RECURSOS EM ESPÉCIE
Recurso de Apelação
A apelação é o recurso por excelência,
recurso de fundamentação livre, que se presta, na forma do art. 514 do Código
de Processo Civil, a impugnar a sentença proferida pelo juiz do primeiro grau
de jurisdição, seja ela sentença que tenha resolvido o mérito da causa, seja
ela sentença de natureza meramente processual, como a sentença que extingue o
processo sem resolução de mérito, na forma do art. 267 do Código de Processo
Civil.
Anote-se que há algumas sentenças das
quais não cabe recurso de apelação, tais assim as proferidas nos juizados
especiais de pequenas causas, tanto federais como estaduais, que desafiam
apenas e tão somente o recurso previsto na sua própria regência (recurso
inominado), as de que trata o art. 34 da Lei nº 6.830, de 1980, das quais
somente cabem embargos infringentes, e aquelas proferidas em situações
previstas por juízes federais, na forma da competência estabelecida no art.
109, , da Constituição Federal, que
somente podem ser hostilizadas por meio de recurso ordinário para o Superior
Tribunal de Justiça, na forma do disposto no art. 105, II, da Constituição
Federal.
Consoante já afirmado em outro momento,
a história do recurso de apelação confunde-se com a história do Direito Romano,
especificamente com o início do período da cognitio
extraodinem, quando a sentença deixou de ser proferida por um cidadão
qualquer e passou a sê-lo por um funcionário do Estado. Desse momento em
diante, pode-se dizer que ocorreu a institucionalização do recurso de apelação.
Assemelhava-se, nos primeiros momentos, a uma súplica dirigida ao superior
hierárquico do prolator da decisão judicial com o objetivo de reformar a decisão
desfavorável. Somente mais tarde, no direito intermédio com o surgimento da querela nulitatis (sanabilis e insanabilis) é que o recurso de apelação passou a ser
veículo de inconformação apto a alçar ao tribunal ordinário também os vícios de
natureza processual (nulidades processuais), com o objetivo de cassar a
sentença proferida. A matéria será mais bem examinada quando cuidarmos da ação
rescisória.
Não
obstante o Código de Processo Civil seja extremamente generoso no que concerne
à forma dos atos processuais, é bom que se diga que, no concernente aos
recursos em geral e, no que nos interessa agora, no que diz com o recurso de
apelação, a regra que prevalece é a da regularidade formal. O apelante há de
seguir adequadamente as regras que lhe são impostas no artigo 514 do Código,
que estabelece o que deve conter um recurso da espécie.
Na
prática da advocacia criou-se o costume de seccionar o recurso de apelação em
duas partes: a primeira, uma espécie de folha de rosto, devidamente datada e
assinada, dirigida ao juiz que prolatou a sentença, em que o recorrente
assevera sua inconformação com a decisão que lhe foi desfavorável, indica que
está a recorrer, naquele momento, e pede a remessa das razões de recurso, com o
comprovante do pagamento do preparo (quando for o caso) e do porte de remessa e
de retorno ao tribunal competente para o julgamento do recurso; a segunda,
dirigida ao tribunal, com a narração da situação fático-jurídica até aquele
momento, dos principais aspectos da sentença que lhe foi desfavorável, e
indicação das razões de direito processual e material que substanciam a
fundamentação recursal e, finalmente, com o pedido de cassação ou reforma da
decisão, com o fecho igualmente datado e assinado.
Embora essa divisão em duas
peças, embora esteja incorporada na prática da advocacia, não é obrigatória. O
advogado pode optar por fazer tudo em uma única peça, desde que estejam
atendidos todos os requisitos exigidos pelo art. 514 do Código de Processo
Civil: ser dirigida ao juiz, os nomes e qualificação das partes (no mais das
vezes, a qualificação é desnecessária porque já existente na petição inicial e
na contestação), os fatos e fundamentos de direito e o pedido de reforma de
nova decisão. Cabe o registro adicional no sentido de que o advogado não deve olvidar
de apor sua assinatura na petição do recurso de apelação. Se não o fizer,
entretanto, deverá a autoridade julgadora ensejar oportunidade a que o advogado
supra a falta no prazo que lhe for deferido.
Com
a interposição do recurso de a apelação, por força do disposto no art. 515 do
Código, é devolvido ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada, como foi
visto quando tratamos do efeito devolutivo, Esclarece o § 1º desse mesmo artigo
que serão objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões
suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado
por inteiro. Implica dizer, por força do mesmo efeito devolutivo, as questões
controvertidas no processo, que deveriam encontrar decisão e solução adequada
na sua sede própria, a sentença, mesmo que tenham sido olvidadas pelo juiz de
primeiro grau, deverão ser examinadas pelo tribunal que lhe é superior. Também
assim, certas questões que deveriam encontrar desate em momento anterior à
sentença (v.g., a apreciação da impugnação do valor da causa, ou a deliberação
sobre o pedido de justiça gratuita), por meio, por exemplo, de uma decisão
interlocutória, serão no julgamento da apelação examinadas, por força do
disposto no art. 516 de Código.
Também
já dissemos em momento anterior, estamos alinhados dentre aqueles que entendem
tratar o § 2o do art. 515 de uma especial hipótese de efeito
devolutivo, Assim, quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o
juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento
dos demais. Não se faz necessária a reiteração dos fundamentos do pedido ou da
defesa. O que importa é hostilizar a decisão, a sentença, com a demonstração
dos errores em que incidiu e indicar
qual a dimensão do pedido de reforma. Qualquer fundamento constante da inicial
ou da contestação que tenha pertinência com a dimensão do pedido de reforma
poderá e deverá ser examinado pelo Tribunal, por força do efeito devolutivo.
Cabe, aqui, uma palavra sobre
a adição do parágrafo 3º ao artigo 515, por força da Lei nº 10.352, de 2001, parágrafo
esse que acolheu a teoria da causa madura para permitir ao tribunal o imediato
julgamento de mérito das ações em grau de recurso de apelação de sentença que
houvesse extinguido o processo sem resolução de mérito. Antes do advento desse
fragmento legal, o tribunal, em homenagem e acatamento à dimensão horizontal do
efeito devolutivo, somente considerava a pertinência da irresignação quanto à
matéria que conduzira o magistrado a extinguir o processo sem exame de mérito.
Se
desse provimento à apelação, deveria determinar o retorno dos autos à vara de
origem a fim de que o juiz do primeiro grau de jurisdição prosseguisse no exame
do feito e proferisse sentença de mérito. E assim fazia o tribunal para que a
parte não pudesse supressão de instância: o julgamento de mérito competiria
sempre aos juízes de primeiro grau , e
o juízo de revisão caberia aos tribunais. Com o novo § 3º do art.515, essa
perspectiva sofreu forte câmbio, com a permissão aos magistrados para
apreciação direta da matéria meritória, desde que a matéria processual, ou
eventual alegação de ausência de condições da ação (que funcionara para o
magistrado do primeiro grau como causa da extinção do processo sem julgamento
de mérito) tivesse sido superada pelo tribunal e a questão não comportasse mais
a necessidade de produção de provas, além da anteriormente realizada. Assim,
por exemplo, se tiver ocorrido a instrução probatória, com indicação das partes
em conflito de que não há mais provas a produzir, e o juiz vier a extinguir o
processo sem julgamento por ilegitimidade ativa para a causa, o tribunal
poderá, uma vez superada a questão da ilegitimidade, adentrar no exame de todas
as outras questões de mérito e julgar a demanda, sem considerar o fato de que o
juiz de primeiro grau ainda não o fizera.
É certo que essa nova
perspectiva sofreu algumas objeções doutrinárias, com a alegação de que o novo
preceito normativo padeceria de inconstitucionalidade por ofensa ao princípio
do duplo grau de jurisdição que informa o nosso direito processual. Penso que a
objeção não merece prosperar, porque o princípio invocado não é absoluto e
porque, de igual estatura constitucional (art. 5º, LXXVI), o princípio da
razoável duração do processo sustenta a constitucionalidade da inovação
introduzida no Código de Processo Civil, que deve primar pela efetividade, pela
pronta resposta jurisdicional ao cidadão que a requereu.
Com isso, o Código de
Processo Civil atende aos anseios da sociedade civil de maior efetividade na
entrega da prestação jurisdicional. No mesmo diapasão, é dado ao Tribunal de
Justiça ao verificar a ocorrência de nulidade sanável determinar a realização ou
renovação do ato processual; uma vez cumprida a diligência, e sempre que
possível, o tribunal prosseguirá no julgamento da apelação. Evidentemente, se
se tratar de nulidade insanável, não será possível a utilização desse
mecanismo.
No mesmo intuito de
privilegiar a efetividade processual, o legislador previu a possibilidade de se
alegar, em grau de apelação, matéria de fato que, por motivo de força maior não
tenha sido alegada perante o juízo de primeiro grau de jurisdição. Bem é de ver
que, em hipóteses dessa natureza, é possível imaginar mesmo a abertura de uma
instrução probatória perante o tribunal. Deveras, se é possível trazer questões
de fato ainda não alegadas, então há de ser possível sobre essas questões
produzir prova (qualquer espécie de prova), com a necessidade de abrir-se uma
fase de instrução no fluir do recurso de apelação. A colheita da prova será
dirigida pelo relator do recurso e por ele realizada pessoalmente, ou por meio
de carta de ordem para o juízo do primeiro grau da comarca em que a prova deva
ser produzida.
