguram, em parte, o trabalho do advogado. No discurso do IAB, essa posição aparece como a defesa de um “sacrossanto Direito de Defesa”, fundado na “sabença comezinha” da coisa julgada. Contudo, essa manifestação revela uma preocupação velada da classe dos advogados, consistente em que, sem a manutenção de todas as possibilidades de manifestação em juízo que temos hoje, vários deles perderiam parte de sua renda, quando não o próprio emprego. O hábito de cobrança de honorários por peça processual produzida reforça essa hipótese, já que vários advogados brasileiros tipicamente não ganham pelo processo como um todo, mas por cada evento processual.
                        De fato, é papel da OAB buscar melhores condições de trabalho para os inscritos na ordem e, nesse sentido, assegurar seus empregos está contido nas iniciativas legítimas da entidade de classe.[33] Isso é natural e deve ser aceito tranquilamente, embora não possa ocorrer a todo preço. O que causa estranhamento é o fato de tais órgãos de defesa dos interesses dos advogados se apresentarem como entidades de defesa “intransigente do Estado Democrático de Direito, da soberania nacional e dos direitos fundamentais”[34]. Todavia, resta claro que se trata de uma argumentação motivada pelo interesse da classe defendida, mas retoricamente dissimulada como uma defesa do interesse público ou até mesmo da própria lógica.[35]
                        O compromisso com a prestação de um serviço público concretizador dos direitos fundamentais – que também é formalmente um compromisso institucional da classe dos advogados – termina sendo um discurso que serve apenas para legitimar a atuação da classe[36]-[37], especialmente quando existe uma potencial tensão entre o interesse público e o interesse dos próprios advogados. Estamos diante de um exemplo típico desse choque, no qual a redução das chances de manifestação do advogado no processo poderia ser boa para o cidadão, mas implicaria uma diminuição do mercado dos advogados.[38]-[39]-[40]
                        O que se vê é uma dissimulação de argumentos, na qual a OAB advoga ‘pro domo sua’, valendo-se de argumentos de interesse público, como no seguinte trecho da carta enviada ao Ministério da Justiça: “Se a sociedade tem uma percepção que a Justiça é lenta decerto não é por causa de 14,2% dos processos que vão à segunda instância ou aos 2,2% de processos que chegam aos Tribunais Superiores”. Essa é uma argumentação simplista e que não enfrenta o assunto em sua complexidade real. Parece-nos curioso igualmente que o discurso de todos – contra ou a favor da PEC – seja o mesmo, sustentando a OAB ser “inquestionável que a realização da Justiça deve ser ágil, moderna e eficiente”. Ou seja, todos se valem de argumentos de legitimidade constitucional, notadamente os relacionados à concretização de direitos fundamentais, para colocar em práticas ambições conflitantes, coerentes apenas com a busca por poder de cada instituição.
                        A OAB apresenta, em sua carta, argumentação ontológica ao supor a existência de um “real sentido da coisa julgada” e que a PEC viria a “desnaturar o sentido e alcance da impugnação recursal via recursos extraordinário e especial”. Em que pese a eloquência dessas expressões, não podemos ser aprisionados pela tradição.[41] Afinal, como dito anteriormente, a coisa julgada é tratada de forma diferente em diversos países ao longo da história e também atualmente. Não existe, portanto, um conceito puro – fora de contexto, espaço ou tempo – que não possa ser modificado pela Constituição.
                        A PEC é, na verdade, uma reacomodação das forças políticas articulada sobre o discurso da efetividade da jurisdição: para um lado, na busca de poder para o STF e, para o outro, na busca da manutenção do mercado de trabalho dos advogados. Tanto a OAB sabe disso que enviou a carta ao Ministro da Justiça, reconhecidamente um ator político. E a forma de articular esse discurso, escolhida pela OAB, é bastante compatível com a tradição conceitual do nosso direito, representada na passagem em que tenta resgatar o tal “real sentido da coisa julgada”.
                        O efeito prático é que essa parcela dos advogados termina falando para si mesma, pois esse tipo de mensagem circula de forma endógena como uma maneira de fortalecer o discurso que mantém a unidade da classe. No longo prazo isso tende a deslegitimar a atuação da classe, mesmo que em vários momentos a OAB realmente se apresente como defensora da sociedade. Ainda que exista uma atuação bastante forte da OAB em defesa da sociedade e que ela tenha desempenhado um papel fundamental durante ditadura militar decorrente do golpe de 1964, quando se trata do interesse da classe, os advogados se centram em seu próprio discurso e o interesse público se converte em um elemento vazio da retórica.
                        Diversas de suas iniciativas têm o objetivo de manter o quanto possível o estado de coisas que existe, principalmente quando o assunto é a manutenção de recursos ou a diminuição dos poderes judiciais. Pesquisa no site do STF revela que a OAB, como um todo, ajuizou em torno de 230 ações diretas de inconstitucionalidade. Várias defendem o interesse público, principalmente as voltadas a impugnar iniciativas tributárias estaduais ilegais, o aumento ilegal de remuneração dos magistrados, etc. No entanto, outras impugnam supostas ofensas a garantias do devido processo, a exemplo da ADI 4296-3[42] (contra a nova lei do mandado de segurança) e a ADI 3695-5[43] (contra a dispensa de citação e reprodução de sentença idêntica nos casos exclusivamente de direito, conforme o art. 285-A do CPC). Mas não é na arena judicial que a OAB tem sua maior atuação, pois é no campo político que suas forças se concentram. O ajuizamento de ações diretas de inconstitucionalidade é um último recurso apenas, com pouca chance de êxito.

6.   O panorama comparado

                        Do ponto de vista do direito comparado, a tônica da reforma brasileira na matéria recursal é compreensível. Afinal, poucos países enfrentam uma crise de efetividade jurisdicional tão associada à demora na tramitação dos processos quanto o Brasil. Desse modo, a reforma do nosso sistema recursal não é apenas uma busca de poder pelos seus autores, mas também uma necessidade real para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. Por exemplo, ainda que a PEC venha a concentrar poder no STF e no STJ, ela termina valorizando os tribunais locais, na medida em que impõe o trânsito em julgado desde a exaustão da instância ordinária. Disso decorre que as decisões serão mais facilmente executadas, de uma forma mais barata e mais rápida.
