terça-feira, 14 de maio de 2013

Recursos em espécie: apelação, Recurso Extraoridnário e Recurso Especial


 
Para os meus alunos de Processo III: esta postagem não contém discussão sobre os recursos de agravo, embargos infrigentes, de declaração e de divergência, que serão objeto de estudo posterior.

RECURSOS EM ESPÉCIE

 

 

               Recurso de Apelação

 

 

          

                  A apelação é o recurso por excelência, recurso de fundamentação livre, que se presta, na forma do art. 514 do Código de Processo Civil, a impugnar a sentença proferida pelo juiz do primeiro grau de jurisdição, seja ela sentença que tenha resolvido o mérito da causa, seja ela sentença de natureza meramente processual, como a sentença que extingue o processo sem resolução de mérito, na forma do art. 267 do Código de Processo Civil.

 

                  Anote-se que há algumas sentenças das quais não cabe recurso de apelação, tais assim as proferidas nos juizados especiais de pequenas causas, tanto federais como estaduais, que desafiam apenas e tão somente o recurso previsto na sua própria regência (recurso inominado), as de que trata o art. 34 da Lei nº 6.830, de 1980, das quais somente cabem embargos infringentes, e aquelas proferidas em situações previstas por juízes federais, na forma da competência estabelecida no art. 109,     , da Constituição Federal, que somente podem ser hostilizadas por meio de recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça, na forma do disposto no art. 105, II, da Constituição Federal.

 

         Consoante já afirmado em outro momento, a história do recurso de apelação confunde-se com a história do Direito Romano, especificamente com o início do período da cognitio extraodinem, quando a sentença deixou de ser proferida por um cidadão qualquer e passou a sê-lo por um funcionário do Estado. Desse momento em diante, pode-se dizer que ocorreu a institucionalização do recurso de apelação. Assemelhava-se, nos primeiros momentos, a uma súplica dirigida ao superior hierárquico do prolator da decisão judicial com o objetivo de reformar a decisão desfavorável. Somente mais tarde, no direito intermédio com o surgimento da querela nulitatis (sanabilis e insanabilis) é que o recurso de apelação passou a ser veículo de inconformação apto a alçar ao tribunal ordinário também os vícios de natureza processual (nulidades processuais), com o objetivo de cassar a sentença proferida. A matéria será mais bem examinada quando cuidarmos da ação rescisória.

 

                   Não obstante o Código de Processo Civil seja extremamente generoso no que concerne à forma dos atos processuais, é bom que se diga que, no concernente aos recursos em geral e, no que nos interessa agora, no que diz com o recurso de apelação, a regra que prevalece é a da regularidade formal. O apelante há de seguir adequadamente as regras que lhe são impostas no artigo 514 do Código, que estabelece o que deve conter um recurso da espécie.

 

                   Na prática da advocacia criou-se o costume de seccionar o recurso de apelação em duas partes: a primeira, uma espécie de folha de rosto, devidamente datada e assinada, dirigida ao juiz que prolatou a sentença, em que o recorrente assevera sua inconformação com a decisão que lhe foi desfavorável, indica que está a recorrer, naquele momento, e pede a remessa das razões de recurso, com o comprovante do pagamento do preparo (quando for o caso) e do porte de remessa e de retorno ao tribunal competente para o julgamento do recurso; a segunda, dirigida ao tribunal, com a narração da situação fático-jurídica até aquele momento, dos principais aspectos da sentença que lhe foi desfavorável, e indicação das razões de direito processual e material que substanciam a fundamentação recursal e, finalmente, com o pedido de cassação ou reforma da decisão, com o fecho igualmente datado e assinado.

 

                   Embora essa divisão em duas peças, embora esteja incorporada na prática da advocacia, não é obrigatória. O advogado pode optar por fazer tudo em uma única peça, desde que estejam atendidos todos os requisitos exigidos pelo art. 514 do Código de Processo Civil: ser dirigida ao juiz, os nomes e qualificação das partes (no mais das vezes, a qualificação é desnecessária porque já existente na petição inicial e na contestação), os fatos e fundamentos de direito e o pedido de reforma de nova decisão. Cabe o registro adicional no sentido de que o advogado não deve olvidar de apor sua assinatura na petição do recurso de apelação. Se não o fizer, entretanto, deverá a autoridade julgadora ensejar oportunidade a que o advogado supra a falta no prazo que lhe for deferido.