Bem é de ver que o § 1o do art. 518 do CPC impõe ao magistrado do primeiro grau de
jurisdição, em exame de admissibilidade, o dever de não receber o recurso de
apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior
Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. Tem-se aqui, com novo
desenho, a ideia da súmula impeditiva de recurso, que frequentou várias versões
da PEC nº 29 (Reforma do Judiciário), mas que acabou abandonada na versão
final, que deu origem à Emenda Constitucional nº 45, de 2004. Reciclada, foi
apresentada ao Congresso Nacional como texto infralegal, com hospedagem
garantida no Código de Processo Civil. A tese central é a de que há uma espécie
de efeito vinculante das decisões dos dois tribunais de superposição capaz e
impedir o acesso da parte a qualquer outro órgão da jurisdição, desde que a
sentença proferida esteja na conformidade das súmulas desses tribunais. Dizendo
de outra forma, para que incida a norma consagrada nesse parágrafo, impõe-se
que a sentença esteja calçada em súmulas do STF e do STJ.
Não obstante a clareza do dispositivo, a
sua aplicação deve ser parcimoniosa. Não basta o amparo sumular. É necessário que
se verifique se o âmbito de incidência da súmula (material, pessoal, temporal,
espacial) encontra-se ajustado à questão de que trata a sentença. Quantas e
quantas vezes já não se viu algum órgão do Judiciário fazer inadequada eleição
da norma de regência da pretensão submetida a seu exame? Então, por que razão
deve ser afastada, prima facie, a
possibilidade de a mesma coisa acontecer com a aplicação da súmula? É bem
verdade que a ideia que informa a edição sumular é justamente a de aumentar o
coeficiente de densidade de certa norma jurídica e de reduzir as hesitações
sobre sua aplicabilidade. Isso não quer dizer, entretanto, que essas
dificuldades e hesitações desparecem por completo, quando por outro motivo não
seja, pela natural humanidade do prolator da decisão judicial.
É
importante, por isso, haver critério na aplicação do dispositivo ora em exame,
que criou esse novo pressuposto de (in)admissibilidade do recurso de apelação.
Cabe mais um apontamento a
respeito do tema. A concepção desse novo pressuposto tem de ser vista sob um
duplo aspecto: primeiro, objetiva privilegiar a jurisprudência das cortes de
superposição (o que era impositivo apenas com relação às súmulas vinculantes do
STF passa a ser impositivo para as partes com relação às súmulas do STF e do
STJ); segundo, visa a desafogar o trabalho dos tribunais do País, que, em tese,
passam a receber um número menor de recursos de apelação.
Justamente para atender a
esse desiderato, o legislador permitiu, a partir de 2006 (Lei nº 11.276) que o
juiz reexaminasse, em cinco dias, após a apresentação das contrarrazões de
apelação, os pressupostos de admissibilidade do recurso. Implica dizer, o
legislador conferiu ao magistrado o poder de, após advertido pela parte
recorrida, voltar atrás na decisão que admitiu o recurso para interditar a sua
progressão para o segundo grau de jurisdição.
Na
forma do disposto no art. 520, o recurso de apelação é recebido tanto no efeito
devolutivo quanto no suspensivo. Há, todavia, hipóteses expressamente previstas
naquele dispositivo, em que o recurso é recebido apenas no efeito devolutivo,
quando interposto de sentença que: homologar a divisão ou a
demarcação; II - condenar à prestação de alimentos; IV - decidir o processo
cautelar; V - rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los
improcedentes; VI - julgar procedente o pedido
de instituição de arbitragem. VII – confirmar a
antecipação dos efeitos da tutela.
Faltam:
Agravo, embargos infringentes, embargos de declaração.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
I.
Achegas Históricas
A história do Recurso extraordinário
está umbilicalmente ligada à História da instituição da República e da
Federação no Brasil. Deveras, ao copiarmos o modelo adotado pelos Estados
Unidos da América do Norte (e que já havia sido também adotado pela nossa
vizinha Argentina), trouxemos a idéia de uma Corte Federal, destinada à
preservação da Federação e da aplicação uniforme da lei federal em todo o
território nacional.
Nos Estados Unidos, a competência
recursal da Suprema Corte dava-se por meio da appellate jurisdicion, relativamente a certas causas que tivessem
sido julgadas pelos órgãos jurisdicionais de estatura inferior no âmbito da
União. No entanto, com o judiciary act
de 1789, atribuiu-se-lhe competência para rever as decisões (de última
instância) dos tribunais de justiça dos Estados, por meio do writ of error (que foi, após, rebatizado
de appeal pelo Judiciary act de 1925), quando o tema estivesse vinculado à constitucionalidade
das leis, à legitimidade das normas estaduais, aos títulos, direitos,
privilégios e isenções que tivessem pertinência com a Constituição e com os
tratados e leis da União. Além dessa possibilidade de revisão por meio do Writ of error, cogitava-se, também, da
utilização do certiorari, sendo
certo, porém, que, nessa hipótese, a Corte poderia ou não, em exercício
puramente discricionário (o que não acontecia em relação ao instituto
anterior). Esse último instituto acabou por prevalecer, sendo, hoje,
reconhecido, o claro poder da Corte de examinar ou não, quaisquer processos em
grau de apelo extremo, fulcrada no exercício do poder discricionário.
No
Brasil, já com o Decreto nº 510, de 22.06.1890, ainda sem o nome de recurso
extraordinário, verifica-se a inserção desse recurso no ordenamento jurídico
brasileiro (artigo 58, § 1º). Na mesma esteira, o Decreto nº 848, de
11.10.1890, que organizou a justiça federal brasileira, o adotou no artigo 9º,
parágrafo único[1].
A primeira Constituição da República,
de 24.02.1891, dispunha, no seu artigo 59:
Artigo 59. Ao Supremo Tribunal Federal
compete:
1. (omissis)
2. Julgar, em gráo de recurso, as
questões resolvidas pelos juizes e Tribunaes Federaes, assim como as de que
tratam o presente artigo, § 1º, e o artigo 60.
....
§ 1º Das sentenças das justiças dos
Estados em ultima instancia haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal:
a) quando se questionar sobre a
validade ou a applicação de tratados e leis federaes, e a decisão do tribunal
do Estado for contra ella;
b) quando se contestar a validade de
leis ou de actos dos governos dos Estados em face da Constituição ou das leis
federaes, e a decisão do tribunal do Estado considerar validos esses actos, ou
essas leis impugnadas.[2] [3]
Observam-se, aí, hipóteses que coincidem
com o tema dos recursos extraordinários, quando se tratasse de decisão da
justiça dos Estados (as decisões da justiça federal eram julgadas em grau de
recurso ordinário), ainda sem a denominação, que somente vai ser adotada, em primeiro
lugar, com edição do primeiro regimento interno do Supremo Tribunal Federal, de
26 de fevereiro de 1891. Em termos de legislação ordinária, essa denominação
aparece no artigo 24 da Lei nº 221, de 1894, e, a partir daí, pode-se
considerar que foi consagrada.
Em
sede constitucional, a denominação aparece na Constituição de 1934, que trocou
a denominação do STF para Corte Suprema, e dispôs, no artigo 76:
Artigo 76. Á Corte Suprema Compete:
....
2. Julgar:
....
III. Em recurso extraordinario, as
causas decididas pelas justiças locaes em unica ou ultima instancia:
a) quando a
decisão for contra literal disposição de tratado ou lei federal, sobre cuja
aplicabilidade se haja questionado;
b) quando se
questionar sobre a vigência ou a validade de lei federal em face da
Constituição, e a decisão do tribunal local negar applicação á lei impugnada;
c) quando se
contestar a validade de lei ou acto dos governos locaes em face da
Constituição, ou de lei federal, e a decisão do tribunal local julgar valido o
acto ou a lei impugnado;
d) quando
occorrer diversidade de interpretação definitiva de lei federal entre Côrtes de
Appellação de Estados diferentes, inclusive do Districto Federal ou dos
Territórios, ou entre um destes tribunaes e a Côrte Suprema, ou outro tribunal
federal.
A Constituição de 1937 retornou à antiga
denominação (Supremo Tribunal Federal) e dispôs no artigo 101:
Artigo 101. Ao Supremo Tribunal Federal
compete:
III — julgar, em recurso extraordinário as
causas decididas pelas justiças locais em única ou última instância:
a) quando a
decisão for contra a letra de tratado ou lei federal, sobre cuja aplicação se
haja questionado;
b) quando se
questionar sobre a vigência ou validade de lei federal em face da Constituição
e a decisão do tribunal local negar aplicação à lei impugnada;
c) quando se
contestar a validade de lei ou ato dos governos locais em face da Constituição
ou de lei federal, e a decisão do tribunal local julgar válida a lei ou o ato
impugnado;
d) quando
decisões definitivas dos Tribunais de Apelação de Estado diferentes, inclusive
do Distrito Federal ou dos Territórios, ou decisões definitivas de um dêstes
Tribunais e do Supremo Tribunal Federal derem à mesma lei federal inteligência
diversa.
A
Constituição de 1946 inovou (sem que isso tenha tido repercussão na
jurisprudência pátria como se verá no momento oportuno), ao dispor, no artigo
101, de forma apenas parcialmente semelhante:
Artigo 101. Ao Supremo Tribunal Federal
compete:
....