                        De outro lado, não podemos perder de vista que o projeto de verticalização do poder judiciário traz embutida em si a vinculação dos precedentes, como quer o projeto de CPC em curso na Câmara dos Deputados. Na prática, isso quer dizer que serão executados julgados que estiverem de acordo com a jurisprudência dos tribunais superiores. Se de tudo isso resultar um sistema melhor para o cidadão, a PEC será uma modificação desejável. Afinal, trata-se de um suspiro de pulverização de poder, de valorização da instância ordinária, enfim de democratização, em que pese o projeto do STF seja mais marcado pela busca de poder do que pela sua renúncia. Trocando em miúdos, há males que vêm – ou pode ser que venham – para o bem.
                        O presente texto não comporta um desenvolvimento completo do seu tema no que concerne ao direito comparado, embora contenha elementos suficientes para demonstrar que existem regimes diferentes no tratamento da impugnação da coisa julgada em diversos países .[44]-[45]
                        Vejamos o caso do direito português, cujo CPC (no art. 676, 2, conforme redação atribuída em 2007) diz: “Os recursos são ordinários ou extraordinários, sendo ordinários os recursos de apelação e de revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão. Parágrafo único: a decisão considera-se transitada em julgado quando não possa recorrer-se ou logo que estejam esgotados os recursos ordinários” Helder Martins Leitão, ao comentar o dispositivo, registra: “De anotar que o critério sobre o qual assenta a distinção recurso ordinário/recurso extraordinário, é o do trânsito em julgado da decisão recorrida. Com efeito, se para o ordinário, imperioso é que não tenha ocorrido o trânsito em julgado da decisão recorrenda, para o extaordinário, a sua interposição pressupõe, precisamente, o invés.”[46]- [47]
                        No direito italiano, o critério distintivo dos recursos também se correlaciona com a coisa julgada. Daí advém a distinção, já que os “meios ordinários impedem a formação da coisa julgada formal e abrem, por isso, uma nova fase, um prolongamento do processo; os meios extraordinários, ao revés, visam impugnar a própria coisa julgada e dão, por essa razão, lugar a um novo processo distinto”.[48]-[49]-[50]
                        No Direito Francês, o Código de Processo Civil, que disciplina a matéria no art. 480, assevera que “o julgamento que decide, no seu dispositivo, todo ou parte do principal, ou aquele que delibera sobre uma exceção de procedimento, um não-conhecimento ou qualquer outro incidente, possui, desde sua prolação, autoridade de coisa julgada relativamente à controvérsia que ele resolve.” (trad. livre)
                        O art. 500 do mesmo código, que teve sua redação mantida no Código que vai começar a vigorar em janeiro de 2013, estabelece que “possui força de coisa julgada o julgamento que não é suscetível de nenhum recurso suspensivo da execução.”
                        Como também já assinalado, no Direito Francês, as vias extraordinárias de recurso, mais especificamente os Recours em Révision, têm por objetivo a “retratação de um julgamento passado em julgado para que haja nova deliberação de fato e de direito” (Livre Ier, Titre XVI, Sous-Titre III, Chapitre II).
                        Não por outro motivo, aliás, o mesmo Código, no art. 539, atribui somente aos recursos ordinários [não aos extraordinários] o efeito suspensivo da execução dos julgados. Mesmo com a ressalva de que, no Direito Francês, o respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, que é forte, não possui estatura constitucional, podemos afirmar que a lição do Direito Comparado se ajusta com perfeição ao que vem sendo discutido: a ideia de coisa julgada está muito mais vinculada à executividade definitiva de uma decisão de mérito do que à possibilidade – ainda – de sua revisão pelo Poder Judiciário.
                         Não por outro motivo, aliás, a ação rescisória brasileira, que tem como pressuposto número um a existência de uma sentença de mérito já transitada em julgado, convive pacificamente com o sistema recursal e com o próprio conceito de coisa julgada.
                        Ainda quanto ao ponto, é lícito afirmar que conceitos que tais (coisa julgada, recurso, questão incidental e outros) somente possuem fixação de contornos em face de dado ordenamento positivo. Não há um único conceito de coisa julgada ou de recurso que possa ser atribuído a todos os direitos em todos os momentos históricos. Diga-se, mesmo, que até conceitos com mais vocação para a universalidade, como o de Democracia, por exemplo, não logram unidade de conformação nem na sua dimensão geográfica, nem na sua dimensão histórica.
                        Por fim, além dos casos de Portugal, Itália e França, podem ser ainda citados os ordenamentos jurídicos da Espanha[51] e Uruguai[52] como exemplos de utilização dos recursos extraordinários como meios de impugnação de decisões transitadas em julgado.

7.   Entre otimistas e pessimistas

                        A PEC pode ser boa não pelo que é do ponto de vista de seus autores (um projeto diminuição da carga dos tribunais superiores)[53], mas pelas suas consequências em prol dos jurisdicionados (na medida em que passa pela valorização da instância ordinária). Se for possível conciliar maior efetividade com menor custo e segurança, essa alternativa será mesmo uma ótima saída.[54] A PEC, caso aprovada, será ao menos uma tentativa diferente de solução da crise brasileira, ao passo que liga áreas problemáticas do processo (execução e recursos), evitando um discurso simplista de celeridade que geralmente se articula somente sobre o tema dos recursos.
            É necessário resgatar o debate sobre a crise de efetividade brasileira como uma crise associada à execução dos julgados. Isso implica que uma das chaves para a evolução da atividade do Judiciário está certamente nos temas do efeito suspensivo dos recursos e dos pesados ônus da execução provisória. A PEC é criativa e pode ser boa para o nosso sistema judicial porque soluciona (ou melhor, propõe-se a solucionar) de forma conjunta pontos críticos, tanto dos recursos quanto da execução.
                        Contudo, nem todos são otimistas quanto às possibilidades da PEC, tanto é assim que, mesmo no estrito âmbito de nosso grupo de pesquisa, não chegamos a um consenso. Ademais, nem dentro do próprio STF há unanimidade em relação à constitucionalidade da PEC. O Ministro Marco Aurélio se opõe publicamente à PEC[55], sustentando que a coisa julgada é cláusula pétrea. Ademais, segundo o Ministro, não poderia ser proposta uma PEC tendente a abolir direito individual.
