sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Roteiro completo


Roteiros de Aula

AULA  1.
Apresentação do Programa.  Visão global do novo Código de Processo Civil. Comparação com o sistema do código revogado.
A importância da compreensão da classificação das ações (declaratórias, constitutivas, condenatórias, mandamentais e executivas) para determinação da atividade satisfativa.
A satisfatividade no novo Código. Tutelas provisórias, cumprimento de sentença,  processo de execução.
AULA 2.
Atividade Executiva. Da norma jurídica individual à realização do direito no mundo dos fatos.
Execução direta
Execução indireta
Os atos executivos podem ser divididos em duas classes
Classe dos atos de coerção  Coerção pessoal ou física: execução por alimentos (o indivíduo pode ser preso pelo débito em atraso).
 Coerção patrimonial: consignada na imposição do preceito cominatório.
Atos de sub-rogação (execução que não depende da colaboração do réu): o Estado dispõe de  aparato de força suficiente para fazer cumprir o comando do título: desapossamento, transformação, expropriação.
Espécies de atos executivos de expropriação. Identificação no código: desconto, adjudicação, alienação por iniciativa particular, alienação por leilão.

AULA 3.
Princípios que regem o processo de execução:
Princípio do Título
Princípio da patrimonialidade
Princípio da menor onerosidade
Princípio da disponibilidade
Princípio da autonomia
Princípio do resultado
Princípio da adequação
Exame de cada um desses princípios, ao lado da ideia de boa fé.

AULA 4.
Responsabilidade patrimonial. Conceito de responsabilidade. Responsabilidade e obrigação. Responsabilidade primária e secundária.
Responsabilidade do cônjuge ou companheiro.
Responsabilidade decorrente da desconsideração da personalidade jurídica.
A penhora como forma de constrição do patrimônio.

AULA 5.
Limitações da responsabilidade. Parcela do patrimônio garantida pela cláusula de impenhorabilidade.
O patrimônio do cônjuge e a importância do regime de comunhão. Penhora de bens hipotecados. Intimação do credor hipotecário.
Impenhorabilidade absoluta.

AULA 6.

Fraude de execução. O que é. Ideia de invalidade e de ineficácia.
 Hipóteses previstas no Código.
Distinção entre fraude de execução e fraude contra credores (ação pauliana)

AULA 7.
Dos requisitos necessários para aviar qualquer execução. Existência do Título. Inadimplemento do devedor.
Título executivo. Generalidades. Título judicial e extrajudicial. Características: certeza, liquidez e exigibilidade. Liquidação do título: (i) simples cálculo; (ii) arbitramento; (iii) por artigos (procedimento comum).

AULA 8.
Títulos executivos judiciais. Espécies. Títulos que inauguram um novo processo. Títulos que ensejam uma nova fase processual.

AULA 9.
Títulos executivos extrajudiciais. Identificação. Títulos fechados (nota promissória, cheque, etc). Títulos abertos (documento público ou particular....).
Pressupostos da execução. Juízo competente (competência funcional) e exceções a essa regra. A execução por carta. Partes (quais são as partes no processo executivo) indicadas e não indicadas no título executivo.

AULA 10.
A petição inicial no processo de execução e no cumprimento. Forma de elaboração. Ideias sobre a forma de construir uma boa petição. Documentos que devem acompanhar o pedido.

AULA 11. Das diversas espécies de execução. Cumulação de execuções. Execução de obrigação de dar e de fazer. Conceito de uma e outra. Quando aviar uma ou outra. A questão temporal e a posição de Alcides de Mendonça Lima.

AULA 12.
Execução de obrigação de dar coisa certa e de dar coisa incerta. O preceito cominatório. Execução de obrigação de fazer e de não fazer. As diversas possibilidades do não fazer. Nemo potest cogi ad Factum. A origem do preceito cominatório.

AULA 13.
Execução por quantia certa contra devedor solvente. Procedimento.

AULAS 14 E 15.
Ainda a execução por quantia certa.

AULA 16.
Primeira avaliação de conhecimentos.
AULA 17.
 Reponsabilidade patrimonial. Quem tem. Quais bens podem ser excutidos.

AULA 18.
Conceito de penhora. Estabelecimento de preferências. Bens gravados com garantia real. Penhora de mão própria. Penhora de créditos. Como se realiza?

Aula 19.
Modificações de penhora.  Ordem dos bens penhorados. Segunda penhora. Ampliação da penhora. Redução da penhora.

Aula 20.
Satisfação do direito do credor: adjudicação, venda a título particular,  venda mediante leilão.  Pagamento com os frutos do bem penhorado.

Aula 21.
Quem e em que condições pode remir os bens penhorados. Quem procede ao Leilão. Cuidados com  realização  do leilão. Quem deve ser intimado? Quando deve ser encerrado o leilão. Quem paga a comissão do leiloeiro? E se alguém quiser pagar a prazo? Se o pretendente desistir?

Aula 22.
Quando se considera perfeita e acabada a arrematação. E se for descoberto um vício a posteriori? Sub-rogação no valor obtido com o pagamento do lanço ofertado? Leilão de bens do incapaz. Condições especiais. Condutas que podem se tomadas pelo julgador.

Aula 23.
Concurso de preferências. Vários credores concorrem ao resultado de um único leilão. Qual o juiz competente para deliberar sobre o pagamento? Quem recebe e em que ordem? Preferências processuais e materiais.

Aula 24.

A atuação do executado. Exceção/objeção de pré-executividade. Origem histórica. Conteúdo e limite das exceções e objeções. Cabe exceção para examinar a constitucionalidade de lei incidente? Impugnação ao cumprimento de sentença e embargos à execução. Natureza jurídica dos embargos. Ação declaratória e/ou constitutiva negativa, conforme o caso.

Aula 25.
Execução contra a fazenda pública. Regime especial de execução. A impenhorabilidade dos bens da fazenda e o regime de precatórios e RPV. Os embargos da fazenda. O dever de indicar a quantia que  entende devida, se for o caso.

Aulas 26, 27, 28.
Exercícios.