III — jogar em recurso extraordinário
as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais ou
juízes:
a) quando a
decisão for contrária a dispositivo desta Constituição a letra de tratado ou
lei federal;
b) quando se
questionar sobre a validade de lei federal em face desta Constituição, e a
decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada;
c) quando se
contestar a validade de lei ou ato de governo local em face desta Constituição
ou de lei federal, e a decisão recorrida julgar válida a lei ou o ato;
d) quando na
decisão recorrida a interpretação da lei federal invocada fôr diversa da que
lhe haja dado qualquer dos outros tribunais ou o próprio Supremo Tribunal
Federal.
A
Constituição de 1967 dispôs:
Art 114 - Compete ao
Supremo Tribunal Federal:
....
III
- julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas, em única ou
última instância, por outros Tribunais, quando a decisão recorrida:
b)
declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c)
julgar válida lei ou ato do Governo local, contestado em face da Constituição
ou de lei federal;
d)
dar à lei federal interpretação divergente da que lhe haja dado outro Tribunal
ou o próprio Supremo Tribunal.
A
Emenda Constitucional nº 1 de 1969 não inovou na matéria, dispondo, no artigo
119:
Artigo 119. Compete ao
Supremo Tribunal Federal:
.......
III - julgar,
mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última
instância por outros tribunais, quando a decisão recorrida:
a) contrariar
dispositivo desta Constituição ou negar vigência de tratado ou lei federal;
b) declarar a
inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida
lei ou ato do govêrno local contestado em face da Constituição ou de lei
federal; ou
d) der à lei
federal interpretação divergente da que lhe tenha dado outro Tribunal ou o
próprio Supremo Tribunal Federal.
Finalmente, a Constituição de 1988, já
com a redação da Emenda Constitucional nº 45, estabeleceu:
Artigo 102. Compete ao Supremo Tribunal
Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
..........
III - julgar, mediante recurso
extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a
decisão recorrida:
É esse o regramento constitucional
positivo que informa o exame que passa a ser feito sobre o recurso
extraordinário.
II. A natureza do recurso
extraordinário
Como resulta do rápido apanhado
histórico que se fez, o nosso recurso extraordinário tem origem no writ of error e no certiorari norte-americanos, e tem como objetivo a preservação da
supremacia da constituição e da unidade da federação. Costuma-se dizer, nesse
sentido, que o recurso extraordinário não é um recurso com função precípua de
realização da justiça. É claro, o cidadão, quando avia o seu recurso
extraordinário, normalmente não se preocupa com as mazelas que uma lesão pode
causar à Carta Política. O seu objetivo mais imediato e a suposta reparação de
um direito subjetivo eventualmente desrespeitado. Para o Estado, entretanto, o
que está em jogo são outros valores objetivamente considerados, de natureza
constitucional e que visam à própria preservação do Estado e da estrutura para
ele preconizada pelo poder constituinte.
Bem
examinado, o recurso extraordinário prestava-se a funcionar como último elo da
cadeia de controle de constitucionalidade por via incidental, isto é, da
técnica de controle em que o bem da vida perseguido pelas partes tinha como
pressuposto o reconhecimento (incidenter
tantum) de que determinada norma legal era compatível ou incompatível com o
texto constitucional que estivesse vigendo. A decisão proferida no recurso
extraordinário, entretanto, somente fazia coisa julgada em relação às partes.
Como,
todavia, o raciocínio disseminado no seio da advocacia (e da sociedade leiga)
não percebia as qualidades e especificidades do recurso extraordinário,
rapidamente passou-se a acreditar que ele constituiria uma espécie de terceiro
grau de jurisdição a que todos deveriam ter acesso, máxime porque, diversamente
do que acontecera no direito norte-americano — que se baseara também no certiorari, por meio do qual era
pacificamente admitido o poder discricionário da Suprema Corte para deliberar
se iria ou não examinar determinado pedido de revisão —, no direito brasileiro,
o entendimento era o de que havia um direito absoluto ao recurso, desde que
atendidos os pressupostos previstos nas diversas constituições
republicanas.
É
certo que as três primeiras constituições republicanas deixavam bastante
evidenciado que seria necessário, para que o cidadão tivesse acesso ao Supremo
Tribunal Federal, que a matéria teria pertinência com a letra de tratado ou lei federal sobre cuja aplicação se houvesse
questionado.
Passou-se a ter como certo que, além
dos pressupostos e requisitos genéricos, i.e., comuns a todos os recursos, o
extraordinário, até por inserir-se na categoria dos recursos de fundamentação
vinculada, teria pressupostos específicos, dentre os quais avultava o do
questionamento (após, prequestionamento), na instância da qual se recorria, da
aplicabilidade do tratado ou lei federal. Mais: considerava-se ocorrido o
prequestionamento quando tivesse havido debate sobre o tema no âmbito do
colégio julgador. Não bastava que a matéria tivesse sido simplesmente apontada
no recurso de apelação pela parte interessada. Era necessário que sobre ela o
tribunal se houvesse pronunciado.
Ocorre que essa
exigência deixou de ter assento constitucional desde a Constituição de 1946.
Dizendo de outra forma, a partir de 1946 não seria mais possível ao Supremo
Tribunal Federal exigir o requisito do prequestionamento. Parcela da doutrina tenta sustentar que o requisito do
prequestionamento está mantido por força da expressão “causas decididas” que consta no inciso III do artigo 102. O
argumento vale zero. A uma porque de causas decididas não se pode, nem por
larga concessão hermenêutica inferir a necessidade do prequestionamento. Causas
decididas quer dizer causas em que houve deliberação judicial. A duas porque as
constituições de 1934 e 1937 possuíam nos incisos III dos arts. 76 e 101,
respectivamente, a mesma expressão “causas
decididas”, mas, nas alíneas “a”
havia a exigência de que tivesse havido questionamento sobre a matéria federal.
Dizendo de forma bem clara: a exigência do questionamento sempre esteve lançada
na alínea “a” e não na cabeça do
inciso dessas constituições.
Quando o legislador
constituinte efetuou a modificação na redação das alíneas “a” dos textos constitucionais subsequentes (ressalvada a hipótese
de cochilo do constituinte, o que não se pode presumir) fê-lo porque entendeu
necessário mudar o sistema. Se antes o exigia, depois deixou de fazê-lo.
Sem embargo da clara
modificação constitucional, o Supremo Tribunal Federal continuou a exigir o
requisito do prequestionamento, chegando a editar a súmula nº 282, dispondo que
é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão
recorrida, a questão federal suscitada. Ora, com certeza, a edição da súmula em
questão, que não homenageia o direito constitucional brasileiro, ocorreu como
forma de impedir que o STF sucumbisse literalmente sobre o peso dos recursos
que desabariam sobre ele após a supressão da exigência constitucional do
prequestionamento. Assim, a medida preconizada na súmula atende muito mais à
necessidade de construção de uma jurisprudência
defensiva (como tem sido apelidado esse fenômeno) do Supremo Tribunal Federal
do que propriamente ao direito que passou a vigorar com a Constituição de 1946.
Com ela, o STF corrigiu o fato de que nossa cultura não havia importado a
discricionariedade na admissão dos recursos extraordinários (para se ter uma ideia,
em apenas dois anos --2004/2005 – o Supremo Tribunal Federal recebeu em seu
protocolo um número de processos superior a todos os que foram julgados pela
Suprema Corte norte-americana em toda a sua história.).
Daí em diante, e sem embargo
de nenhuma constituição brasileira ter repetido a exigido o prequestionamento,
permaneceu inalterado o posicionamento da Corte quanto a esse requisito. É bem
verdade que outros mecanismos constitucionais foram criados visando a dar ao
Supremo Tribunal Federal outras formas de exercer o poder discricionário sobre
a subida de recursos extraordinários de modo a permitir que o STF continuasse
funcionando. Deveras, a Emenda Constitucional nº 1 de 1969 dispôs no parágrafo
único do artigo 119 que as causas a que se refere o item III, alíneas “a” e “d”
deste artigo serão indicadas pelo Supremo Tribunal Federal no regimento
interno, que atenderá à sua natureza, espécie ou valor pecuniário. E,
realmente, o Regimento Interno, desde 1970, passou a prever no artigo 308
hipóteses nas quais não se admitia o cabimento do recurso extraordinário,
sempre ressalvando que essas limitações que criara não incidiriam quando se
tratasse de ofensa à Constituição ou discrepância da decisão recorrida com a
assim chamada jurisprudência dominante da casa. Logo após, em 1975, com a
Emenda Regimental nº 3, o STF alterou o artigo 308 do seu Regimento para adotar
a chamada argüição de relevância da questão federal em substituição à formula
exceptiva que acaba de ser mencionada[4].
A arguição de relevância passou a ser
considerada como um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário,
sendo, nas palavras do Ministro Vitor Nunes Leal, a melhor forma de aliviar a
sobrecarga de trabalho em que se encontrava o STF[5].
Percebe-se que a arguição era uma tentativa de aproximar o Recurso
Extraordinário de seu símile norte-americano, dando-lhe dignidade e estatura de
sorte que o STF pudesse preocupar-se somente com aquelas questões que
considerasse realmente importantes ou significativas para justificar uma
revisão.
Procedimentalmente, a arguição era
ofertada na própria petição de recurso extraordinário, em capítulo destacado
daquele em que se apresentavam as razões do recurso propriamente dito e nelas a
parte buscava superar os óbices regimentais, expondo as razões por que entendia
que naquele específico caso estariam presentes elementos de natureza jurídica,
social, etc., que extrapassariam os lindes da causa, a sugerir a necessidade de
deliberação da Corte maior.