                        Números oficiais também colaboram para algum ceticismo. Considere-se, por exemplo, a conclusão do CNJ no sentido de que: “Embora o Judiciário disponha de 16,1 mil magistrados e 312,5 mil servidores, a taxa de congestionamento global da Justiça brasileira foi de 71% em 2009 (...). A situação é mais grave na fase de execução, quando a taxa de congestionamento chega a 80% na Justiça Federal e a 90% na estadual.”[56] Com base nisso, somos levados a nos questionar se o problema do processo de execução se restringe a torná-la juridicamente admissível [como quer a PEC], na medida em que, por exemplo, na Justiça Estadual o Judiciário apenas foi capaz de encerrar 10% das execuções pendentes.
                        Tudo leva a crer que o problema brasileiro seja mais de efetividade nas execuções já admitidas, pois elas não são encerradas com sucesso. Sob esse enfoque, apenas admitir mais execuções que não se resolvam manterá o problema crônico de inefetividade que temos. O ideal seria que as pessoas cumprissem espontaneamente as condenações, o que parece ser um sonho para a realidade brasileira. Afinal, a viabilidade do Estado – como maior litigante que é – está baseada na demora na solução dos litígios,  muitas vezes derivados do próprio descumprimento da jurisprudência.
                        Se a PEC se mostrar uma solução meramente jurídica, ao admitir o processamento de mais execuções, continuaremos sem enfrentar um dos maiores problemas de efetividade da nossa Justiça. Isso porque os números demonstram que o Judiciário não consegue nem solucionar satisfatoriamente as execuções que já se encontram pendentes. Em outras palavras, antecipar o ajuizamento de execuções não resolve completamente o nosso problema de morosidade. É necessário encontrar uma saída para que as próprias execuções sejam mais efetivas.
                        Noutra vertente, talvez o argumento esgrimido pelos opositores da PEC que esteja a merecer maior cuidado seja justamente o relativo a uma eventual violação do conceito de coisa julgada, como já apontado anteriormente, especialmente com o qualificativo que lhe foi emprestado pelo Ministro Marco Aurélio que lhe outorga estatura constitucional, o que implicaria a possibilidade de argüição de inconstitucionalidade da própria emenda constitucional.
                        É preciso, por isso, ter algum cuidado no exame da matéria. Em primeiro lugar, cumpre observar que não existe um conceito constitucional de coisa julgada, nem aqui nem no Direito comparado. A missão de conceituar sempre foi deferida à doutrina e ao direito infraconstitucional. No caso brasileiro, como visto em outra passagem, essa conceituação está ligada ao sistema recursal e a outras formas de impugnação da decisão judicial. Isso, aliás, não é um privilégio nacional. Assim, não caberia asseverar que uma proposta de emenda constitucional como a que aqui se discute teria violado algum núcleo essencial do direito fundamental à coisa julgada, pelo simples fato de se atribuir executividade definitiva  a decisões judiciais a respeito das quais ainda estejam pendentes recursos excepcionais.
                        A leitura constitucional exige uma textura aberta para sua atualização lenta e constante, até como um natural movimento de autopreservação. Não fosse assim, as rupturas seriam a ordem do dia em todos os ordenamentos jurídicos. Não se trata da novidade pela novidade. Ao revés, trata-se de mudar para preservar o ordenamento, dar-lhe efetividade, distribuir atempadamente a jurisdição, débito do Estado para com o cidadão, reconhecido por Rui na Oração aos moços, no início do século XX, e até hoje impago.  

8.   Conclusão

                        Tentando responder à pergunta da qual nos propusemos a tratar, entendemos que a PEC dos Recursos tende a contribuir para a melhoria da prestação jurisdicional. Não ignoramos, contudo, as críticas de diversos autores e também de membros da classe dos advogados. Tomando tudo em consideração, entendemos que o impacto em termos de número de execuções antecipadas pode ser muito grande, o que refletirá também na redução do número de recursos excepcionais. Saber se a energia poupada pelo Judiciário nessa iniciativa será bem investida – de modo a contribuir para uma efetiva melhora do nosso sistema – é algo que não podemos prever. Quanto a isso podemos apenas supor e esperar para que o melhor uso dos recursos estatais seja feito.
                        De toda sorte, mesmo sob um olhar pessimista, a PEC parece boa porque recoloca o tema da execução no debate sobre a efetividade, um tema que ficou ofuscado pelas últimas discussões em torno da verticalização do nosso Judiciário e do – equivocado – entendimento de que os recursos seriam seu pior mal. Ou seja, a PEC é desejável porque não é apenas uma PEC dos Recursos. Bem que ela poderia se chamar PEC da Execução, PEC da Coisa Julgada Antecipada ou PEC do Peluso, como tantos querem.
                        Só nos resta esperar, qualquer que seja o nome, que a PEC seja um bom passo no sentido de restabelecer alguma harmonia entre as instâncias judiciais brasileira, resgatando-se o crédito na instância ordinária. E isso deve caminhar paralelamente com a proteção da instância excepcional contra recursos excessivos, de tal modo que ela possa cumprir melhor sua missão institucional de aumentar a segurança jurídica por meio da uniformização da jurisprudência.

9.   Bibliografia

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[1] Esse é um texto de autoria coletiva do Grupo de Estudo em Direito Processual da Universidade de Brasília (Gepro/UnB), coordenado pelo Professor Jorge Amaury Maia Nunes. Para saber mais sobre o grupo, visite: www.arcos.org.br/grupos/gepro.
[2] Vide notícias sobre a PEC dos Recursos no site do STF, consultado em 17/04/11: http://bit.ly/gsi49u.
[3] Esta é a íntegra da PEC dos Recursos: “Art. 105-A.  A admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte. Parágrafo único.  A nenhum título será concedido efeito suspensivo aos recursos, podendo o Relator, se for o caso, pedir preferência no julgamento. Art. 105-B. Cabe recurso ordinário, com efeito devolutivo e suspensivo, no prazo de quinze (15) dias, da decisão que, com ou sem julgamento de mérito, extinga processo de competência originária: I – de Tribunal local, para o Tribunal Superior competente; II  - de Tribunal Superior, para o Supremo Tribunal Federal.”