Aula 29.
Segunda avaliação

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

A Tutela Provisória no CPC 2015 e suas perplexidades

Jorge Amaury Maia Nunes
No artigo que inaugurou esta coluna, dedicamos um breve comentário ao Livro V, da Parte Geral do novo CPC, que cuida da Tutela Provisória (de urgência e de evidência), para indicar que, nele, pulularam inovações — em especial a estabilização da decisão do art. 304 —, não sendo ainda possível saber se as soluções preconizadas foram as melhores.
Convém, neste novo artigo, tentar verticalizar um pouco mais o exame do tema, ainda que com o risco de, mais tarde, rever o que estamos a escrever neste momento. Pecado maior do que o erro é a omissão deliberada. Vamos começar, então, com o que nos parece menos problemático e, após, avançaremos para a chamada vexata quaestio da estabilização da decisão e das possibilidades de objetá-la. Não será preocupação do presente exame a questão relativa à tutela de evidência (ou, como pretende o legislador processual, tutela “da” evidência), que ficará para outra oportunidade.
No novo CPC, pretendeu-se dar um tratamento único às tutelas de urgência, antecipatória e cautelar, como se ambas fossem provisórias. Afinal, este é o título do Livro V: Da Tutela Provisória, embora somente a tutela antecipada possua caráter autenticamente provisório. A tutela cautelar, no estrito sentido do termo, é temporária e não provisória, porquanto não será substituída por uma decisão definitiva sobre o mesmo mérito. É que o mérito da cautelar é específico (cabe no binômio periculum damnum irreparabile e fumus boni juris) e não se confunde com o mérito da ação a que se apelida de principal.
Provisória é a tutela antecipada que dá, agora, o bem da vida vindicado. E é provisória porque está em oposição à tutela definitiva, que é a fixada em sentença proferida após a realização de atividade cognitiva exauriente. É bem de ver que, sob os auspícios da reforma de fins de 1994, o legislador processual tratou de estender a chamada antecipação de tutela ao procedimento comum, sendo lugar comum na doutrina a afirmação no sentido de que, presentes os pressupostos autorizadores do art. 273, o juiz anteciparia os efeitos práticos da decisão que poderia vir a ser deferida. Em outras palavras, propiciaria a entrega o bem da vida no mundo físico, nada obstante, no mundo da criação da norma jurídica individual (sentença), a matéria ainda permanecesse em estado de pendência, à espera da realização da cognição exauriente.
Da simples regência da matéria no novo Código, e apesar do discurso ensaiado pelo legislador, percebe-se, primo ictu oculi, que essas duas tutelas continuam a ser diversas, ainda que se tenha tentado uniformizar os pressupostos para seu deferimento. O discurso é negado pela própria evidência normativa. Deveras, basta ter em conta que o legislador sentiu-se obrigado a abrir no Título II, do Livro V, três capítulos: o primeiro para disposições gerais; o segundo para cuidar da tutela antecipada requerida em caráter antecedente; e o terceiro para cuidar da tutela cautelar requerida em caráter antecedente, de cuja leitura percebe-se, claramente, a diferença do tratamento dispensado a um e outro tipo de tutela.
Ao que parece, o legislador pretendeu afastar-se do discrímen histórico — conforme antiga lição de Ovídio Araujo Baptista da Silva, no seu Do Processo Cautelar, 3ª. edição, Rio de Janeiro: Forense, 2001, pp. 13/14 — que havia, desde o direito medieval, entre os conceitos de periculum damnum irreparabile e periculum in mora, este último relativo a certas causas que, dada a sua simplicidade, relevância, ou urgência da matéria a ser examinada, a prudência e a lógica recomendavam que fossem tratadas por um procedimento sumário. O primeiro, perigo de dano irreparável, relativo a qualquer causa em que se impusesse uma resposta jurisdicional expedita, em decorrência da irrupção de um elemento de risco de dano iminente. Afirma Ovídio, ainda com arrimo na doutrina italiana, que o primeiro conceito responde ao risco da tardividade, enquanto que o segundo responde ao risco da infrutuosidade.
Em favor da separação conceitual, cabe lembrar, também, do clameur de haro (invocação a ROLLON, primeiro duque da Normandia), no direito francês, que tem vinculação com o periculum damnum irreparabile, mas não com o periculum in mora, como parece defluir da lição de GARSONNET (Traité Theorique et Pratique de Procédure, deuxième édition, tome huitième, Paris: Librairie de la Société du Recueil Géneral des lois et des arrêts, 1904, p. 284). Essas duas referências históricas, do direito francês e do direito italiano medieval, dão luzes bastante fortes da distinção que existe ou deve existir entre a tutela cautelar e a tutela da tardividade.
Como parece esmaecida a distinção entre os dois institutos, temos de lidar com o Código de 2015, com as cautelas devidas, e não esquecidos de que razões históricas iluminam a existência desses dois tipos de tutela.
Na regência do Código de 1973, a tutela cautelar pode ser instaurada antes ou no curso do processo principal, enquanto que a chamada antecipação de tutela pressupõe que já tenha sido aviado o processo principal, na medida em que esta, antecipação, é ato judicial do processo, externado por meio de uma decisão interlocutória que entrega ao autor, desde logo, os efeitos práticos obteníveis em uma eventual sentença de procedência, desde que o juiz entenda presentes os requisitos previstos no art. 273 (prova inequívoca, rectius, prova convincente, e verossimilhança da alegação, rectius, alto grau de probabilidade de a demanda ser resolvida em favor do autor).
No Código de 2015, dada a pretendida uniformização de regência, é possível, antes do aviamento da ação principal, tanto a formulação de requerimento de tutela antecipada, quanto o requerimento de tutela cautelar. Em outros termos, as duas modalidades de tutela podem ser requeridas em caráter antecedente.
Como a tutela cautelar antecedente ou preparatória já tem uma larga identificação nos fastos do Direito, os questionamentos sobre a sua adoção, também pelo novo código, não serão certamente de monta, nem parece que haverá alguma resistência de parte dos cultores do direito. O mesmo não se diga, entretanto, em relação à tutela antecipada requerida em caráter antecedente. De fato, o aspecto novidadeiro do procedimento engendrado trará muitas dúvidas e hesitações quanto ao alcance e à dimensão do novel instituto. Convém explicitar a regência do procedimento e os questionamentos que se oferecem à meditação.
Diz o artigo 303 do CPC de 2015 que, quando a urgência for contemporânea ao momento em que a ação pode ser proposta, o autor pode formular petição inicial em que conste somente o requerimento da tutela antecipada (desde que seja indicado qual pedido de tutela final será formulado em momento posterior), com a indicação da lide, do direito que se busca realizar, do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo (em certo sentido, trata-se de uma cópia parcial do art. 801 do CPC de 1973, que cuida da petição inicial do processo cautelar, aqui adaptado para o pedido de antecipação de tutela) e do valor da causa, que deverá considerar o pedido de tutela final. Há a possibilidade de emenda da inicial, no prazo de cinco dias, se o magistrado entender que não há nos autos, ainda, elementos suficientes para a concessão da tutela antecipada.
O legislador cuidou, aqui, de emenda da petição inicial. Hipótese diversa é a de aditamento. Com efeito, na petição de requerimento de tutela antecipada de que trata o art. 303, o autor deverá indicar, claramente, que pretende valer-se da regência do caput do artigo e que aditará a inicial, se concedida a antecipação, no prazo de quinze dias ou em outro maior que venha a ser concedido pelo magistrado. No aditamento, poderá complementar a argumentação, juntar novos documentos e confirmar o pedido de tutela final.
Se entender presentes os requisitos exigidos (probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo), o magistrado concederá a tutela antecipada, caso em que (i) o autor deverá aditar a inicial, como mencionado acima e, se não o fizer, o processo será extinto sem resolução de mérito; (ii) o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou mediação de que trata o art. 334 do novo CPC. Se não chegarem a bom termo na audiência ou se esta não se realizar por desinteresse de ambas as partes, ou porque a natureza do direito em discussão não permite autocomposição, abrir-se-á o prazo para contestação.