Ocioso lembrar que o
instituto foi objeto de críticas porque a relevância, tal como concebida, de
forma discricionária, poderia conduzir ao arbítrio por parte dos Juízes da
Corte, ou no sentido de que a relevância é um dado axiológico que deve ser
ponderado pelo legislador ao momento da edição da norma jurídica primária e não
pelo julgador, ao momento de sua aplicação. Ora, a idéia da discricionariedade
em relação à admissão do RE é justamente fundada no fato de que um cidadão tem
direito a um duplo grau de jurisdição, não mais do que isso. Não há um terceiro
ou quarto grau de jurisdição. Ao depois, dizer que ponderações axiológicas são
prerrogativa do legislador e não do aplicador da lei é afirmação destituída de
qualquer fundamento lógico. Ao contrário, não se pode conceber a adequada
aplicação da norma jurídica sem considerar a sua dimensão axiológica.
Vale lembrar que, não
obstante a defesa que fazemos da arguição de relevância, o fato é que, talvez
por se tratar de instituto nascido na época da ditadura militar, a Constituição
de 1988 não acolheu esse requisito de admissibilidade, com o que o Supremo
Tribunal deixou de contar com o filtro de que dispunha para selecionar as
demandas a examinar, o que teve como consectário natural o aumento da carga de
recursos extraordinários em condições de ir a julgamento (independentemente de
o STF continuar utilizando aquele malsinado critério do prequestionamento.)
Nem
por outro motivo, a Emenda Constitucional nº 45 reinseriu na Carta Política
outra e necessária forma de filtro, por meio do qual o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões
constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal
examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de
dois terços de seus membros.
Semelhantemente
à arguição de relevância, a repercussão geral é um pressuposto específico de
admissibilidade do Recurso extraordinário, cujo exame compete exclusivamente ao
STF, diferentemente do que acontece com os demais pressupostos de
admissibilidade, que podem ser valorados pelo presidente ou vice-presidente do
tribunal a quo. Certamente que a
doutrina será capaz de encontrar formas distintivas entre um instituto e outro
(um é includente; outro, excludente. Um tem presumida a existência; outro, a
inexistência, etc.), mas, na essência, são a mesma coisa. As diferenças são
mais pertinentes ao procedimento da repercussão geral, que será examinado mais
à frente.
Adicione-se
a isso o instituto da súmula vinculante -- recém-inserido no ordenamento
constitucional brasileiro --, que tem conexão com a atividade do STF relativa
ao julgamento dos recursos extraordinários e se terá uma nova configuração do
recurso extraordinário: cada vez mais o RE deixa de ser o último elo na cadeia
do controle de constitucionalidade incidental para se tornar mais um
instrumento de controle in abstracto de
constitucionalidade naquilo que já vem sendo chamado, não sem razão, de objetivação do recurso extraordinário,
numa evidente alusão ao fato de que o controle abstrato de constitucionalidade
se faz por meio de processos objetivos, não de partes.
Hipóteses de cabimento
Com
o advento da Constituição de 1988, houve o desdobramento do recurso
extraordinário em recurso extraordinário e recurso especial, numa espécie (que
não chega a ser inusitada) de divisão de competência funcional, em que dois
órgãos da jurisdição são chamados a examinar diferentes matérias num mesmo
processo. Ao STF coube o exame da matéria de natureza constitucional. Ao então
criado Superior Tribunal de Justiça coube a última palavra sobre juízos de
legalidade e sobre a uniformização do entendimento sobre o direito federal.
Volta-se
à redação do artigo 102, III, da Constituição em vigor, agora para exame das
hipóteses em que cabe o recurso extraordinário:
Artigo 102. Compete ao Supremo Tribunal
Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
..........
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em
única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta
Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
A
alínea “a” como todas as outras, somente
pode ser interpretada em perfeita harmonia com a cabeça do inciso III. Para
caber recurso extraordinário é necessário que se trate de decisão de única ou
última instância, isto é, no sentido de que tenha sido esgotada a instância
ordinária, i.e., no sentido de que
não caiba mais nenhum outro recurso. Somente porque esgotada a instância
ordinária e que pode ser aberto o acesso à extraordinária. Vale o registro de
que, diferentemente do que acontece em relação ao recurso especial, que somente
é cabível de decisões de tribunais de justiça e de tribunais regionais federais
(órgãos do segundo grau de jurisdição), é possível que seja aberta a via do
extraordinário diretamente a partir do primeiro grau de jurisdição. Dizendo de
outra forma, é cabível recurso extraordinário contra decisão de juiz de
primeiro grau, bastando, para isso, que não haja previsão de recurso para o
segundo grau, de que são exemplos a sentença de que cogita o artigo 34 da Lei
nº 6.830, de 1980, que trata do executivo fiscal, e as decisões proferidas nos
juizados especiais examinadas pelas turmas recursais, que não são órgãos de
segundo grau de jurisdição.
Assim,
para efeito da redação do inciso III, causas decididas em única ou última
instância são causas a cujo respeito não se pode mais falar em recorribilidade
ordinária. Não por outro motivo, essa matéria foi objeto da Súmula nº 281 do
STF, que dispõe que é inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na
justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada.
A
abertura da vereda extraordinária supõe, pois, a estabilização da moldura
fática do processo, a respeito da qual não se permitirá revolvimento. Tem sido
dito em doutrina que o STF não examina matéria de fato, no julgamento de RE,
mas apenas e tão-somente matéria de direito. É difícil fazer esse discrímen
entre questão de fato e questão de direito principalmente para os que se filiam
ao entendimento de que o Direito é, a um só tempo, fato-norma-valor, como
preconizado pela teoria tridimensional do Direito. O que talvez se queira dizer
é que no STF não se reexaminam provas, matéria afeta exclusivamente à instância
ordinária.
Não
cabem no conceito de causa, para fins de abertura da via excepcional,
atividades praticadas nas instâncias ordinárias que não sejam de natureza
jurisdicional, tais assim os processos meramente administrativos, como, v.g.,
os processamentos de precatórios em decorrência de execuções contra a fazenda
pública, ou as decisões que julgam procedentes pedidos de intervenção federal.
Vale
o registro lateral de que, desde 2001, com o advento da Lei nº 10.532, se o
acórdão ordinário contiver parte unânime e parte não-unânime, o recurso
extraordinário ou especial somente será possível após o processamento e
julgamento dos embargos infringentes, ou quando houver transitado em julgado a
parte não-unânime do acórdão, conforme agora dispõe o artigo 498, e seu
parágrafo único, do Código de Processo Civil.
Cabimento do recurso
extraordinário pela alínea “a”
Para
que caiba o recurso pela alínea “a” é necessário que o acórdão recorrido tenha,
ao menos, interpretado o dispositivo constitucional de forma equivocada,
aplicando-o de forma inexata. É que contrariar significa uma forma de ofensa à
Constituição, aplicando o fragmento constitucional a uma hipótese em que ela
não poderia incidir ou deixando de aplicá-lo a uma situação em que ele deveria
ter incidido, ou, ainda, aplicando-o a uma hipótese em que realmente deveria
incidir, mas o fazendo de forma inadequada, por força de interpretação errônea,
retirando dele conclusões que seriam inextraíveis.
Durante
muito tempo, o STF teve dificuldades em separar, com relação à alínea “a”, o
juízo de admissibilidade do juízo de mérito. O STF ou (i) não conhecia o
recurso, ou; (ii) dele conhecida e lhe dava provimento. Não era capaz a Corte
de conhecer de um recurso pela aliena “a”, mas negar-lhe provimento. Isso, por
certo, tinha efeitos práticos de enorme repercussão, sobretudo no âmbito das
ações rescisórias. Somente a partir de agosto de 2003, o STF modificou o posicionamento
e passou a distinguir o juízo de admissibilidade do recurso — para o qual é
suficiente que o recorrente alegue adequadamente a contrariedade pelo acórdão
recorrido de dispositivos da Constituição nele prequestionados — e juízo de
mérito, que envolve a verificação de compatibilidade ou não entre a decisão
recorrida e a Constituição (STF-Pleno: RF- 370/280). Com o novo posicionamento,
todas as alíneas do inciso III passam a ter o mesmo conteúdo axiológico.
Cabe
o registro de que a expressão “contrariar dispositivo desta constituição”,
supõe que a contrariedade seja frontal e direta. Não se admite a contrariedade
por via reflexa, assim considerada aquela que envolve, para sua demonstração, a
interposição de algum raciocínio fulcrado em lei infraconstitucional.
Cabimento do recurso
extraordinário pela alínea b
No
que concerne à alínea “b”, a Constituição dispõe que cabe recurso
extraordinário da decisão de última ou única instância que declarar a
inconstitucionalidade de tratado ou lei federal. Importante destacar, a esse respeito, que, em
homenagem ao disposto no artigo 97 do Texto constitucional, somente por maioria
absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os
tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder
público.