[4] Na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei para um Novo CPC tramita sob a referência PL 8046/10, segundo informações fornecidas pelo site da própria Câmara, consultado em 17/04/11: http://bit.ly/f4CgsB. Cronologicamente, esses foram os fatos que antecederam ao PL: em outubro de 2009 foi convocada a comissão de juristas que elaborou o anteprojeto; em junho de 2010 o anteprojeto foi passado ao Senado, onde tramitou sob a referência PL 166/10; em dezembro do mesmo ano uma nova comissão instituída para debater o anteprojeto no Senado encerrou seus trabalhos por meio de um relatório, que é o ponto de partida para os debates na Câmara dos Deputados. Cabe o registro que pontos fundamentais do anteprojeto foram alterados pelo substitutivo do Senado, com destaque para a retirada de dispositivos que dotavam os juízes de primeira instância de mais poderes na condução dos casos.
[5] A regra do cabimento da ação rescisória – e não recurso – contra julgamento com coisa julgada varia em diversos países historicamente, como registra Othon Sidou, em livro atualizado até a década de 90. Vide: SIDOU, JM Othon. Processo civil comparado (histórico e contemporâneo) à luz do código de processo civil brasileiro, modificado até 1996. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997, p. 331-332.
[6] “A classificação entre recursos ordinários e recursos extraordinários, que toma por critério o fato de estar ou não, a decisão impugnada, acobertada pela coisa julgada, não guarda qualquer pertinência com o direito brasileiro.” MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e repercussão geral e outras questões relativas aos recursos especial e extraordinário. 5 ed. São Paulo: RT, 2009, p. 29.
[7] Ainda sobre o tema da nomenclatura, o mais citado é Barbosa Moreira: “O recurso extraordinário do direito brasileiro não se assimila, nem jamais se assimilou às figuras recursais a que se costuma, em vários ordenamentos estrangeiros, aplicar essa designação.” MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, V, 15 ed, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 583.
[8] Um estudo da FGV (Supremo em números) dá conta de que o Executivo é responsável por quase 90% dos recursos pendentes no STF. Síntese do estudo disponível no site da FVG, consutada em 20/04/11: http://bit.ly/iaFG3P.
[9] O setor público como um todo é responsável por praticamente metade das demandas do Judiciário, considerado-se o universo dos  100 maiores litigantes. Em termos de litigiosidade, o setor público federal, que lidera a lista dos maiores litigantes, empata sozinho com todos os bancos juntos. Saiba mais no relatório 100 Maiores Litigantes, publicado no site do CNJ, consultado em 20/04/11: http://bit.ly/hvUz00.
[10] Vide artigo denominado “Novas regras do CNJ para precatório são contestadas”, publicado no Valor Econômico de 14/03/11, por Adriana Aguiar, consultado no clipping do Ministério do Planejamento: http://bit.ly/gleMma
[11] “Embora de uso corrente, a palavra “provisória” não representa adequadamente o fenômeno, porque se cuida de adiantamento ou antecipação da eficácia executiva (...). E, de resto, “provisório” é o título, não a execução em si, que e processa da mesma forma que a definitiva (...)”. ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11 ed. São Paulo: RT, 2007, p. 305-306.
[12] Por conta da imprecisão técnica no uso do termo execução provisória, diz Medina: “Segundo pensamos, melhor seria afirmar que, no caso, se está diante de execução integral de sentença provisória.” MEDINA, José Miguel Garcia. Execução. Processo civil moderno. São Paulo: RT, 2008, p. 250.
[13] Entendemos por ônus a possibilidade de se submeter voluntariamente para que seja possível a fruição de uma resultado útil, como em Liebman ao comparar tal conceito com direito subjetivo e sujeição: “In altri termini diritto soggettivo processuale è il potere di provocare un’attività dell’organo. A sua volta, questa attività produce determinati effetti sulla situazione giuridica delle parti le quali subiscono e non possono evitarli: questa è la figura della soggezione. Terza figura è infine quella dell'o’ere che consiste nella necessità di svolgere una certa attività, se si vuol evitare un certo effetto dannoso o conseguire un determinato risultato utile.” LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile. 7 ed. Milano: Giuffrè, 2007, p. 37.