Questão delicada é a que sugere a regência do art. 304, seguinte. De fato, esse fragmento da lei processual trata da “estabilização” da decisão que concede a antecipação de tutela, na hipótese de não-interposição do recurso de agravo de instrumento, caso em que, diz o § 1º, o processo será extinto. Daí decorre que haverá uma tutela não exatamente provisória, mas que também não é definitiva. O tratamento dispensado à matéria pelo legislador é algo exótico: pela letra da lei, se o réu não opuser recurso de agravo de instrumento, ainda que haja ofertado contestação, a decisão será estável. Então, qual o sentido de continuar com o processo de cognição exauriente? Nenhum.
Anote-se, a esse respeito, que o legislador, com certo receio da novidade que instituiu, não afirmou ser uma hipótese de extinção do processo com resolução de mérito, ou sem resolução de mérito. Preferiu ficar em perigoso silêncio. Ocorre que essa abulia legiferante, em vez de evitar ou apaziguar problemas teórico-práticos, teve o condão de suscitar uma miríade de intrincadas questões de difícil solução, tais como as debuxadas acima.
Uma primeira análise sugere, de logo, que ofende a lógica e o bom-senso, a regra que impõe seja o processo extinto, apenas pela falta de recurso, porque isso leva à inaceitável conclusão de que, num mesmo processo, a cognição precária deve prevalecer em relação à cognição verticalizada, exauriente, própria dos juízos ordinários. Ora, é da natureza dessas decisões proferidas em juízos meramente de probabilidade, a sua reversibilidade. Não por outro motivo, o art. 294 do novo CPC dispõe que a tutela provisória pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo e sua execução segue as normas do cumprimento provisório da sentença (art. 297, parágrafo único).
Além disso, o texto da lei e a sua hesitação põem em evidência vários outros graves percalços que deverão ser sentidos quando da aplicação do procedimento em exame. O primeiro deles concerne ao fato de que não há, na doutrina do processo civil brasileiro, um conceito pronto do que seja tutela antecipada estável ou estabilizada. Parece ser algo mais constante do que a simples antecipação de tutela, precária, provisória, mas menos seguro do que a coisa julgada material. Tanto é assim que o próprio § 2º do art. 304 prevê a possibilidade de que qualquer das partes venha demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada.
Demandar no mesmo ou em outro processo, como parece sugerir MARINONI (Marinoni, Luiz Guilherme, et. al. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 317), numa espécie de simples prosseguimento da ação antecedente, ou em ação completamente autônoma, mas perante o mesmo juiz, como deflui da literalidade dos §§ 2º e 4º do art. 304? E se a parte não demandar no prazo decadencial de dois anos, qual a consequência? O que fazer em relação a essa decisão estável? Reconhecer o seu trânsito em julgado e admitir, a partir daí, a fluência do prazo para propositura de eventual ação rescisória, ou, de outro lado, permitir que aquele contra o qual foi produzida a tutela provisória possa discutir, em qualquer outro processo que não o de que trata o próprio art. 304, mas no mesmo grau de jurisdição?
Quanto a esses questionamentos, soa rigorosamente absurdo entender que um procedimento sumário (e é natural a criação de procedimentos sumários, de estrutura vária, no ordenamento jurídico) seja concebido de sorte a permitir a sua extinção, mesmo ante a oferta de contestação, pelo simples fato de não haver sido tirado recurso de uma decisão de natureza precária. Aduza-se, em favor de nosso entendimento, o fato de que a necessidade de contestar somente ocorrerá se frustrada a autocomposição e após o aditamento ofertado pelo autor (até porque, não ofertado o aditamento, o processo será extinto sem resolução de mérito, com cessação da eficácia da tutela antecipada que foi concedida), situação em que, pela lógica, terá ocorrido a ordinarização do procedimento, a sugerir a necessidade de realização de cognição exauriente.
Decorre do exposto acima que, sem embargo do texto expresso do art. 304, c/c § 1º do mesmo artigo, que dispõe sobre a extinção do processo se não houver interposição do recurso de agravo, a única possibilidade de interpretação que se conforma com o princípio do devido processo legal hospedado em nosso texto constitucional, e do respeito ao contraditório efetivo, princípio erigido em base dessa reforma processual, é aquela que privilegia o entendimento de que toda e qualquer forma de resposta do réu, em especial a contestação, é suficiente para (i) impedir a estabilização da tutela antecipada concedida e a extinção prematura do processo; e (ii) provocar o exercício da cognição exauriente por parte do órgão jurisdicional competente.
No concernente ao segundo questionamento, i.e, se houver efetiva extinção do processo porque ausentes recurso e respostas possíveis, sem que tenha ocorrido, também, no prazo decadencial de dois anos, a propositura da ação (§ 2º do art. 304, c/c § 5º do mesmo artigo) para rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada, o que acontecerá?
O legislador parece encaminhar o tema, de forma adrede, para inadmissão de formação da coisa julgada material (§ 6º do art. 304: a decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilização dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo), mas com a criação de uma estabilidade da decisão que concedeu a antecipação que, após a fluência do prazo de dois anos, não encontraria meios de impugnação.
A perplexidade é grande. Deveras há uma espécie de fetiche que se impõe à doutrina brasileira, no sentido de que somente têm aptidão para produzir coisa julgada as decisões proferidas em processo de cognição exauriente, razão por que negava, peremptoriamente, que sentença proferida em processo cautelar (em que a cognição é sumária) fizesse coisa julgada material. Cabe registrar que esse entendimento encontrou bem sucedida oposição, sendo mesmo de crer serem em maioria os doutrinadores que acolhem a coisa julgada material nessa hipótese. Resenha feita, há mais de dez anos, por GELSON AMARO DE SOUZA, indicava o crescente número de doutrinadores que aderiam explícita ou implicitamente a esse entendimento (SOUZA, Gelson Amaro de. Teoria geral do processo. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002) e outros que, mesmo sem admitir explicitamente a formação da coisa julgada material, pregavam o cabimento da ação rescisória de sentença proferida em processo cautelar.
Admitindo, como admitimos, que a coisa julgada material se opera sobre o teor declaratório da decisão, parece-nos viável a formação de coisa julgada nos processos sumários, todos eles calcados, sejam quais forem os efeitos preponderantes da decisão proferida, em parte substancialmente declaratória. Em outras palavras, não é crível admitir como correto o raciocínio no sentido de que juízos de cognição sumária dispensam o teor declaratório da decisão. Antes de dar algo, antecipar algo, ou antecipar os efeitos práticos de algo, o magistrado, obviamente, declara as razões de fato e de direito que o autorizam a tanto, declara o que constitui o suporte que lhe permite a regulação da situação controvertida que lhe foi submetida a exame. É no mínimo uma petição de princípio afirmar que processos sumários não admitem sentença com força de coisa julgada.
É certo, entretanto, que o tema da coisa julgada em processos sumários (especificamente, dos processos sumários determinados) lamentavelmente não se comporta nos espaços angustos de um artigo com dimensões limitadas pela necessidade editorial, mas isso não obsta a anotação rápida no sentido de que não há nenhuma categoria lógica que a impeça essa ocorrência, como não impede, por exemplo, a formação de coisa julgada na ação de mandado de segurança (típico procedimento sumário), ou nos embargos de terceiro senhor e possuidor. Em outro momento, ao discutir a coisa julgada no novo CPC, exploraremos esse ponto de forma mais verticalizada.
Em arremate, que não queira o legislador apelidar de coisa julgada a estabilidade dessa decisão, tudo bem, mas isso não será óbice ao cabimento de ação rescisória, quando por outro motivo não seja, em face do que dispõe o § 2º do art. 966, do novo Código, que admite a rescisória, mesmo que não se trate de sentença transitada em julgado.