Existe
aí uma espécie de divisão de competência funcional. Deveras, um recurso de
apelação é julgado numa turma ou câmara, pelo voto de três desembargadores. Se
estes, no julgamento da apelação, acolherem a arguição de inconstitucionalidade
feita de maneira incidente, lavram o acórdão e determinam a remessa da questão
ao tribunal pleno ou ao órgão especial. Este delibera exclusivamente sobre a
(in)constitucionalidade e determina o retorno dos autos ao órgão fracionário
para que prossiga no julgamento do recurso de apelação. É importante deixar
claro que a decisão que enseja o recurso extraordinário não é a do tribunal
pleno ou do órgão especial que resolve o incidente de inconstitucionalidade,
mas sim aquela, da turma, que completa, que conclui o julgamento do feito (a
teor do disposto na súmula nº 513 do STF).
Convém
aduzir, quanto ao tema que, em boa hora o legislador infraconstitucional fez
inserir um parágrafo único no artigo 481 do Código de Processo Civil, estabelecendo
que os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão
especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento
destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. É só essa,
entretanto, a exceção possível. Em qualquer outra circunstância a matéria deve
ser submetida ao colegiado maior. Não se admite a utilização de subterfúgios
pelos órgãos da jurisdição ordinária com o objetivo de furtar-se ao cumprimento
do artigo 97 do texto constitucional. Não por outro motivo, o Supremo Tribunal
Federal fez editar a Súmula Vinculante nº 10, dispondo que “viola a cláusula de
reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal
que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou de ato
normativo do poder público, afasta a sua incidência no todo ou em parte.”
Aduza-se
que se o acórdão recorrido (aquele que completou o julgamento do recurso de
apelação) não estiver acompanhado da decisão proferida pelo plenário ou pela
corte especial, será de todo conveniente a oposição de embargos de declaração
para que, suprida a omissão, possa ser levada ao conhecimento da Corte Maior a
argumentação desenvolvida pelo tribunal recorrido quando do julgamento do incidente
de inconstitucionalidade.
Cabimento do recurso
extraordinário pelas alíneas “c” e “d”
Quanto
ao cabimento pela aliena “c”, a Constituição dispõe que será possível a
interposição de recurso extraordinário sempre que a decisão proferida pelo
Tribunal a quo “julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face
desta constituição.”
Na
Constituição de 1969 essa previsão constava no artigo 119, III, c, com redação
algo diversa, dado que o recurso cabia contra decisão que julgasse “válida lei
ou ato de governo local contestado em face da Constituição ou de lei federal.”
Com
a criação do STJ houve uma cisão dessa hipótese, sendo remetida a competência
do exame da validade de lei ou ato de governo local contestado em face de lei
federal para aquele novo Tribunal. Permaneceu com o STF apenas a possível lesão
perpetrada por lei ou ato de governo local constestado em face da Constituição.
Posteriormente
percebeu-se que uma das hipóteses remetidas ao STJ implicava, na generalidade
dos casos, a existência de questão constitucional, razão por que a Emenda
Constitucional nº 45 fez incluir a alínea “d” no inciso III do artigo 102 (julgar
válida lei local contestada em face de lei federal), justamente porque aí
aparece a possibilidade de invasão de competência legiferante de uma esfera da
Federação relativamente a outra esfera. Isso, em tese, constitui uma questão constitucional a ser dirimida pelo Supremo
Tribunal Federal.
Hipóteses de cabimento do recurso especial
No
que concerne ao cabimento do recurso especial, convém retomar a afirmação de
que este, diversamente do que ocorre como recurso extraordinário, somente pode
ser tirado de decisão proferida por órgãos colegiados dos Tribunais de Justiça
dos Estados e do Distrito Federal ou dos Tribunais Regionais Federais. Não cabe,
pois, nem de decisão monocrática de desembargadores desses tribunais (o interessado
há sempre de provocar a prolação de um órgão colegiado), nem, muito menos, de
juízes do primeiro grau de jurisdição ou de turmas recursais dos juizados
especiais, que não são órgãos do segundo grau.
Cabimento pela alínea “a”
Dispõe o art. 105, III, “a”, da
Constituição que cabe recurso especial das decisões dos tribunais (antes
mencionados) quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal ou
negar-lhes vigência. O parâmetro de aferição é sempre a lei federal (o tratado
de que trata o fragmento constitucional é aquele que foi incorporado ao nosso
direito interno), assim considerada aquela produzida pelo Poder Legislativo da
União (Leis Complementares, Leis Ordinárias, Leis Delegadas, Decretos e
Regulamentos Federais), e a medida provisória ainda que pendente de apreciação
pelo Parlamento. Outros atos normativos, de natureza estadual ou municipal não
ensejam a abertura da via especial. Mesmo aqueles provenientes de órgão federal,
mas que não caibam em uma das espécies antes enunciadas, como as portarias, instruções,
ordens de serviços, regimentos internos de tribunais, não ensejam o cabimento do
recurso especial.
Para que seja cabível o recurso
especial é necessária a demonstração, em tese, da ofensa, da contrariedade, a
uma dessas espécies de norma. Contrariar, aqui, tem o mesmo sentido atribuído à
alínea “a’, do inciso III, do art. 102, da Constituição. Há contrariedade quando se aplica a norma a uma situação
que escapa ao seu âmbito de vigência (material, pessoal, espacial ou temporal),
ou se não a aplica a uma situação em que ele deveria incidir; ou ainda, quando
se a aplica a uma situação por ela abrangida, mas daí retirando consequências não
previstas e não pretendidas para a espécie.
É
bem de ver que o STJ se fez herdeiro de várias súmulas do STF (de algumas fez cópias
com numeração própria), que possuem caráter didático quanto ao não-cabimento do
recurso especial. Assim, por exemplo, editou a súmula nº 5, para afirmar que “A
simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial”. Quer
isso significar que não se trata de um novo recurso de apelação e sim de uma
via de acesso à instância de superposição com o objetivo de preservar a higidez
do direito federal. Sem embargo disso, o STJ tem afirmado, corretamente, que a
análise jurídica da legalidade de cláusula contratual não se confunde com
reexame do contrato. Este não admite a abertura da via excepcional; aquela, sim.
Também a súmula nº 7 ingressa nesse mesmo espaço para afirmar que “A pretensão
de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. A instância de superposição
recebe a moldura fática tal como estabilizada no julgamento pelos tribunais ordinários
e não se presta a reexaminar a prova produzida. Sem embargo disso, o STJ tem
admitido distinguir reexame e revaloração da prova, o primeiro inadmitido e o
segundo admitido em sede de recurso especial. Neste último caso, o que normalmente
é um erro de percepção sobre algum preceito de natureza processual ou substancial
que, se houvesse sido observado, ensejaria ao magistrado qualificar a mesma
prova produzida para atribuir-lhe valor diverso daquele que emprestou.
Alínea
b. Falta
Alínea
c. Falta
Procedimento
Com
relação ao procedimento, não há hesitações doutrinárias de monta. O simples
acesso ao texto do Código de Processo Civil resolve a generalidade das
questões. Reproduzem-se, a seguir, os dispositivos reitores da matéria, com
breves comentários:
Art. 541. O recurso extraordinário e o
recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão
interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em
petições distintas, que conterão:
I - a exposição do fato e do direito;
Il - a demonstração do cabimento do recurso interposto;
III - as razões do pedido de reforma da decisão recorrida.
Parágrafo único. Quando o recurso
fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência
mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação do repositório de
jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que
tiver sido publicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de julgado
disponível na Internet, com indicação da respectiva fonte, mencionando, em
qualquer caso, as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos
confrontados.
Cabe, aqui, a anotação de que
o recurso extraordinário e o recurso especial são recursos formais, que hão de
atender aos requisitos a eles impostos pela Constituição e pela lei processual.
Além das normas primárias, há ainda um verdadeiro rosário de súmulas
vinculantes e persuasórias, no âmbito do STF e do STJ, que devem ser levadas em
consideração ao momento da interposição do recurso (ao final do texto há um
apêndice com as principais súmulas aplicáveis à matéria).
Se for o caso de interposição de recurso
extraordinário e especial, é necessário que se valha o recorrente de duas
petições distintas, uma para cada recurso. Se assim, não proceder, a conclusão
pode ser a de que ambos não atendem ao requisito da regularidade formal, o que
gerará sua inadmissibilidade. Há, registre-se, solução menos radical, admitindo
o conhecimento de recurso especial tirado na mesma peça do extraordinário.
Dentro
do tema, convém recordar que algumas vezes é impositiva a interposição de ambos
os recursos, não cabendo escolha ao recorrente. Deveras, há ocasiões em que o
acórdão a ser recorrido contém fundamentos de natureza legal e de natureza
constitucional, cada um dos quais apto, por si só, a sustentar as conclusões do
Tribunal ordinário. Nessas circunstâncias, o recorrente deve dar notícia de que
está a aviar ambas as interposições, sob pena de ver os recursos não admitidos,
sob o argumento da falta de interesse de recorrer, como, aliás, está
expressamente previsto na Súmula nº 126.
Questão
interessante que pode ser colocada a esse respeito decorre da Emenda
Constitucional nº 45 que, como já sabido, criou o requisito da repercussão
geral para fins de admissibilidade do Recurso Extraordinário. Não admitida a
existência da repercussão geral, o recurso extraordinário não será conhecido,
independentemente de a questão meritória poder indicar verdadeira violação
constitucional (nem se chega a esse exame). A questão que se coloca é que,
assim, em primeira análise, ou bem se impõe à parte o dever de interpor o RE
mesmo com a consciência de que o recurso não será conhecido (dado que a decisão
de não-conhecimento do RE é estendida a todos os outros recursos que tratem da mesma
matéria) ou se está a estender, por enquanto de forma indevida, o instituto da
repercussão geral também para o recurso especial, porquanto esse também não será
conhecido, por força da aplicação da súmula 126, de a parte não interpuser o
inviável RE.