[14] É preciso cautel aquando tratarmos de números que pretendam retratar a produtividade do Judiciário, pois é muito comum encontrarmos números errados ou que ao menos induzam ao erro avaliações críticas. Se vivemos décadas sem estatísticas, parece que esse tempo mudou. Agora o mais difícil é tirar proveito dos números existentes, pois eles tendem a indicar mais o número de feitos pendentes, por exemplo, do que fazer uma revelação qualitativa. Nesse sentido, sabemos quem são os maiores litigantes, mas não sabemos quantas ações eles efetivamente ganharam ou perderam. É preciso também ter cautela com a forma de exposição dos números pela imprensa. O Estadão diz que mais de 90% dos processos no STF são recursos, como se isso fosse um erro absurdo. (Vide: “Supremo atolado: 92% dos processos são recursos”, acessado em 07/05/11 no site da FGV: http://bit.ly/mqV7JR). O Globo diz que apenas 3% dos julgados do STF são de temas constitucinoais. Diz também que, “pelos dados oficiais, dos 145 recursos de apelação apresentados ao STF entre 2009 e 2010, apenas 2,77% resultaram em mudanças nas sentenças originais. Esses dados estão sendo expostos equivocadamente, pois os números mencionados se referem somente aos processos criminais e a leitura da matéria induz o leitor a pensar que refletem todo o universo de recursos do STF (Vide: “3% dos julgamentos feitos pelo STF são de temas constitucionais”, acessado em 07/05/11 no site da FGV: http://bit.ly/leS9qT). A Folha, por seu turno, interpreta corretamente as informações relativas aos 3%, mas diz que “Presidente da corte defende lei para reduzir o número de contestações” (Vide: “STF só altera 3% das decisões anteriores ao julgar recursos”, acessado em 07/05/11 no site da FGV: http://bit.ly/leS9qT). E a própria TV Justiça ao simplificar o debate induz ao erro ao afirmar que “O STF foi originalmente criado para analisar questões constitucionais, no entanto, esse tipo de processo corresponde hoje a apenas 0,51% do total de ações do Supremo” (Vide: “STF Justiça divulga Supremo em números”, acessado em 07/05/11 no site da FGV: http://bit.ly/kO2nVB). A referência da TJ Justiça deve ser em relação ao controle concentrado, que não constitui o universo de questões constitucionais pendentes no STF. Esse é um problema terminológico criado pela FGV, que ao invés de utilizar a terminologia jurídica compartilhada pelas fontes do direito preferiu criar a sua. Diz a FGV: “Classificamos como Constitucional o comportamento da Corte responsável pelo tratamento de questões de interesse geral, que abordam a Constituição acima de interesses particulares. Chamamos de Ordinária a parcela do Supremo que trata de casos de interesses individuais mas não recursais. Por fim, denominamos de persona Recursal o STF que cuida de recursos de massa, com questões muitas vezes repetitivas, mais especificamente os Recursos Extraordinários e os Agravos de Instrumento.”Além disso, de acordo com a própria Constituição, o STF não é apenas uma corte constitucional, tal qual os discursos de seus membros nos induzem a crer. O STF não será apenas um tribunal para controle concentrado, até que se mude a Constituição. (Vide: “I Relatório – abril/2011 – O Múltiplo Supremo”, acessado em 07/05/11 no site da FGV: http://bit.ly/kdlNB3)
[15] Ainda sobre esse assunto, vale dizer que não existiria a vantagem relatada se, no processo revertido em instância excepcional, o autor fosse o particular. Isso se deve a que o autor nesse caso estaria sujeito desde o início ao regime da execução por precatórios. Ademais, se a PEC der certo, a execução por precatórios deve demorar mais que o julgamento pela instância excepcional, de tal modo que na prática a satisfação do crédito contra a Fazenda deverá continuar a acontecer quando o processo de conhecimento já tiver sido confirmado pelos tribunais superiores.
[16] Dados do extraídos da Seção de Estatísticas do site do STF, consultada em 20/04/11: http://bit.ly/gLODTe. Considere-se que, fora as ADI, as outras ações de controle concentrado compõem um número ínfimo em termos estatísticos.
[17] Para mais dados sobre o Judiciário brasileiro, ver o relatório Justiça em Números (2009), publicado no site do CNJ, consultado em 17/04/11: www.cnj.jus.br/justica-numeros.
[18] Vide matéria publicada no Conjur, por Gabriela Rocha e Marina Ito: “PEC dos Recursos deve abarrotar presídios”, consutada em 17/04/11: http://bit.ly/gi4x4o.
[19] Como exemplo, ver a nota do colégio de presidentes do Instituto dos Advogados do Brasil, publicada no Migalhas, consultada em 17/04/11: http://bit.ly/ihcTl6.
[20] Matéria publicada pelo Conjur, acessada em 07/05/11: http://bit.ly/mcNqT0.
[21] Nery Jr. assim define efeito suspensivo: “O efeito suspensivo é uma qualidade do recurso que adia a produção dos efeitos da decisão impugnada assim que interposto o recurso, qualidade essa que perdura até que transite em julgado a decisão sobre o recurso.” NERY Jr, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6 ed. São Paulo: RT, 2004, p. 445.
[22] Sobre as elites jurídicas, ver: ALMEIDA, Frederico Normanha Ribeiro de. A nobreza togada: as elites jurídicas e a política da Justiça no Brasil. Tese de doutorado em ciência política defendida na USP em 17/09/10, consultada em 17/04/11: http://bit.ly/9dUPYG.
[23] Afinal, essa é a função dos recursos de estrito direito: “Têm, os recursos especial e extraordinário, a função de preservar a ordem jurídica, evitando a dilaceração do sistema jurídico federal ou normativo federal, exercendo, assim a sua função, que é a de tornar claras pautas de conduta.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2 ed. São Paulo: RT, 2008, p. 245.
[24] “A modulação em controle incidental, embora não conste expressamente de nenhum dispositivo legal, tem sido utilizada com razoável freqüência pelo Supremo Tribunal Federal, em precedentes como o da composição das Câmaras Municipais [STF, DJU, 21 maio 2004, RE 266.994-SP, rel. Min. Maurício Corrêa] e da progressão de regime em caso de crimes hediondos [STF, DJU, 23 fev. 2006, HC 82.959-S, rel. Min Marco Aurélio].” BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 76.
[25] Embora não trate da convergência aqui dita, Gilmar Mendes sustenta que, com a CF, passou a prevalecer o modelo de controle concentrado no Brasil: “A Constituição de 1988 conferiu ênfase, portanto, não mais ao sistema difuso ou incidente, mas ao modelo concentrado, uma vez que, praticamente, todas as controvérsias constitucionais relevantes passaram a ser submetidas ao Supremo Tribunal Federal, mediante processo de controle abstrato de normas. A ampla legitimação, a presteza e a celeridade desse modelo processual, dotado inclusive da possibilidade de se suspender imediatamente a eficácia do ato normativo questionado, mediante pedido de cautelar, constituem elemento explicativo de tal tendência.” MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 241.
[26] O novo estudo da FGV, que é muito afinado ao discurso do Ministro Cezar Peluso, induz a que a predominância de recursos em termos numéricos no STF seja tido por negativa. Reforçamos que há países que funcionam com o controle de constitucionalidade somente com base em recursos e isso não implica um mal em si. O problema são os números absolutos, que abarrotam o STF. De todo modo, é preciso reconhecer que a proporção dos recursos no STF vem aumentado mais do que as outras classes desde 1988. Antes os recursos giravam em torno de 50% do volume, enquanto hoje se encontram acima dos 90%. Essa tendência veio a ser amenizada por conta da Reforma do Judiciário, mas manteve proporções ainda bastante díspares em termos quantitativos, com o predomínio dos recursos sobre as outras classes de processos no STF. Nosso comentário não contraria a posição da FGV de que muitos recursos são algo indesejável para o Judiciário. No entanto, é incorreto assumir um discurso de que antes existia um balanceamento, um equilíbrio, que teria sido quebrado pela Constituição atual, como se antes vivêssemos um cenário melhor em termos de prestação jurisdiciona, até porque o STF tinha outro papel na sociedade. Ainda que a crise de prestação jurisdicional seja vencida, o número de recursos jamais vai se igualar ao número de ações de controle concentrado. Existe uma disparidade natural, que não pode ser abordada superficialmente como um sintoma de abarrotamento do Judiciário. Os dados são da FGV, no relatório Supremo em números, cuja íntegra foi consultada em 07/05/11: http://bit.ly/iaFG3P.