                  Com a interposição do recurso de a apelação, por força do disposto no art. 515 do Código, é devolvido ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada, como foi visto quando tratamos do efeito devolutivo, Esclarece o § 1º desse mesmo artigo que serão objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro. Implica dizer, por força do mesmo efeito devolutivo, as questões controvertidas no processo, que deveriam encontrar decisão e solução adequada na sua sede própria, a sentença, mesmo que tenham sido olvidadas pelo juiz de primeiro grau, deverão ser examinadas pelo tribunal que lhe é superior. Também assim, certas questões que deveriam encontrar desate em momento anterior à sentença (v.g., a apreciação da impugnação do valor da causa, ou a deliberação sobre o pedido de justiça gratuita), por meio, por exemplo, de uma decisão interlocutória, serão no julgamento da apelação examinadas, por força do disposto no art. 516 de Código.

                  Também já dissemos em momento anterior, estamos alinhados dentre aqueles que entendem tratar o § 2o do art. 515 de uma especial hipótese de efeito devolutivo, Assim, quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais. Não se faz necessária a reiteração dos fundamentos do pedido ou da defesa. O que importa é hostilizar a decisão, a sentença, com a demonstração dos errores em que incidiu e indicar qual a dimensão do pedido de reforma. Qualquer fundamento constante da inicial ou da contestação que tenha pertinência com a dimensão do pedido de reforma poderá e deverá ser examinado pelo Tribunal, por força do efeito devolutivo.

                   Cabe, aqui, uma palavra sobre a adição do parágrafo 3º ao artigo 515, por força da Lei nº 10.352, de 2001, parágrafo esse que acolheu a teoria da causa madura para permitir ao tribunal o imediato julgamento de mérito das ações em grau de recurso de apelação de sentença que houvesse extinguido o processo sem resolução de mérito. Antes do advento desse fragmento legal, o tribunal, em homenagem e acatamento à dimensão horizontal do efeito devolutivo, somente considerava a pertinência da irresignação quanto à matéria que conduzira o magistrado a extinguir o processo sem exame de mérito.

                  Se desse provimento à apelação, deveria determinar o retorno dos autos à vara de origem a fim de que o juiz do primeiro grau de jurisdição prosseguisse no exame do feito e proferisse sentença de mérito. E assim fazia o tribunal para que a parte não pudesse supressão de instância: o julgamento de mérito competiria sempre aos juízes de primeiro grau    , e o juízo de revisão caberia aos tribunais. Com o novo § 3º do art.515, essa perspectiva sofreu forte câmbio, com a permissão aos magistrados para apreciação direta da matéria meritória, desde que a matéria processual, ou eventual alegação de ausência de condições da ação (que funcionara para o magistrado do primeiro grau como causa da extinção do processo sem julgamento de mérito) tivesse sido superada pelo tribunal e a questão não comportasse mais a necessidade de produção de provas, além da anteriormente realizada. Assim, por exemplo, se tiver ocorrido a instrução probatória, com indicação das partes em conflito de que não há mais provas a produzir, e o juiz vier a extinguir o processo sem julgamento por ilegitimidade ativa para a causa, o tribunal poderá, uma vez superada a questão da ilegitimidade, adentrar no exame de todas as outras questões de mérito e julgar a demanda, sem considerar o fato de que o juiz de primeiro grau ainda não o fizera.

                   É certo que essa nova perspectiva sofreu algumas objeções doutrinárias, com a alegação de que o novo preceito normativo padeceria de inconstitucionalidade por ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição que informa o nosso direito processual. Penso que a objeção não merece prosperar, porque o princípio invocado não é absoluto e porque, de igual estatura constitucional (art. 5º, LXXVI), o princípio da razoável duração do processo sustenta a constitucionalidade da inovação introduzida no Código de Processo Civil, que deve primar pela efetividade, pela pronta resposta jurisdicional ao cidadão que a requereu.  

                   Com isso, o Código de Processo Civil atende aos anseios da sociedade civil de maior efetividade na entrega da prestação jurisdicional. No mesmo diapasão, é dado ao Tribunal de Justiça ao verificar a ocorrência de nulidade sanável determinar a realização ou renovação do ato processual; uma vez cumprida a diligência, e sempre que possível, o tribunal prosseguirá no julgamento da apelação. Evidentemente, se se tratar de nulidade insanável, não será possível a utilização desse mecanismo. 