É
importante destacar, também, a necessidade da inteireza do texto recursal no
sentido de que o relator, na instância de superposição, deve ter condições de
compreender a controvérsia constitucional ou legal sem necessidade de recorrer
a qualquer outra peça dos autos (ele não fará a você o favor de compulsar
outras peças dos autos antes de exercer um juízo positivo de admissibilidade).
Deve-se,
por isso, abrir uma epígrafe, talvez com a sugestiva expressão “para
compreender a controvérsia” em que o recorrente possa estabelecer a verdade dos
fatos, tal qual admitida nas instâncias ordinárias e, com base nessa moldura,
demonstrar em que consiste a lesão constitucional ou legal, ou o dissenso
jurisprudencial.
A
propósito desse último aspecto, e se essa for a hipótese de cabimento
sustentada pelo recorrente, é igualmente fundamental que seja aberta outra
epígrafe nas razões de recurso, que pode ser nominada cotejo analítico, em que deve ser demonstrada a similitude das
molduras fáticas (acórdão paradigma acórdão recorrido) e a dessemelhança das
teses jurídicas adotadas em ambos os casos. Não basta, advirta-se, reproduzir
as respectivas ementas; é necessário que sejam reproduzidos trechos do voto
paradigma e do recorrido que sejam aptos à demonstração da indicada similitude.
Desnecessário
dizer que o recorrente, nessa hipótese, deverá trazer aos autos o acórdão
divergente, e dele dar conhecimento ao tribunal por uma das formas admitidas no
parágrafo único do art. 541, do CPC. E art. 255 do Regimento Interno do STJ.
Art. 542. Recebida a petição pela
secretaria do tribunal, será intimado o recorrido, abrindo-se-lhe vista, para
apresentar contrarrazões.
§ 1o Findo esse prazo, serão os autos conclusos para admissão
ou não do recurso, no prazo de 15 (quinze) dias, em decisão fundamentada.
§ 3o O recurso extraordinário, ou o recurso
especial, quando interpostos contra decisão interlocutória em processo de
conhecimento, cautelar, ou embargos à execução ficará retido nos autos e
somente será processado se o reiterar a parte, no prazo para a interposição do
recurso contra a decisão final, ou para as contrarrazões.
O procedimento foi simplificado em relação
à redação original do Código de 1973. A petição de recurso, agora, já cuida do
cabimento e das razões de recurso. Da mesma forma, as contrarrazões atacam, de
uma só vez, o cabimento e as razões do mérito recursal. Processado, com as
contrarrazões eventualmente ofertadas, o recurso é encaminhado ao presidente ou
vice-presidente do tribunal ordinário para que exerça o primeiro juízo de
admissibilidade, com o exame dos pressupostos gerais e específicos do recurso,
com a advertência de que, relativamente ao pressuposto da repercussão geral, o
desembargador examina apenas do ponto de vista formal se o requerente
apresentou a correspondente arguição. Fica-lhe interditada, entretanto,
qualquer avaliação sobre se realmente ocorre ou não a repercussão geral, matéria
afeta exclusivamente ao crivo do STF.
Embora
a legislação brasileira esclareça que os recursos extraordinário e especial
possuem apenas efeito devolutivo, não têm sido poucas as investidas práticas no
sentido da consecução do efeito suspensivo, muitas dessas revestidas de êxito. Deveras,
durante largo período da história recente do STF e do STJ, era usual a
concessão de efeito suspensivo aos recursos extraordinário e especial por parte
dessas cortes, já em decorrência da formulação de pedidos específicos, já em
decorrência de ações cautelares com essa finalidade. Provavelmente em
decorrência de excessos cometidos na busca desse efeito, os tribunais
superiores ficaram infestados de pedidos com essa finalidade o que acabou
gerando a edição das súmulas 634 e 635 do STF, vedando a postulação de
providências desse jaez no âmbito do STF e remetendo a apreciação de pedidos
dessa natureza aos tribunais ordinários, ao arrepio, diga-se de passagem, da
norma contida no art. 800, parágrafo único, que dispõe sobre a imediata
transferência para o tribunal recorrida, da competência para apreciar pedido de
liminar, uma vez interposto o recurso. É certo que, aqui, o argumento do STF,
ao editar as súmulas restritivas, há de fundar-se no fato de que a sua
competência é inextensível por meio de lei ordinária.
O
parágrafo terceiro do art. 542 criou uma modalidade de recurso extraordinário e
especial retido nos autos, quando interpostos contra decisão interlocutória em
processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução. A criação deve-se à
necessidade de racionalizar o trabalho processual nas cortes superiores. Em vez
de, no curso do processo nas instâncias ordinárias, conferir trânsito para as
extraordinárias com vistas ao exame de uma decisão interlocutória por alegada
violação legal ou constitucional, determina que ele permaneça nos autos para
ser julgado somente quando do julgamento do recurso excepcional tirado da última
decisão proferida no tribunal ordinário, isso se a parte interessada reiterar a
pretensão recursal até o momento não apreciada, ou em razões de recurso, ou em
contrarrazões .
Art. 543. Admitidos ambos os recursos,
os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça.
§ 1o Concluído o julgamento do recurso especial, serão os
autos remetidos ao Supremo Tribunal Federal, para apreciação do recurso
extraordinário, se este não estiver prejudicado.
§ 2o Na hipótese de o relator do recurso especial considerar
que o recurso extraordinário é prejudicial àquele, em decisão irrecorrível
sobrestará o seu julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal,
para o julgamento do recurso extraordinário.
§ 3o No caso do parágrafo anterior, se o relator do recurso
extraordinário, em decisão irrecorrível, não o considerar prejudicial,
devolverá os autos ao Superior Tribunal de Justiça, para o julgamento do
recurso especial.
Art. 543-A. O Supremo Tribunal
Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário,
quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral,
nos termos deste artigo.
§ 1o Para
efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões
relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que
ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
§ 2o O
recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação
exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.
§ 3o Haverá
repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou
jurisprudência dominante do Tribunal.
§ 4o Se a Turma
decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos,
ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.
§ 5o Negada a
existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre
matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese,
tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
§ 6o O Relator
poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros,
subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal.
§ 7o A Súmula
da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no
Diário Oficial e valerá como acórdão.
Art. 543-B. Quando houver
multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise
da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.
§ 1o Caberá ao
Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da
controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais
até o pronunciamento definitivo da Corte.
§ 2o Negada a
existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão
automaticamente não admitidos.
§ 3o Julgado o
mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão
apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que
poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.
§ 4o Mantida a
decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do
Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à
orientação firmada.
§ 5o O
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos
Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.
O
Agravo do art. 544 do CPC
Às vezes, o mais simples é o mais
adequado e o mais completo. Sob qualquer critério, aquele produto seria o
melhor no confronto com outros do mesmo gênero. A mensagem, sem rebuscamentos,
era clara, sedutora e atendia perfeitamente aos propósitos a que se destinava.
Assim também acontece com a nova Lei nº 12.322, de setembro de 2010, que entrou
em vigor em dezembro do mesmo ano.
Propôs-se, o legislador pátrio, a
alterar substancialmente a sistemática do artigo 544 do Código de Processo
Civil. Para isso, em lugar da interposição do agravo de instrumento para
desobstruir as vias de acesso do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário
até o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, que tenham
sido eventualmente vedadas por decisão do presidente ou vice-presidente de um
Tribunal qualquer, instituiu a possibilidade de essa desobstrução ser alcançada
por meio de um agravo tirado “nos próprios autos”.
Das
reiteradas alterações por que passou o art. 544
Para os que acompanham há mais tempo as
alterações legislativas por que passou o art. 544 ao longo dos anos, fica claro
que aquele agravo de instrumento vinha sendo utilizado pelas cortes de
superposição cada vez mais como forma de impedir o acesso do jurisdicionado à
instância excepcional. Explico: a redação original do art. 544 previa uns
poucos documentos obrigatórios necessários à formação do agravo de instrumento,
com o que o jurisdicionado tinha robustas razões para crer que, se as razões de
mérito do recurso fossem bastantes, não seria o recorrente vítima de armadilhas
formais.
Deveras, quando ainda não havia nem STJ,
nem Recurso Especial, a versão original do CPC previa apenas no parágrafo único
do art. 544 o seguinte:
Parágrafo único. O agravo de instrumento será instruído com as peças que forem indicadas pelo agravante, dele constando, obrigatoriamente, o despacho denegatório, a certidão de sua publicação, o acórdão recorrido e a petição de interposição do recurso extraordinário.
Posteriormente, a Lei nº 8.950, do
primeiro grande pacote de reformas do CPC, convolou o parágrafo único em § 1º,
dando-lhe a seguinte redação:
§ 1º O agravo de instrumento será instruído com as peças apresentadas
pelas partes, devendo constar, obrigatoriamente, sob pena de não conhecimento, cópia do acórdão recorrido, da petição de
interposição do recurso denegado, das contra-razões, da decisão agravada, da
certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado.