[27] Dados do extraídos da Seção de Estatísticas do site do STF, consultada em 20/04/11: http://bit.ly/gLODTe
[28] Vide: FERRAZ Jr, Tércio Sampaio; CARRAZZA, Roque Antonio; NERY Jr, Nelson. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. 2 ed. Barueri: Manole, 2009: “Pareceu aos autores que esse voto [ADI 2.240] levantara, assim, significativos argumentos para a concessão de efeito ex nunc, não só às decisões sobre inconstitucionalidade proferidas pelo ST em última instância, mas também a decisões de tribunal superior, como o STJ, quando, no âmbito de sua competência, decidem, em instância definitiva, sobre legalidade, mais propriamente, sobre vigência de lei federal.” (Apresentação, p. 30)
[29] Vide a Exposição de motivos do anteprojeto para um Novo CPC: “Hoje, costuma-se dizer que o processo civil constitucionalizou-se. Fala-se em modelo constitucional do processo, expressão inspirada na obra de Italo Andolina e Giuseppe Vignera, “Il modello costituzionale del processo civile italiano: corso di lezioni” (Turim, Giapicchelli, 1990). O processo há de ser examinado, estudado e compreendido à luz da Constituição e de forma a dar o maior rendimento possível aos seus princípios fundamentais.” Consultado no site do Senado, em 22/04/11: http://bit.ly/cOAw9u.
[30] Para mais informações sobre as razões da PEC, ver entrevista de Pablo Cerdeira, consultada no canal do STF no YouTube, em 07/05/11: http://bit.ly/lOofvS. Para consultar a tramitação da PEC 35//2005, que aguarda votação da Câmara, ver o site da Câmara, consultado em 07/05/11: http://bit.ly/kns9ja. Para consultar a tramitação da PEC 15/2011, que aguarda designação de relator na CCJ do Senado, ver o site do Senado, consultado em 07/05/11: http://bit.ly/k1PB9q.
[31] Vide carta da OAB ao Ministro da Justiça, publicada pelo site da OAB, consultada em 20/04/11: http://bit.ly/dPdGZM, na qual se lê: “Após debates no Conselho Pleno desta Entidade, reunido em Sessão no dia 10/04, não obstante o conteúdo da proposta e respectiva justificativa, concluiu este Conselho Federal tratar-se de inversão de valores republicanos manifesta ofensa aos princípios constitucionais da segurança, da inafastabilidade da jurisdição e da ampla defesa, 'data máxima venia'.” (sic)
[32] Vide íntegra do parecer do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), publicado no Migalhas, consultado em 20/04/11: http://bit.ly/e5WbJq. A manifestação do IAB repete a mesma linha de pensamento da OAB: “É de sabença comezinha em Direito as figuras jurídicas conhecidas do “devido processo legal”, do “trânsito em julgado”, da “coisa julgada” e da “não culpabilidade”, todas relativas ao sacrossanto Direito de Defesa deferido constitucionalmente a todos os litigantes em processos administrativos e, sobretudo, judiciais.”
[33] Consta no Estatuto da OAB: “Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (...) tem por finalidade: (...) II  – promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.”
[34] Sobre a preocupação social do IAB, registra a apresentação do seu site institucional, consultado em 20/04/11: www.iabnacional.org.br. Diz o site: “Apenas na década de 1930, com a criação da OAB, é que o Instituto deixou de se preocupar com especificidades da categoria dos advogados e direcionou seus esforços em sua vocação precípua: pensar juridicamente o Brasil. (...) Em síntese, pode-se afirmar que o Instituto dos Advogados Brasileiros foi e permanece sendo um defensor intransigente do Estado Democrático de Direito, da soberania nacional e dos direitos fundamentais.”
[35] Diz o IAB, em passagem incompreensível: “A lógica tem fator preponderante no exame da conduta prevista na norma jurídica enfocada, haja vista não existir precedente histórico relativo para a aplicação do método sistemático, salvo as constantes pretensões de reforma da legislação processual a obstar a possibilidade de recurso. Decerto, é o mecanismo mais apropriado para interpretar a  mens legislatoris. É a lógica formal, a lógica concreta, que possibilita verificar a lógica dialética e,  in casu, a lógica jurídica que o texto legal encerra, pretendendo impor uma conduta a ser observada. Muito embora a lógica funcione como uma abstração, por vezes diferente do conteúdo, o pensamento formal indica o sujeito, distinto do objeto, mas interpolados em face de suas próprias e peculiares premissas: “A forma é sempre forma de um conteúdo, mas o conteúdo determina a forma” (LEFEBVRE. Henry.  Lógica Formal – Lógica dialética. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1991, pág. 83).
[36] Diz o Estatuto da OAB: “Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil  – OAB, serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.”
[37] A apresentação dos comentários ao acórdão da ação direta de inconstitucionalidade 3026, feita pelo então Presidente da OAB Roberto Busato, demonstra a proposta da OAB como defensora da pátria. Nessa ação foi decidido que a OAB não precisa realizar concurso público, fortalecendo a ideia de que ela não é propriamente entidade estatal: "Instituição voltada não apenas para a defesa dos legítimos interesses corporativos da advocacia, mas, também, nos termos de seu Estatuto (artigo 44, inciso I), para a defesa da Constituição, dos direitos humanos, da justiça social e do Estado democrático de Direito, é natural que preocupe governantes pouco afeitos a essas causas. A Ordem não tem partido ou ideologia. Seu partido é a Pátria, sua ideologia a cidadania. Esse paradigma permite que se estabeleça em seu ambiente a pluralidade indispensável ao efetivo convívio democrático. Com tal vitória, nos sentimos revigorados e fortalecidos para continuar a enfrentar os permanentes embates e desafios que a defesa da democracia e do bem comum impõe.” Texto consultado em 22/04/11 no site da OAB: http://bit.ly/iagcCp.