Ou isso, ou haverá de ser admitido o cabimento de outra ação de procedimento ordinário que não aquela mencionada no § 2º do art. 304, porque inocorrentes os efeitos próprios da coisa julgada (positivos e negativos) e, também, em homenagem ao princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, cujo menoscabo não está ao alcance do legislador processual.

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Roteiro de aulas - 1 a 17


DIREITO PROCESSUAL CIVIL II – NOTURNO 2º /2019
TUTELAS SATISFATIVAS
PROFESSOR: JORGE AMAURY MAIA NUNES

Roteiros de Aula

AULA  1.
Apresentação do Programa.  Visão global do novo Código de Processo Civil. Comparação com o sistema do código revogado.
A importância da compreensão da classificação das ações (declaratórias, constitutivas, condenatórias, mandamentais e executivas) para determinação da atividade satisfativa.
A satisfatividade no novo Código. Tutelas provisórias, cumprimento de sentença,  processo de execução.
AULA 2.
Atividade Executiva. Da norma jurídica individual à realização do direito no mundo dos fatos.
Execução direta
Execução indireta
Os atos executivos podem ser divididos em duas classes
Classe dos atos de coerção  Coerção pessoal ou física: execução por alimentos (o indivíduo pode ser preso pelo débito em atraso).
 Coerção patrimonial: consignada na imposição do preceito cominatório.
Atos de sub-rogação (execução que não depende da colaboração do réu): o Estado dispõe de  aparato de força suficiente para fazer cumprir o comando do título: desapossamento, transformação, expropriação.
Espécies de atos executivos de expropriação. Identificação no código: desconto, adjudicação, alienação por iniciativa particular, alienação por leilão.

AULA 3.
Princípios que regem o processo de execução:
Princípio do Título
Princípio da patrimonialidade
Princípio da menor onerosidade
Princípio da disponibilidade
Princípio da autonomia
Princípio do resultado
Princípio da adequação
Exame de cada um desses princípios, ao lado da ideia de boa fé.

AULA 4.
Responsabilidade patrimonial. Conceito de responsabilidade. Responsabilidade e obrigação. Responsabilidade primária e secundária.
Responsabilidade do cônjuge ou companheiro.
Responsabilidade decorrente da desconsideração da personalidade jurídica.
A penhora como forma de constrição do patrimônio.

AULA 5.
Limitações da responsabilidade. Parcela do patrimônio garantida pela cláusula de impenhorabilidade.
O patrimônio do cônjuge e a importância do regime de comunhão. Penhora de bens hipotecados. Intimação do credor hipotecário.
Impenhorabilidade absoluta.

AULA 6.

Fraude de execução. O que é. Ideia de invalidade e de ineficácia.
 Hipóteses previstas no Código.
Distinção entre fraude de execução e fraude contra credores (ação pauliana)

AULA 7.
Dos requisitos necessários para aviar qualquer execução. Existência do Título. Inadimplemento do devedor.
Título executivo. Generalidades. Título judicial e extrajudicial. Características: certeza, liquidez e exigibilidade. Liquidação do título: (i) simples cálculo; (ii) arbitramento; (iii) por artigos (procedimento comum).

AULA 8.
Títulos executivos judiciais. Espécies. Títulos que inauguram um novo processo. Títulos que ensejam uma nova fase processual.

AULA 9.
Títulos executivos extrajudiciais. Identificação. Títulos fechados (nota promissória, cheque, etc). Títulos abertos (documento público ou particular....).
Pressupostos da execução. Juízo competente (competência funcional) e exceções a essa regra. A execução por carta. Partes (quais são as partes no processo executivo) indicadas e não indicadas no título executivo.
AULA 10.
A petição inicial no processo de execução e no cumprimento. Forma de elaboração. Ideias sobre a forma de construir uma boa petição. Documentos que devem acompanhar o pedido.
AULA 11. Das diversas espécies de execução. Cumulação de execuções. Execução de obrigação de dar e de fazer. Conceito de uma e outra. Quando aviar uma ou outra. A questão temporal e a posição de Alcides de Mendonça Lima.
AULA 12. Execução de obrigação de dar coisa certa e de dar coisa incerta. O preceito cominatório. Execução de obrigação de fazer e de não fazer. As diversas possibilidades do não fazer. Nemo potest cogi ad Factum. A origem do preceito cominatório.
AULA 13. Execução por quantia certa contra devedor solvente. Procedimento.
AULAS 14 E 15. Ainda a execução por quantia certa.