                   No mesmo intuito de privilegiar a efetividade processual, o legislador previu a possibilidade de se alegar, em grau de apelação, matéria de fato que, por motivo de força maior não tenha sido alegada perante o juízo de primeiro grau de jurisdição. Bem é de ver que, em hipóteses dessa natureza, é possível imaginar mesmo a abertura de uma instrução probatória perante o tribunal. Deveras, se é possível trazer questões de fato ainda não alegadas, então há de ser possível sobre essas questões produzir prova (qualquer espécie de prova), com a necessidade de abrir-se uma fase de instrução no fluir do recurso de apelação. A colheita da prova será dirigida pelo relator do recurso e por ele realizada pessoalmente, ou por meio de carta de ordem para o juízo do primeiro grau da comarca em que a prova deva ser produzida.

                        Bem é de ver que o § 1o  do art. 518 do CPC  impõe ao magistrado do primeiro grau de jurisdição, em exame de admissibilidade, o dever de não receber o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. Tem-se aqui, com novo desenho, a ideia da súmula impeditiva de recurso, que frequentou várias versões da PEC nº 29 (Reforma do Judiciário), mas que acabou abandonada na versão final, que deu origem à Emenda Constitucional nº 45, de 2004. Reciclada, foi apresentada ao Congresso Nacional como texto infralegal, com hospedagem garantida no Código de Processo Civil. A tese central é a de que há uma espécie de efeito vinculante das decisões dos dois tribunais de superposição capaz e impedir o acesso da parte a qualquer outro órgão da jurisdição, desde que a sentença proferida esteja na conformidade das súmulas desses tribunais. Dizendo de outra forma, para que incida a norma consagrada nesse parágrafo, impõe-se que a sentença esteja calçada em súmulas do STF e do STJ.

                  Não obstante a clareza do dispositivo, a sua aplicação deve ser parcimoniosa. Não basta o amparo sumular. É necessário que se verifique se o âmbito de incidência da súmula (material, pessoal, temporal, espacial) encontra-se ajustado à questão de que trata a sentença. Quantas e quantas vezes já não se viu algum órgão do Judiciário fazer inadequada eleição da norma de regência da pretensão submetida a seu exame? Então, por que razão deve ser afastada, prima facie, a possibilidade de a mesma coisa acontecer com a aplicação da súmula? É bem verdade que a ideia que informa a edição sumular é justamente a de aumentar o coeficiente de densidade de certa norma jurídica e de reduzir as hesitações sobre sua aplicabilidade. Isso não quer dizer, entretanto, que essas dificuldades e hesitações desparecem por completo, quando por outro motivo não seja, pela natural humanidade do prolator da decisão judicial.

                  É importante, por isso, haver critério na aplicação do dispositivo ora em exame, que criou esse novo pressuposto de (in)admissibilidade do recurso de apelação.

                   Cabe mais um apontamento a respeito do tema. A concepção desse novo pressuposto tem de ser vista sob um duplo aspecto: primeiro, objetiva privilegiar a jurisprudência das cortes de superposição (o que era impositivo apenas com relação às súmulas vinculantes do STF passa a ser impositivo para as partes com relação às súmulas do STF e do STJ); segundo, visa a desafogar o trabalho dos tribunais do País, que, em tese, passam a receber um número menor de recursos de apelação.

                   Justamente para atender a esse desiderato, o legislador permitiu, a partir de 2006 (Lei nº 11.276) que o juiz reexaminasse, em cinco dias, após a apresentação das contrarrazões de apelação, os pressupostos de admissibilidade do recurso. Implica dizer, o legislador conferiu ao magistrado o poder de, após advertido pela parte recorrida, voltar atrás na decisão que admitiu o recurso para interditar a sua progressão para o segundo grau de jurisdição.

                  Na forma do disposto no art. 520, o recurso de apelação é recebido tanto no efeito devolutivo quanto no suspensivo. Há, todavia, hipóteses expressamente previstas naquele dispositivo, em que o recurso é recebido apenas no efeito devolutivo, quando interposto de sentença que: homologar a divisão ou a demarcação; II - condenar à prestação de alimentos; IV - decidir o processo cautelar; V - rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes; VI - julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem. VII – confirmar a antecipação dos efeitos da tutela.

Faltam: Agravo, embargos infringentes, embargos de declaração.

             

RECURSO EXTRAORDINÁRIO

 

 

I.            Achegas Históricas

 

 

         A história do Recurso extraordinário está umbilicalmente ligada à História da instituição da República e da Federação no Brasil. Deveras, ao copiarmos o modelo adotado pelos Estados Unidos da América do Norte (e que já havia sido também adotado pela nossa vizinha Argentina), trouxemos a idéia de uma Corte Federal, destinada à preservação da Federação e da aplicação uniforme da lei federal em todo o território nacional.