[38] Existe uma posição doutrinária segundo a qual também a restrição da cobrança de honorários advocatícios – e não apenas a redução de recursos – seria uma boa forma de possibilitar acesso à justiça e possibilitar competição no mercado de serviços advocatícios. Segundo Zuckerman, que melhor representa essa vertente, apenas há possibilidade de melhora da qualidade da prestação jurisdicional se forem combatidos os privilégios dos advogados, pois na forma como está pelo mundo eles passam a ter interesse em complicar e postergar a solução de demandas. ZUCKERMAN, Adrian A.S [et al]. Civil justice in crisis: comparative perspectives of civil procedure. Oxford: OUP, 2003, p. 45.
[39] Um bom exemplo de conflito de interesses entre a classe dos advogados e o direito dos cidadãos é visto na Itália. Enquanto nos demais países da Europa se fala em meses de duração como um período razoável, a Itália tem como realidade algo muito diferente, pois os processos italianos duram diversos anos. Alguns processos chegam a durar uma década e esse atraso faz com que as partes abandonem seus processos. Tanto é assim, que apenas 35% das causas chegam a uma sentença de mérito. Isso está também relacionado à complexidade do sistema judicial, do qual advogados de todas os níveis terminam tirando proveito – e justamente por isso se opõem a mudanças que contrariem seus próprios interesses, segundo Zuckerman. Vide: ZUCKERMAN, Adrian A.S [et al]. Civil justice in crisis: comparative perspectives of civil procedure. Oxford: OUP, 2003, p. 23.
[40] Há também um estudo muito interessante, publicado em 2010, que associa o alto número de processos na Itália com o alto número de advogados. A hipótese confirmada por esse estudo é a de que os advogados em alto número terminam explorando o serviço judicial de forma desnecessária e inefetiva. Buonano e Galizzi concluem que o crescimento de 10% no número de advogados leva ao aumento de até 6% no número de processos.  Vide: BUONANO, Paolo; GALIZZI, “Advocatus, et non latro? Testing the Supplier-Induced-Demand Hypothesis for Italian Courts of Justice”. Artigo  consultado em 27/12/09: http://bit.ly/ahCnWh, p. 5. Ver também: CARMIGNANI, Amanda; GIACOMELLI, Silvia. Too many lawyers? Litigation in Italian civil courts. Estudo produzido em julho de 2009 e consultado em 17/05/10: http://bit.ly/f6WzVF. Para estatísticas atuais da Itália, ver site do Minstério da Justiça italiano, consultado em 20/04/11: http://bit.ly/cSOesR. Para o CPC italiano, consultado em 20/04/11: http://bit.ly/9miqv5.
[41] Sobre nosso vício em enfrentar problemas novos partindo de instituições antigas: “Urge, conseqüentemente, repensar o que já foi pensado ontem, principalmente na perspectiva da reflexão feita por Mangabeira Unger [O direito e o futuro da democracia, São Paulo, Bomtempo, 2004, p. 16]: a razão mais forte de nossas perplexidades e dificuldades reside na teimosia de querermos dar resposta a problemas nova valendo-nos das antigas instituições.” PASSOS, Calmon de Passos. As razões da crise de nosso sistema recursal. In: FABRÍCIO, Adroaldo Furtado [et al]. Meios de impugnação ao julgado civil: estudos em homenagem a José Carlos Barbosa Moreira. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 365-382, citação nas p. 380-381.
[42] No site do STF podem ser encontrados andamentos, decisões e petição inicial do caso: http://bit.ly/gwfjQr.
[43] No site do STF podem ser encontrados andamentos, decisões e petição inicial do caso: http://bit.ly/ibNBYt.
[44] Deixamos aqui algumas referências de obras clássicas e contemporâneas para aprofundamento futuro sobre o direito comparado. O livro definitivo sobre recurso extraordinário em português parece ser o de José Afonso da Silva, no qual todos os pontos citados sobre a história e o direito comparado são tratados com muita profundidade: SILVA, José Afonso da. Do recurso extraordinário no direito processual brasileiro. São Paulo: RT, 1963, em especial nas p. 45-55. Ver também, no direito argentino: BIELSA, Rafael. La proteccion constitucional y el recurso extraordinario: jurisdiccion de la Corte Suprema. 2 ed. Depalma: Buenos Aires, 1958. No direito italiano, em tradução de Santiago Sentis Melendo: CALAMANDREI, Piero. La casación civil. Bibliográfica: Buenos Aires, 1945. Para atualização, ver: MAZZARELLA, Ferdinando; TESORIERE, Giovanni. Corso di diritto processuale civile. 3 ed. Milani: Cedam, 2008.No direito francês, em comparação com o alemão, ver: FERRAND, Frédérique. Cassation française et révision allemande. Paris: Presses Universitaires, 1993. Para o direito francês mais atual, em inglês: STEINER, Eva. French law: a comparative approach. Oxford: OUP, 2010. Para o direito alemão mais atual, em inglês: FOSTER, Nigel; SULE, Satish. German legal system and laws. 4 ed. Oxford: OUP, 2010. No direito português atual, ver: LEITÃO, Helder Martins. Dos recursos: o novo regime de recursos no CPC. Porto: Almeida & Leitão, 2008.