AULA 16. Primeira avaliação de conhecimentos.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

EXECUÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, NÃO FAZER E DE DAR





Já apontamos, em outro momento, que a indiferença ou de resistência à pretensão exercida pelo credor pode suscitar a provocação ao  Estado-juiz para que esse lance mão do aparato da força legítima para realizar o direito creditório. Os meios de que pode valer-se o Estado para consecução do objetivo execucional são vários, e sua utilização dependerá do tipo da prestação obrigacional perseguida em juízo. Fala-se, em sede de doutrina, em execução própria e execução imprópria, dependendo da utilização da técnica A ou da técnica B, classificação que, a nosso ver não colabora em nada para fins da compreensão do fenômeno executivo. Fala-se, também, e às vezes no mesmo sentido,  de execução direta e indireta, para caracterizar a atividade do Estado-juiz. No primeiro caso, incidindo de forma imediata sobre o patrimônio do executado, por meio da sub-rogação do Estado em alguns dos bens do executado cujo valor seja capaz de honrar o crédito perseguido. No segundo caso, execução indireta, cogita-se de atividades do Estado que, sem incidir imediatamente sobre os bens do devedor, são capazes de infligir-lhe receios suficientes que o estimulem a cumprir a obrigação. São técnicas de coerção, de que podem ser mencionados, como exemplo, o preceito cominatório, multa cominatória, astreintes, e a prisão do devedor por alimentos.

Poder-se-ia pensar, na execução direta, em técnicas de desapossamento, como, por exemplo, nas execuções das obrigações de dar (art. 806, § 2º), por meio da expedição de mandado de imissão na posse de bem imóvel, ou do mandado de busca e apreensão, na execução de dar coisa móvel.

Poder-se-ia pensar, também, na possibilidade da transformação, em situações tais como aquelas decorrentes da execução de obrigação de fazer infrutífera, em que há a convolação da obrigação original em obrigação de pagar, já porque a obrigação foi prestada por terceiro ou realizada pelo próprio credor, já porque foi substituída pelo pagamento em pecúnia dada a impossibilidade do adimplemento original. É com este quadro que nos ocupamos no presente artigo: obrigações de fazer e obrigações de entregar coisa.



Conceito de obrigação

Lançados esses elementos introdutórios, e esclarecido que a investigação centra-se na execução das obrigações de fazer e não fazer e nas obrigações de dar, sejam as decorrentes de título judicial, sejam as decorrentes de título extrajudicial, convém traçar algumas linhas preparatórias sobre o direito obrigacional. Deveras, somente uma sólida base teórica haurida no direito civil permite a compreensão adequada da ideia de obrigação e de seu cumprimento.

Obrigação, ou direito pessoal, é, conforme clássico magistério de Josserand[i], uma relação jurídica que atribui, a uma ou mais pessoas, a posição de devedores frente a outra ou outras, que desempenham o papel de credores e a respeito dos quais estão obrigadas a uma prestação, já positiva (obrigação de dar ou de fazer), já negativa (obrigação de não fazer).

É preciso, desde logo, vincular o conceito de obrigação ao de relação jurídica e, ao mesmo tempo, desvinculá-la da ideia de contrato. É certo que contrato e obrigação são termos que podem caminhar e até caminham juntos na seara do Direito, mas um não se reduz ao outro em nenhuma circunstância, nem na doutrina nacional (por todos, ORLANDO GOMES), nem na doutrina alienígena.

HENRI DE PAGE, sem favor nenhum o maior civilista belga, bem explicita o discrímen que deve ser feito, nestes termos:

Em realidade obrigação e contrato são duas noções muito distintas. A obrigação é o gênero, e o contrato, a espécie. Há uma quantidade de obrigações que estão fora dos contratos. Falando de modo estrito, o contrato, ou convenção, não é ele mesmo uma obrigação, mas uma fonte de obrigações. Ele tem por efeito seja provocar o nascimento de obrigações entre partes, seja de modificar, seja de extinguir obrigações já existentes.[ii] (tradução livre)

O conceito de obrigação é muito mais largo, muito mais vasto, do que o de contrato. Nesse sentido, ROBERTO RUGGIERO, ilustre professor da Universidade Real de Roma, deixa assentado que “obrigação, na sua mais larga acessão (sic), é uma palavra que exprime qualquer espécie de vínculo ou de sujeição da pessoa qualquer que seja sua fonte ou seu conteúdo.”[iii]

Mais bem explicando, o contrato, como exprimiu DE PAGE, é uma fonte (não a única!), que permite a criação de obrigações, as quais, se válidas, somente se extinguem pela via normal do adimplemento, ou pelo cumprimento de obrigação substitutiva (indenização), ressalvada a hipótese de se tratar de obrigação impossível sem culpa do devedor. É claro, nas obrigações impossíveis, caberia discutir se a impossibilidade era contemporânea à contratação (o que poderia redundar na invalidade do contrato), ou se era impossibilidade sucessiva, o que não exime o sujeito passivo de alguma espécie de adimplemento, ainda que mediante atendimento de pedido subsidiário em eventual ação judicial.

As obrigações de fazer e de dar: distinção e interferência do momento

A distinção entre obrigações de fazer e de dar é tema que vem torturando a doutrina  desde priscas eras, não sendo matéria de fácil desate. Tem sido dito que toda obrigação consiste numa prestação de fazer, um facere, no sentido de que, muitas vezes, o legitimado passivo primeiramente faz a coisa para depois dá-la ao legitimado ativo.  Admita-se, entretanto, que não exista uma única linha discriminatória. Em algumas situações, as fronteiras podem ser mais claras, mas parece certo afirmar que, em muitas circunstâncias, a zona demarcatória não tem linhas muito bem definidas. A obrigação de dar supõe um ato de transferência de posse ou propriedade, enquanto que a obrigação de fazer consiste num agir humano, um serviço do homem, cujo resultado é a produção de certo bem, ou a realização de certos “fatos” pelo devedor, em benefício do credor.

O saudoso Alcides de Mendonça Lima, amparado em Carvalho de Mendonça (M.I.) gostava de evidenciar que a distinção entre uma coisa e outra, justamente para exigir o seu implemento, está condicionada ao momento em que se propõe a execução pertinente. Se a conduta processual é tomada quando ainda não feita a coisa, a execução deve seguir os moldes de uma obrigação de fazer. Se, entretanto, o obrigado já confeccionou o bem e não o entregou, a conduta correta é a propositura de uma ação de execução de obrigação de dar.

Carvalho de Mendonça sugere uma interessante forma de distinguir uma da outra.  Deveras, ao examinar as obrigações de dar coisa certa, formula esta consideração: “A palavra dar em direito de crédito tem um sentido geral exprimindo a obrigação de transferir, não somente a propriedade, como também a posse. Tal expressão constitui o perfeito antagonismo das obrigações de dar com as de fazer e não-fazer.”[iv], que não exprimem, isoladamente, a necessidade da transferência.