Mais recentemente, a Lei nº 10.352, de
2001, estatuiu, verbis:
§ 1o O agravo de instrumento
será instruído com as peças apresentadas pelas partes, devendo constar
obrigatoriamente, sob pena de não conhecimento, cópias do acórdão recorrido, da
certidão da respectiva intimação, da petição de interposição do recurso
denegado, das contra-razões, da decisão agravada, da certidão da respectiva
intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do
agravado. As cópias das peças do processo poderão ser declaradas autênticas
pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal.
Da comparação desses fragmentos,
percebe-se que, primeiramente, eram quatro as peças obrigatórias. Após, seis
conjuntos de documentos, tendo sido acrescentadas, na segunda versão, a cópia
das contrarrazões e a cópia das procurações outorgadas aos advogados do
agravante e do agravado. A partir de 2001, foi acrescentado mais um: a cópia da
certidão da intimação do acórdão recorrido.
Aos que não têm lembrança desse tempo,
cabe dizer que todas essas alterações legislativas não foram iniciativa pura e
simples do legislador. Ao revés, o acrescentamento dessas peças sempre se fez
por meio de construção da jurisprudência: STJ e STF passavam, de determinado
momento em diante, a considerar tais ou quais peças obrigatórias; o legislador
acolhia aquele posicionamento e o positivava no Código de Processo Civil.
A
jurisprudência defensiva influenciando o legislador
Ocioso dizer que o crescente aumento das
exigências de peças supostamente obrigatórias para o aviamento do agravo de
instrumento tendente a conferir trânsito a Recurso Especial e Recurso
Extraordinário fazia parte do esforço de construção das instâncias excepcionais
para desestimular, por todas as formas, o aviamento desses recursos e, no
limite, a sua apreciação nas instâncias de superposição, no que acabou ficando
conhecido como jurisprudência defensiva.
De mesma natureza (jurisprudência
defensiva) é o famoso prequestionamento que, sem embargo de historicamente não
constar em nossos textos constitucionais desde a Constituição de 1946, ainda
continua a ser exigido como fundamental à apreciação do cabimento dos recursos
excepcionais.
Se o agir por via da chamada jurisprudência defensiva soa legítimo,
do ponto de vista humano, dado o assombroso número de processos que desabavam
diariamente sobre os ombros dos Ministros das duas Cortes, o certo é que essas
exigências não pareciam (nem parecem) ajustar-se ao contido no ordenamento
positivo brasileiro.
Talvez por isso, e agora corretamente, o
esforço do constituinte derivado (Emenda Constitucional nº 45) e do legislador
infraconstitucional (art. 543-C) tenha sido no sentido de tentar dotar o
Direito brasileiro de mecanismos legítimos, visando a atribuir um pouco de
ordem e eficácia ao sistema recursal excepcional, limitando a revisibilidade,
uma a uma, das irresignações levadas a essas duas casas maiores.
Se as medidas preconizadas conseguirem o
efeito desejado, de redução drástica do número de recursos interpostos e
examinados, então, não será mais necessário o culto da jurisprudência
defensiva, nem da invenção de novas técnicas de indeferimento de agravos de
instrumento (v.g, o carimbo do
protocolo está ilegível na cópia trazida ao Tribunal e nenhuma certidão do
órgão da justiça ordinária pode substituir o carimbo; o pagamento do preparo
foi realizado via internet e o comprovante do pagamento “pode” ser falso,
etc.).
Há, exatamente em decorrência disso,
amplo espaço para a edição e adequada aplicação da Lei nº 12.322, de 2010, que
“transforma o agravo de instrumento interposto contra decisão que não admite
recurso extraordinário ou especial em agravo nos próprios autos”, pondo por
terra toda uma gama de precedentes defensivos. Deveras, como o agravo, agora, é
interposto nos próprios autos do processo, não há mais possibilidade teórica de
ser indicada como razão da inadmissibilidade do recurso a ausência de algum
documento tido por indispensável à formação do agravo.
É bem verdade, entretanto, que a mente
humana é muito mais imaginativa do que a lei e nada impede um Ministro da
Corte, dotado de certa criatividade, de inventar outras técnicas defensivas,
visando a não conferir admissibilidade ao recurso de agravo interposto nos próprios
autos.
Ainda recentemente, quase imediatamente
após a entrada em vigor da lei em comento, num dos primeiros agravos que teve
sua admissibilidade examinada no STJ, certo Ministro saiu-se com esta:
O protocolo de
interposição do recurso especial está ilegível (fl. 48), sendo, portanto,
imprestável para aferir sua tempestividade.
Nego, por isso, seguimento ao agravo.
Como é possível? Simples: mesmo
ocorrendo o aviamento do agravo nos próprios autos, dois procedimentos têm sido
adotados: (i) o STJ determina, sponte
sua, e por meio de seus próprios funcionários, a digitalização dos recursos
que chegam à Corte, com a devolução dos autos ao tribunal de origem; ou (ii) o
próprio tribunal recorrido digitaliza integralmente os autos e remete por meio
eletrônico para o STJ.
Nas duas hipóteses, o recorrente não
possui nenhuma forma de controlar o procedimento de digitalização (nem tem como
fazê-lo). A perpetuar-se o absurdo,
ficará o jurisdicionado sem armas para lutar contra essa nova e perversa forma
de jurisprudência defensiva, que condena o requerente a residir no sol.
Sem embargo disso, é certo que será
necessária muita criatividade para ressuscitar todas as técnicas defensivas das
instâncias de superposição. Enquanto elas não vêm, convém saudar e aplicar a
nova lei.
Da nova regência legal e seus desdobramentos
O Texto da Lei nº 12.322, de 2010, na
parte pertinente aos recursos excepcionais, tem este teor:
Art. 544. Não admitido o recurso extraordinário ou o
recurso especial, caberá agravo nos próprios autos, no prazo de 10 (dez) dias.
§ 1o O agravante deverá interpor
um agravo para cada recurso não admitido.
[foi mantida a anterior redação do § 2º].
§ 3o O agravado será intimado, de imediato, para no prazo
de 10 (dez) dias oferecer resposta. Em seguida, os autos serão remetidos à
superior instância, observando-se o disposto no art. 543 deste Código e, no que
couber, na Lei no 11.672, de 8 de maio de 2008.
§ 4o No Supremo Tribunal Federal e
no Superior Tribunal de Justiça, o julgamento do agravo obedecerá ao disposto
no respectivo regimento interno, podendo o relator:
I - não conhecer do agravo manifestamente inadmissível ou
que não tenha atacado especificamente os fundamentos da decisão agravada;
II - conhecer do agravo para:
a) negar-lhe provimento, se correta a decisão que não
admitiu o recurso;
b) negar seguimento ao recurso manifestamente
inadmissível, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência
dominante no tribunal;
c) dar provimento ao recurso, se o acórdão recorrido
estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal.
(NR)
Art. 545. Da decisão do relator que não conhecer do agravo,
negar-lhe provimento ou decidir, desde logo, o recurso não admitido na origem,
caberá agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, ao órgão competente, observado o
disposto nos §§ 1o e 2o do art. 557.
(NR)
Presente o texto da lei, a primeira
observação a ser feita é a de que o novo agravo, nos próprios autos, é fruto da
transformação do agravo de instrumento (assim diz a ementa). Vale o registro de
que os advogados, na elaboração do recurso, não precisam nem devem nominá-lo
como “agravo nos próprios autos”, basta que escrevam agravo. O complemento “nos
próprios autos” tem pertinência com a forma ou com o locus da interposição, mas não com a denominação do recurso.
Com isso, já é possível deduzir que me
incluo entre aqueles que abominam a expressão agravo inominado. Havendo sido
dito que é agravo, então já se trata de recurso nominado, recurso de agravo!
Agravo inominado é uma contradição essencial. A maneira, a forma como se
processa o recurso, mero adjunto, não faz parte da nominação.
Não por outro motivo, o legislador
somente utilizou a expressão “nos próprios autos”, no caput do art. 544, para contrapor ao que acontecia até o momento
anterior à entrada em vigor da lei, em que o agravo era tirado por via de
instrumento. Depois dessa menção inicial, em todos os outros fragmentos da lei,
limitou-se o legislador à expressão agravo.
Sem
embargo disso, convém mencionar que a expressão agravo no auto do processo
(correspondente a agravo nos próprios autos) é de larga tradição histórica no
direito luso-brasileiro. Deveras, as Ordenações Manoelinas de 1521[6] já a ele se referiam no Livro III, 54, § 8, e 77.
Foi reafirmado na Carta Régia de 1526 e mantido nas Ordenações Filipinas, Livro
III, Tit. 20. Desprezado no nosso Regulamento nº 737, de 1850, reapareceu no
Código de Processo Civil de 1939 (art. 851).
Ainda
que possa parecer ocioso, convém deixar anotado que esse agravo que objetiva o
trânsito dos recursos excepcionais não se confunde com o agravo retido de que
cogita o art. 522 do Código de Processo Civil. Este último, que é aviado de
sorte a obstar a preclusão de matérias deliberadas pelo juiz do primeiro grau
de jurisdição, somente é apreciado em “preliminar” de apelação, enquanto que o
agravo do art. 544 tem tramitação e exame imediatos, ressalvada a incidência do
art. 543-C, do Código de Processo Civil.