[45] “Do mesmo modo que em Portugal e no Brasil, o direito alemão adotava o dualismo [recurso/ação] para o ataque à sentença viciosa (...). A Áustria segue o sistema dualista (...). O francês Nouveau Code, de 1993, eliminou o raquête civile do estatuto de 1807, e ampliou o recours de révision para o efeito de retratar o “julgamento com força de coisa julgada para que ele seja novamente estatuído de fato e de direito” (...). Na Itália, o recurso correspondente à ação rescisória, ou o que mais dela se aproxima, é a revocazione (...). A revocazione não é ação, mas recurso, integrando o título das impugnações ao lado da apelação, da cassação e da oposição de terceiro (...). A Ley de Enjuiciamiento Civil, da Espanha, trata a matéria de que nos ocupamos como recurso de revisión (...). A Argentina adotava o recurso de nulidade por defeito ou vício de procedimento, vinculado à apelação, isto é, só procedia depois de conhecida essa (...) [mas] modificou esse quadro, possibilitando a interposição da nulidade independentemente do recurso geral.” SIDOU, JM Othon. Processo civil comparado (histórico e contemporâneo) à luz do código de processo civil brasileiro, modificado até 1996. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997, p. 331-332.
[46] LEITÃO, Helder Martins. Dos recursos: o novo regime de recursos no CPC. Porto: Almeida & Leitão, 2008. A redação da lei foi confirmada no site do Superior Tribunal de Justiça de Portugal, consultado em 07/05/11: http://bit.ly/cwk8wR. Ver também: ALBERTO DOS REIS, José. Código de processo civil anotado (...), p. 212.
[47] “Em Portugal, esclarece José Carlos Barbosa Moreira, “à vista de texto expresso (Código de Processo Civil, art. 677, Rio de Janeiro: Forense, 2002, V, p. 254), os recursos chamados extraordinários (revisão e oposição de terceiro) se diferenciam com toda a clareza dos ordinários pelo fato de que a interponibilidade de qualquer destes últimos impede o trânsito em julgado, ao passo que a decisão já se considera passado em julgado mesmo que ainda suscetível de impugnação por algum dos primeiros. Também na Itália costuma falar-se de mezzi ordinari e mezzi straordinari para designar, respectivamente, os remédios que obstam o trânsito em julgado e aqueles que, ao contrário, o pressupõem.” MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 8 ed. São Paulo: RT, 2003, p. 101.
[48] Cf: SILVA, José Afonso da. Do recurso extraordinário (...), p. 91.
[49] Neste sentido, o “Codice di Procedura Civile” estabelece: Art. 324: Si intende passata in giudicato la sentenza che non è più soggetta ne' a regolamento di competenza, ne' ad appello, ne' a ricorso per cassazione, ne' a revocazione per i motivi di cui ai numeri 4 e 5 dell'articolo 395.
[50] Ainda no direito italiano, Ugo Rocco diferencia meio de impugnação ordinário do extraordinário, como sendo aquele julgado por uma instância superior e este julgado pelo mesmo órgão que proferiu a sentença: “Una distinzione tra mezzi ordinari e mezzi straordinari per impugnar ele sentenze. Mezzi ordinari erano quelli che portavano il riesame della  controversia ad un organo giurisdizionale superiore; mentre mezzi straordinari erano quelli che portavano il riesame della controversia allo stesso organo giurisdizionale, che aveva emesso la sentanza”. ROCCO, Ugo. Trattato di Diritto Processuale Civile (..), p. 372.
[51] PRIETO-CASTRO, Leonardo. Tratado de derecho procesal civil (...) p. 400 e 401: “La resolución pendiente de recurso ordinario, en cuanto no ha adquirido el carácter de cosa juzgada, no deberá en principio ejecutarse, de modo que si la ley accede a la ejecución es natural que exija garantías. Por el contrario, tratándose del recurso extraordinario, ya que la cosa juzgada existe, nada debe, por regla general, oponerse a la ejecución, o, todo lo más que cabe es hacerla depender de garantías”.
[52] VESCOVI, Enrique. Los recursos judiciales e demás médios impugnativos en Iberoamérica. Buenos Aires: Depalma, 1988, p. 67: “En el Uruguay – y también en Italia – la discusión se basa, exclusivamente, en si la decisión impugnada (sentencia) ha pasado o no en autoridad de cosa juzgada. El recruso que se da contra esta última es extraordinario; en cambio, si sus interposición impide la formación de al cosa juzgada, será ordinario. Por eso, inclusive, la casación, como está organizada en el Derecho uruguayo, es clasificada de recurso ordinario, conforme al sistema mencionado.”
[53] A argumentação de que o STF estaria abarrotado de recursos geralmente é utilizada por um dado eloquente, mas parcial. O novo estudo da FGV diz que quase todos os processos em curso no STF são recursos, como se isso fosse algo essencialmente ruim. Não é verdade, tanto é que o número de ações por controle concentrado permanece o mesmo, ainda que o número de recursos apresente variação dependente das reformas legislativas. O próprio estudo demonstra que a média de andamentos nos processos de controle concentrado traduz que o STF investe muito mais energia quando atua julgando ações diretas de inconstitucionalidade. Os dados são da FGV, no relatório Supremo em números, cuja íntegrafoi consultada em 07/05/11: http://bit.ly/iaFG3P, p. 22 e 25
[54] “Um dos aspectos mais marcantes da segurança jurídica é a asseguração do acesso do cidadão a um juiz imparcial capaz de dar justa aplicação da norma jurídica que deve incidir sobre o caso posto ao exame do Estado. Deveras, o direito ao juiz é uma inerência do direito à defesa dos direitos garantidos pelo ordenamento jurídico. O direito à jurisdição é a resposta de que necessita o cidadão para assegurar que o comportamento que adotou era o adequado para certa circunstância.” NUNES, Jorge Amaury Maia. Segurança jurídica e súmula vinculante. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 93-94.
[55] Vide carta do Ministro Marco Aurélio enviada ao Ministro Cezar Peluso, publicada no Conjur, consultada em 20/04/11: http://bit.ly/i1SaHi, na qual se lê: “Para concluir, retorno à problemática da coisa julgada, ressaltando o sistema constitucional. A lei não pode afastá-la. A mitigação do instituto já ocorre na própria Carta da República quando se prevê a ação de impugnação autônoma que é a rescisória. Permita-me,  Presidente, externar preocupação no que, pouco a pouco, vem-se esvaziando o sistema processual. O argumento relativo à busca da celeridade não pode ser potencializado a esse ponto.”
[56] Vide Relatório Anual de 2010 do CNJ, p. 75, consultado no site do CNJ em 20/04/11: http://bit.ly/hLeUF4.