Noutra vereda, convém alertar que o Código de Processo Civil ficou meio indeciso sobre a forma ideal de tratar desse assunto. Deveras, devemos ter presente, no Direito brasileiro, que as obrigações de fazer, não fazer, e dar (o código prefere “entregar coisa”) ora decorrem de um título executivo judicial, ora decorrem de um título executivo extrajudicial. No primeiro caso, trata-se de cumprimento de sentença (rectius, execução de sentença) que foi regrado no Livro  I, Título II da Parte Especial.  Pois bem, em um único capítulo (VI), o legislador cuidou “do cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa”.

No segundo caso, concernente ao processo de execução (leia-se, execução de título extrajudicial), tratado também na Parte Especial, Livro II, Título II, o legislador tratou da matéria em dois capítulos diversos: no Capítulo II, cuidou da execução para entrega de coisa, enquanto que no capítulo III cuidou da execução das obrigações de fazer e não fazer.

Quando trata de título judicial, regula primeiramente o cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou não fazer. Quando trata de título extrajudicial, cuida em primeiro lugar da execução para entrega de coisa certa e incerta.

Isso é mera escolha do legislador. O que importa é ter presente que às vezes o dar implica um prévio fazer e que a escolha do procedimento adequado está vinculada ao momento da propositura da ação.

DA OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER

O código de Processo civil estabeleceu, no art. 497 e seguintes, o comando relativo ao julgamento das ações relativas às prestações de fazer, não fazer e de entregar coisa. Já aí o legislador estabeleceu, para o caso de procedência do pedido, o agir do magistrado condutor do feito:  (i) conceder a tutela específica vindicada na inicial; (ii) determinar providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.

A origem desse regramento, ao que me parece, é um anteprojeto de alteração do CPC/1973, contributo esse que foi oferecido à crítica da comunidade acadêmica em fins do ano de 1985. De fato, a comissão de processualistas que dele se encarregou propunha a inserção de um artigo,  ensartado no Livro III, "Do Processo de Cognição Sumária", cujo art. 795-A, dispunha, in verbis:

"Este livro disciplina o processo cautelar, seu procedimento e o das medidas provisórias, da antecipação da tutela e das providências assecuratórias de direito material".

                        Nesse Livro, a comissão encarregada do anteprojeto lançou um dispositivo, cuja semelhança com o regramento atual não deixa margem a dúvida. Leia-se, ad litteram:

Capítulo A-5

"Art. 889-A. Aquele que, por lei ou convenção, tiver direito de exigir de outrem que se abstenha da prática de algum ato, tolere ou permita alguma atividade, ou preste fato, poderá pedir a ao juiz que defira a tutela específica da obrigação ou determine providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 1º A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente." (Com igual redação, Código de Defesa do Consumidor, art. 84, § 1º.)

§ 2ºA indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (art. 287)

§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.

§ 4º O juiz poderá, na hipótese do § 3º, ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para cumprimento do preceito.

§ 5º Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além da requisição de força pública."


                        Esse material foi aproveitado pelo legislador do Código de Defesa do Consumidor (art. 84) e, após, com modificação para pior, serviu de inspiração para a nova redação do art. 461 do CPC/1973 (alteração datada de 13 de dezembro de 1994), que, com alguns corretos ajustes redacionais, comparece no novo código como sendo o art. 497, sob a epígrafe: Do Julgamento das Ações Relativas às Prestações de Fazer, de não Fazer e de Entregar Coisa.


[i] JOSSERAND, Louis. Derecho Civil. Tomo II, vol. 1, p.2,trad. para o espanhol por Santiago Cunchillos y Manterola.
[ii]  DE PAGE, Henri. Traité Élémentaire de Droit Civil Belge. Tome Deuxième. Bruxeles: Établissements Émile Bruylant, 1948, 2ème édition
[iii] RUGGIERO, Roberto. Instituições de Direito Civil. Vol. III. Tradução da 6ª edição italiana por Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller. 1999, p. 33.

[iv] Mendonça, Manuel Inácio Carvalho de. Doutrina e Prática das Obrigações. Tomo. I. Rio de janeiro: Forense, 1956. 4ª. edição. Aumentada e atualizada por José de Aguiar Dias. p. 165

segunda-feira, 25 de março de 2019

A chamada tutela provisória no CPC de 2015 e a perplexidade doutrinária que provoca