No que concerne ao procedimento, esse
ficou bastante simplificado. O agravo é tirado perante a autoridade judiciária
que negou trânsito ao Recurso Extraordinário ou ao Especial, ou a ambos, no
prazo de dez dias contados da intimação da decisão denegatória, sendo que, se
houver ocorrido a denegação de ambos os recursos excepcionais, deverá ocorrer a
interposição de dois recursos de agravo, um para cada decisão contrária. Como
há expressa referência ao art. 543 do Código de Processo Civil, deve ficar
claro que, em qualquer hipótese (agravo
de não-admissão do Extraordinário, agravo de não-admissão do Especial, agravo
de não-admissão de ambos), os autos do processo deverão ser primeiramente
encaminhados ao STJ para exame, ou do Especial ou do agravo interposto e,
somente após essa atividade serão encaminhados ao STF, se for o caso, dado que
a decisão do STJ pelo integral provimento do recurso Especial pode tornar
desnecessária a remessa à Corte Maior.
A redação do § 2º do art. 544 não sofreu
alteração em decorrência da Lei 12.322, sendo mantido, inexplicavelmente, este
teor:
§ 2º A petição de agravo será dirigida à
presidência do tribunal de origem, não dependendo do pagamento de custas e
despesas postais. O agravado será intimado de imediato para no prazo de 10
(dez) dias oferecer resposta, podendo instruí-la com cópias das peças que
entender conveniente. Em seguida, subirá o agravo ao tribunal superior, onde
será processado na forma regimental.
Ora, pelo menos duas razões de ordem
sistemática não autorizariam a mantença do dispositivo, tal como se encontra
redigido. Primus, parcela da redação
desse fragmento legal foi trasladada para o § 3º. Confira-se, em ambos os
parágrafos, este trecho: O agravado será intimado de imediato para no prazo de
10 (dez) dias oferecer resposta. Tem-se
uma redundância legiferante que somente pode ser creditada a um descuido do
legislador; secundus, o novo perfil
do agravo, agora nos autos, pelo menos em uma primeira leitura, não sugere que
o agravado possa ou deva instruir sua resposta com “cópias das peças que
entender conveniente.” Todas as peças estarão, pela própria forma eleita pelo
legislador, encartadas nos autos.
O fragmento não é, entretanto, de todo
desnecessário. Têm valia a indicação procedimental de que o agravo deve ser
dirigido ao presidente do Tribunal de origem e a referência ao não-pagamento de
custas e despesas postais.
Vale
a anotação, aqui, de que o § 4º, na esteira, aliás, do que tem sido a tendência
do processo civil brasileiro nos três últimos lustros, atribuiu ainda mais
poder ao relator do recurso de agravo. Com efeito, os poderes do relator ganham
maior dimensão.
O
Ministro relator terá poderes para (1) não conhecer do agravo: (1.1)
manifestamente inadmissível; ou (1.2) que não haja hostilizado os fundamentos
da decisão agravada; (2) conhecer do agravo para: (2.1) no mérito, negar-lhe
provimento, se entender que a decisão de inadmissão do REsp ou do RE está
correta; (2.2) negar seguimento ao REsp ou RE manifestamente inadmissível,
prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal;
(iii) dar provimento; (3) dar provimento ao RE ou REsp se o acórdão recorrido
estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal.
Cotejado
com a redação anterior, o novo § 4º deu tratamento sistemático à matéria que
antes se encontrava no antigo § 3º, cuidando, agora, tanto de hipóteses em que
o Relator deve não conhecer do agravo como daquelas em que deve examiná-lo. A
regência anterior cuidava apenas das hipóteses, positivas, de conhecimento do
agravo e de provimento direto do REsp ou do RE. Se a conclusão do relator
divergisse de uma dessas duas atitudes, então a solução deveria ser buscada no
art. 557 do CPC.
É
certo que o tratamento atual é mais sistemático, mas ainda assim contém
equívoco de natureza justamente sistemática. Deveras, é exato afirmar que não
se deve conhecer de agravo manifestamente inadmissível ou que não tenha atacado
os fundamentos da decisão agravada, em violação ao requisito extrínseco da
regularidade
formal. Não é exato, entretanto, estabelecer que o
relator deve conhecer do agravo para (b) negar seguimento ao recurso
manifestamente inadmissível, prejudicado ou em confronto com súmula ou
jurisprudência dominante no tribunal.
A
dicção dessa alínea ‘b’ sofre de ausência de paralelismo em relação à alínea
‘a’, antecedente. Com efeito, nesta última, o relator conhece do agravo e lhe
nega provimento. Ora, então, na ‘b’, antes citada, o relator deveria, em
primeiro plano, conhecer e dar provimento ao agravo. Feito isso, passaria ao exame do RE ou do
REsp e lhe negaria seguimento porque inadmissível (por motivo diverso daquele
invocado pelo presidente ou vice-presidente do tribunal ordinário, dado que, se
fosse pelo mesmo motivo, a hipótese seria da alínea ‘a’); somente assim o texto
obedeceria ao critério instituído pela norma mesma.
Matéria
que merece consideração é a relativa à possibilidade de retenção dos atos no
tribunal de origem. Deveras, a referência, no novo parágrafo terceiro, à Lei nº
11.672, de 2008, dá conta da possibilidade de o recurso não ter tramitação
imediata. Pode ficar sobrestado por força do fato de que, aplicada à espécie o
art. 543-C, somente serão encaminhados à instância de superposição aqueles
recursos representativos da controvérsia. Os demais ficam sobrestados (diz a
lei: suspensos) até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de
Justiça.
Outro
aspecto a ser realçado e que representa consequência direta do ajuste da
legislação infraconstitucional ao que disposto na Emenda Constitucional nº 45,
que instituiu a repercussão geral como requisito de admissibilidade do Recurso
Extraordinário, tem pertinência com o disposto no art. 543-B do Código de
Processo Civil: o legislador estabeleceu que, quando houvesse multiplicidade de
recursos em que tivesse sido agitada a mesma controvérsia, o tribunal de origem
selecionaria um ou mais recursos e os encaminharia ao STF. Os demais ficariam
sobrestados na instância a qua.[7]
Assim,
no que concerne ao represamento do Recurso Extraordinário, no tribunal
ordinário, por força da aplicação do citado art. 543-B do CPC, depois de alguma
hesitação inicial, a jurisprudência fixou-se no sentido de que não cabe nem
agravo de instrumento nem Reclamação na hipótese de ocorrência de algum
equívoco quanto ao sobrestamento de que cogita esse artigo, na hipótese de
multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia. Apenas a
título de exemplo, traz-se este recente julgado do STF:
RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL. ALEGAÇÃO DE EQUÍVOCO NA APLICAÇÃO DA REPERCUSSÃO GERAL PELO
TRIBUNAL DE ORIGEM. INOCORRÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. I – A jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que não é cabível a reclamação
para corrigir eventual equívoco na aplicação da repercussão geral pela Corte de
origem.[8]
Parece-nos
que esta não é a melhor solução. Deveras, mesmo não sendo o caso de agravo nos
autos (e realmente não o é, porque sobrestar recurso não significa negar
seguimento, única hipótese que autoriza o agravo do art. 544), parece que a
alternativa natural seria a reclamação para firmar a competência do STF:
entretanto, o entendimento atual tem sido o de que a solução terá de ser
encontrada no próprio tribunal de origem. Como se trata de decisão da
presidência ou vice-presidência do tribunal, a medida a ser adotada, um agravo
interno, deverá ser objeto de exame pelo plenário da casa ou, onde houver, pela
corte especial.
Desnecessário
afirmar que esse órgão último, em brevíssimo tempo, ficará com as pautas
inteiramente tomadas somente com o exame de matérias dessa natureza.
[1]
O parágrafo único do artigo 9º tinha esta redação:
Haverá também recurso para
o Supremo Tribunal Federal das sentenças definitivas proferidas pelos tribunaes
e juízes dos Estados:
a)
Quando a decisão houver sido contraria á
validade de um tratado ou convenção, à aplicabilidade de uma lei do Congresso
Federal, finalmente, à legitimidade do exercício de qualquer autoridade que
haja obrado ooem nome da União — qualquer que seja a alçada.
b)
Quando a validade de uma lei ou acto de qualquer
Estado seja posta em questão como contrário à Constituição, aos tratados e às
leis federaes e a decisão tenha sido em favor da validade da lei ou acto;
c)
Quando a interpretação de um preceito
constitucional ou de lei federal, ou da clausula de um tratado ou convenção,
seja posta em questão, e a decisão final tenha sido contrária à valide do
título, direito ou privilegio ou isenção, derivando do preceito ou cláusula.
[2]
Mantida a grafia da época para todos os textos históricos.
[3]
A redação é extremamente semelhante à do já citado Decreto nº 510, com a
diferença de que, no Decreto, tratava-se exclusivamente de decisões da justiça
federal.
[4]
A argüição de relevância foi alçada à estatura constitucional com Emenda
Constitucional nº 7, de 1977, cabendo ao STF estabelecer, em seu regimento, o
processo e julgamento dessa argüição.
[5]
Cf. Mancuso, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e especial. P. 65.
[6]
A rigor, houve duas edições anteriores dessas Ordenações, em 1512 e 1514, mas
foram mandadas destruir, por erro de tipografia.
[7]
O relativo varia em latim, por isso, instância a qua e não a quo. Esta
última forma somente se aplica se o termo a que se refere o relativo for
masculino ou neutro.
[8]
AgR na Rcl 11250/RS,
Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Julgamento: 07/04/2011.
Tribunal Pleno, DJe-125 DIVULG 30-06-2011
PUBLIC 01-07-2011.
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