Jorge Amaury Maia Nunes
Muito já se comentou sobre o Livro V, da Parte Geral do novo CPC, que cuida da Tutela Provisória (de urgência e de evidência), para indicar que, nele, pulularam inovações — em especial a estabilização da decisão do art. 304 —, não sendo ainda possível saber se as soluções preconizadas foram as melhores.
Convém, neste artigo, tentar verticalizar um pouco mais o exame do tema, ainda que com o risco de, mais tarde, rever o que estamos a escrever neste momento. Pecado maior do que o erro é a omissão deliberada. Vamos começar, então, com o que nos parece menos problemático e, após, avançaremos para a chamada vexata quaestio da estabilização da decisão e das possibilidades de objetá-la. Não será preocupação do presente exame a questão relativa à tutela de evidência (ou, como pretende o legislador processual, tutela “da” evidência), que ficará para outra oportunidade.
No novo CPC, pretendeu-se dar um tratamento único às tutelas de urgência, antecipatória e cautelar, como se ambas fossem provisórias. Afinal, este é o título do Livro V: Da Tutela Provisória, embora somente a tutela antecipada possua caráter autenticamente provisório. A tutela cautelar, no estrito sentido do termo, é temporária e não provisória, porquanto não será substituída por uma decisão definitiva sobre o mesmo mérito. É que o mérito da cautelar é específico (cabe no binômio periculum damnum irreparabile e fumus boni juris) e não se confunde com o mérito da ação a que se apelida de principal.
Provisória é a tutela antecipada que dá, agora, o bem da vida vindicado. E é provisória porque está em oposição à tutela definitiva, que é a fixada em sentença proferida após a realização de atividade cognitiva exauriente. É bem de ver que, sob os auspícios da reforma de fins de 1994, o legislador processual tratou de estender a chamada antecipação de tutela ao procedimento comum, sendo lugar comum na doutrina a afirmação no sentido de que, presentes os pressupostos autorizadores do art. 273, o juiz anteciparia os efeitos práticos da decisão que poderia vir a ser deferida. Em outras palavras, propiciaria a entrega o bem da vida no mundo físico, nada obstante, no mundo da criação da norma jurídica individual (sentença), a matéria ainda permanecesse em estado de pendência, à espera da realização da cognição exauriente.
Da simples regência da matéria no novo Código, e apesar do discurso ensaiado pelo legislador, percebe-se, primo ictu oculi, que essas duas tutelas continuam a ser diversas, ainda que se tenha tentado uniformizar os pressupostos para seu deferimento. O discurso é negado pela própria evidência normativa. Deveras, basta ter em conta que o legislador sentiu-se obrigado a abrir no Título II, do Livro V, três capítulos: o primeiro para disposições gerais; o segundo para cuidar da tutela antecipada requerida em caráter antecedente; e o terceiro para cuidar da tutela cautelar requerida em caráter antecedente, de cuja leitura percebe-se, claramente, a diferença do tratamento dispensado a um e outro tipo de tutela.
Ao que parece, o legislador pretendeu afastar-se do discrímen histórico — conforme antiga lição de Ovídio Araujo Baptista da Silva, no seu Do Processo Cautelar, 3ª. edição, Rio de Janeiro: Forense, 2001, pp. 13/14 — que havia, desde o direito medieval, entre os conceitos de periculum damnum irreparabile e periculum in mora, este último relativo a certas causas que, dada a sua simplicidade, relevância, ou urgência da matéria a ser examinada, a prudência e a lógica recomendavam que fossem tratadas por um procedimento sumário. O primeiro, perigo de dano irreparável, relativo a qualquer causa em que se impusesse uma resposta jurisdicional expedita, em decorrência da irrupção de um elemento de risco de dano iminente. Afirma Ovídio, ainda com arrimo na doutrina italiana, que o primeiro conceito responde ao risco da tardividade, enquanto que o segundo responde ao risco da infrutuosidade.
Em favor da separação conceitual, cabe lembrar, também, do clameur de haro (invocação a ROLLON, primeiro duque da Normandia), no direito francês, que tem vinculação com o periculum damnum irreparabile, mas não com o periculum in mora, como parece defluir da lição de GARSONNET (Traité Theorique et Pratique de Procédure, deuxième édition, tome huitième, Paris: Librairie de la Société du Recueil Géneral des lois et des arrêts, 1904, p. 284). Essas duas referências históricas, do direito francês e do direito italiano medieval, dão luzes bastante fortes da distinção que existe ou deve existir entre a tutela cautelar e a tutela da tardividade.
Como parece esmaecida a distinção entre os dois institutos, temos de lidar com o Código de 2015, com as cautelas devidas, e não esquecidos de que razões históricas iluminam a existência desses dois tipos de tutela.
Na regência do Código de 1973, a tutela cautelar pode ser instaurada antes ou no curso do processo principal, enquanto que a chamada antecipação de tutela pressupõe que já tenha sido aviado o processo principal, na medida em que esta, antecipação, é ato judicial do processo, externado por meio de uma decisão interlocutória que entrega ao autor, desde logo, os efeitos práticos obteníveis em uma eventual sentença de procedência, desde que o juiz entenda presentes os requisitos previstos no art. 273 (prova inequívoca, rectius, prova convincente, e verossimilhança da alegação,rectius, alto grau de probabilidade de a demanda ser resolvida em favor do autor).
No Código de 2015, dada a pretendida uniformização de regência, é possível, antes do aviamento da ação principal, tanto a formulação de requerimento de tutela antecipada, quanto o requerimento de tutela cautelar. Em outros termos, as duas modalidades de tutela podem ser requeridas em caráter antecedente.
Como a tutela cautelar antecedente ou preparatória já tem uma larga identificação nos fastos do Direito, os questionamentos sobre a sua adoção, também pelo novo código, não serão certamente de monta, nem parece que haverá alguma resistência de parte dos cultores do direito. O mesmo não se diga, entretanto, em relação à tutela antecipada requerida em caráter antecedente. De fato, o aspecto novidadeiro do procedimento engendrado trará muitas dúvidas e hesitações quanto ao alcance e à dimensão do novel instituto. Convém explicitar a regência do procedimento e os questionamentos que se oferecem à meditação.
Diz o artigo 303 do CPC de 2015 que, quando a urgência for contemporânea ao momento em que a ação pode ser proposta, o autor pode formular petição inicial em que conste somente o requerimento da tutela antecipada (desde que seja indicado qual pedido de tutela final será formulado em momento posterior), com a indicação da lide, do direito que se busca realizar, do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo (em certo sentido, trata-se de uma cópia parcial do art. 801 do CPC de 1973, que cuida da petição inicial do processo cautelar, aqui adaptado para o pedido de antecipação de tutela) e do valor da causa, que deverá considerar o pedido de tutela final. Há a possibilidade de emenda da inicial, no prazo de cinco dias, se o magistrado entender que não há nos autos, ainda, elementos suficientes para a concessão da tutela antecipada.
O legislador cuidou, aqui, de emenda da petição inicial. Hipótese diversa é a de aditamento. Com efeito, na petição de requerimento de tutela antecipada de que trata o art. 303, o autor deverá indicar, claramente, que pretende valer-se da regência do caput do artigo e que aditará a inicial, se concedida a antecipação, no prazo de quinze dias ou em outro maior que venha a ser concedido pelo magistrado. No aditamento, poderá complementar a argumentação, juntar novos documentos e confirmar o pedido de tutela final.
Se entender presentes os requisitos exigidos (probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo), o magistrado concederá a tutela antecipada, caso em que (i) o autor deverá aditar a inicial, como mencionado acima e, se não o fizer, o processo será extinto sem resolução de mérito; (ii) o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou mediação de que trata o art. 334 do novo CPC. Se não chegarem a bom termo na audiência ou se esta não se realizar por desinteresse de ambas as partes, ou porque a natureza do direito em discussão não permite autocomposição, abrir-se-á o prazo para contestação.
Questão delicada é a que sugere a regência do art. 304, seguinte. De fato, esse fragmento da lei processual trata da “estabilização” da decisão que concede a antecipação de tutela, na hipótese de não-interposição do recurso de agravo de instrumento, caso em que, diz o § 1º, o processo será extinto. Daí decorre que haverá uma tutela não exatamente provisória, mas que também não é definitiva. O tratamento dispensado à matéria pelo legislador é algo exótico: pela letra da lei, se o réu não opuser recurso de agravo de instrumento, ainda que haja ofertado contestação, a decisão será estável. Então, qual o sentido de continuar com o processo de cognição exauriente? Nenhum.
Anote-se, a esse respeito, que o legislador, com certo receio da novidade que instituiu, não afirmou ser uma hipótese de extinção do processo com resolução de mérito, ou sem resolução de mérito. Preferiu ficar em perigoso silêncio. Ocorre que essa abulia legiferante, em vez de evitar ou apaziguar problemas teórico-práticos, teve o condão de suscitar uma miríade de intrincadas questões de difícil solução, tais como as debuxadas acima.
Uma primeira análise sugere, de logo, que ofende a lógica e o bom-senso, a regra que impõe seja o processo extinto, apenas pela falta de recurso, porque isso leva à inaceitável conclusão de que, num mesmo processo, a cognição precária deve prevalecer em relação à cognição verticalizada, exauriente, própria dos juízos ordinários. Ora, é da natureza dessas decisões proferidas em juízos meramente de probabilidade, a sua reversibilidade. Não por outro motivo, o art. 294 do novo CPC dispõe que a tutela provisória pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo e sua execução segue as normas do cumprimento provisório da sentença (art. 297, parágrafo único).
Além disso, o texto da lei e a sua hesitação põem em evidência vários outros graves percalços que deverão ser sentidos quando da aplicação do procedimento em exame. O primeiro deles concerne ao fato de que não há, na doutrina do processo civil brasileiro, um conceito pronto do que seja tutela antecipada estável ou estabilizada. Parece ser algo mais constante do que a simples antecipação de tutela, precária, provisória, mas menos seguro do que a coisa julgada material. Tanto é assim que o próprio § 2º do art. 304 prevê a possibilidade de que qualquer das partes venha demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada.
Demandar no mesmo ou em outro processo, como parece sugerir MARINONI (Marinoni, Luiz Guilherme, et. al. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 317), numa espécie de simples prosseguimento da ação antecedente, ou em ação completamente autônoma, mas perante o mesmo juiz, como deflui da literalidade dos §§ 2º e 4º do art. 304? E se a parte não demandar no prazo decadencial de dois anos, qual a consequência? O que fazer em relação a essa decisão estável? Reconhecer o seu trânsito em julgado e admitir, a partir daí, a fluência do prazo para propositura de eventual ação rescisória, ou, de outro lado, permitir que aquele contra o qual foi produzida a tutela provisória possa discutir, em qualquer outro processo que não o de que trata o próprio art. 304, mas no mesmo grau de jurisdição?
Quanto a esses questionamentos, soa rigorosamente absurdo entender que um procedimento sumário (e é natural a criação de procedimentos sumários, de estrutura vária, no ordenamento jurídico) seja concebido de sorte a permitir a sua extinção, mesmo ante a oferta de contestação, pelo simples fato de não haver sido tirado recurso de uma decisão de natureza precária. Aduza-se, em favor de nosso entendimento, o fato de que a necessidade de contestar somente ocorrerá se frustrada a autocomposição e após o aditamento ofertado pelo autor (até porque, não ofertado o aditamento, o processo será extinto sem resolução de mérito, com cessação da eficácia da tutela antecipada que foi concedida), situação em que, pela lógica, terá ocorrido a ordinarização do procedimento, a sugerir a necessidade de realização de cognição exauriente.
Decorre do exposto acima que, sem embargo do texto expresso do art. 304, c/c § 1º do mesmo artigo, que dispõe sobre a extinção do processo se não houver interposição do recurso de agravo, a única possibilidade de interpretação que se conforma com o princípio do devido processo legal hospedado em nosso texto constitucional, e do respeito ao contraditório efetivo, princípio erigido em base dessa reforma processual, é aquela que privilegia o entendimento de que toda e qualquer forma de resposta do réu, em especial a contestação, é suficiente para (i) impedir a estabilização da tutela antecipada concedida e a extinção prematura do processo; e (ii) provocar o exercício da cognição exauriente por parte do órgão jurisdicional competente.
No concernente ao segundo questionamento, i.e, se houver efetiva extinção do processo porque ausentes recurso e respostas possíveis, sem que tenha ocorrido, também, no prazo decadencial de dois anos, a propositura da ação (§ 2º do art. 304, c/c § 5º do mesmo artigo) para rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada, o que acontecerá?
O legislador parece encaminhar o tema, de forma adrede, para inadmissão de formação da coisa julgada material (§ 6º do art. 304: a decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilização dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo), mas com a criação de uma estabilidade da decisão que concedeu a antecipação que, após a fluência do prazo de dois anos, não encontraria meios de impugnação.
A perplexidade é grande. Deveras há uma espécie de fetiche que se impõe à doutrina brasileira, no sentido de que somente têm aptidão para produzir coisa julgada as decisões proferidas em processo de cognição exauriente, razão por que negava, peremptoriamente, que sentença proferida em processo cautelar (em que a cognição é sumária) fizesse coisa julgada material. Cabe registrar que esse entendimento encontrou bem sucedida oposição, sendo mesmo de crer serem em maioria os doutrinadores que acolhem a coisa julgada material nessa hipótese. Resenha feita, há mais de dez anos, por GELSON AMARO DE SOUZA, indicava o crescente número de doutrinadores que aderiam explícita ou implicitamente a esse entendimento (SOUZA, Gelson Amaro de. Teoria geral do processo. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002) e outros que, mesmo sem admitir explicitamente a formação da coisa julgada material, pregavam o cabimento da ação rescisória de sentença proferida em processo cautelar.
Admitindo, como admitimos, que a coisa julgada material se opera sobre o teor declaratório da decisão, parece-nos viável a formação de coisa julgada nos processos sumários, todos eles calcados, sejam quais forem os efeitos preponderantes da decisão proferida, em parte substancialmente declaratória. Em outras palavras, não é crível admitir como correto o raciocínio no sentido de que juízos de cognição sumária dispensam o teor declaratório da decisão. Antes de dar algo, antecipar algo, ou antecipar os efeitos práticos de algo, o magistrado, obviamente, declara as razões de fato e de direito que o autorizam a tanto, declara o que constitui o suporte que lhe permite a regulação da situação controvertida que lhe foi submetida a exame. É no mínimo uma petição de princípio afirmar que processos sumários não admitem sentença com força de coisa julgada.
É certo, entretanto, que o tema da coisa julgada em processos sumários (especificamente, dos processos sumários determinados) lamentavelmente não se comporta nos espaços angustos de um artigo com dimensões limitadas pela necessidade editorial, mas isso não obsta a anotação rápida no sentido de que não há nenhuma categoria lógica que a impeça essa ocorrência, como não impede, por exemplo, a formação de coisa julgada na ação de mandado de segurança (típico procedimento sumário), ou nos embargos de terceiro senhor e possuidor. Em outro momento, ao discutir a coisa julgada no novo CPC, exploraremos esse ponto de forma mais verticalizada.
Em arremate, que não queira o legislador apelidar de coisa julgada a estabilidade dessa decisão, tudo bem, mas isso não será óbice ao cabimento de ação rescisória, quando por outro motivo não seja, em face do que dispõe o § 2º do art. 966, do novo Código, que admite a rescisória, mesmo que não se trate de sentença transitada em julgado.
Ou isso, ou haverá de ser admitido o cabimento de outra ação de procedimento ordinário que não aquela mencionada no § 2º do art. 304, porque inocorrentes os efeitos próprios da coisa julgada (positivos e negativos) e, também, em homenagem ao princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, cujo menoscabo não está ao alcance do legislador processual.