 

         Nos Estados Unidos, a competência recursal da Suprema Corte dava-se por meio da appellate jurisdicion, relativamente a certas causas que tivessem sido julgadas pelos órgãos jurisdicionais de estatura inferior no âmbito da União. No entanto, com o judiciary act de 1789, atribuiu-se-lhe competência para rever as decisões (de última instância) dos tribunais de justiça dos Estados, por meio do writ of error (que foi, após, rebatizado de appeal pelo Judiciary act de 1925), quando o tema estivesse vinculado à constitucionalidade das leis, à legitimidade das normas estaduais, aos títulos, direitos, privilégios e isenções que tivessem pertinência com a Constituição e com os tratados e leis da União. Além dessa possibilidade de revisão por meio do Writ of error, cogitava-se, também, da utilização do certiorari, sendo certo, porém, que, nessa hipótese, a Corte poderia ou não, em exercício puramente discricionário (o que não acontecia em relação ao instituto anterior). Esse último instituto acabou por prevalecer, sendo, hoje, reconhecido, o claro poder da Corte de examinar ou não, quaisquer processos em grau de apelo extremo, fulcrada no exercício do poder discricionário. 

        

         No Brasil, já com o Decreto nº 510, de 22.06.1890, ainda sem o nome de recurso extraordinário, verifica-se a inserção desse recurso no ordenamento jurídico brasileiro (artigo 58, § 1º). Na mesma esteira, o Decreto nº 848, de 11.10.1890, que organizou a justiça federal brasileira, o adotou no artigo 9º, parágrafo único[1].

 

         A primeira Constituição da República, de 24.02.1891, dispunha, no seu artigo 59:

Artigo 59. Ao Supremo Tribunal Federal compete:

1. (omissis)

2. Julgar, em gráo de recurso, as questões resolvidas pelos juizes e Tribunaes Federaes, assim como as de que tratam o presente artigo, § 1º, e o artigo 60.

....

§ 1º Das sentenças das justiças dos Estados em ultima instancia haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal:

a) quando se questionar sobre a validade ou a applicação de tratados e leis federaes, e a decisão do tribunal do Estado for contra ella;

b) quando se contestar a validade de leis ou de actos dos governos dos Estados em face da Constituição ou das leis federaes, e a decisão do tribunal do Estado considerar validos esses actos, ou essas leis impugnadas.[2] [3]

 

                  Observam-se, aí, hipóteses que coincidem com o tema dos recursos extraordinários, quando se tratasse de decisão da justiça dos Estados (as decisões da justiça federal eram julgadas em grau de recurso ordinário), ainda sem a denominação, que somente vai ser adotada, em primeiro lugar, com edição do primeiro regimento interno do Supremo Tribunal Federal, de 26 de fevereiro de 1891. Em termos de legislação ordinária, essa denominação aparece no artigo 24 da Lei nº 221, de 1894, e, a partir daí, pode-se considerar que foi consagrada. 

 

         Em sede constitucional, a denominação aparece na Constituição de 1934, que trocou a denominação do STF para Corte Suprema, e dispôs, no artigo 76:

        

Artigo 76. Á Corte Suprema Compete:

         ....

2. Julgar:

....

III. Em recurso extraordinario, as causas decididas pelas justiças locaes em unica ou ultima instancia:

a) quando a decisão for contra literal disposição de tratado ou lei federal, sobre cuja aplicabilidade se haja questionado;

b) quando se questionar sobre a vigência ou a validade de lei federal em face da Constituição, e a decisão do tribunal local negar applicação á lei impugnada;

c) quando se contestar a validade de lei ou acto dos governos locaes em face da Constituição, ou de lei federal, e a decisão do tribunal local julgar valido o acto ou a lei impugnado;

d) quando occorrer diversidade de interpretação definitiva de lei federal entre Côrtes de Appellação de Estados diferentes, inclusive do Districto Federal ou dos Territórios, ou entre um destes tribunaes e a Côrte Suprema, ou outro tribunal federal.

 

                  A Constituição de 1937 retornou à antiga denominação (Supremo Tribunal Federal) e dispôs no artigo 101:

 

Artigo 101. Ao Supremo Tribunal Federal compete:

 

 III — julgar, em recurso extraordinário as causas decididas pelas justiças locais em única ou última instância:

a) quando a decisão for contra a letra de tratado ou lei federal, sobre cuja aplicação se haja questionado;

b) quando se questionar sobre a vigência ou validade de lei federal em face da Constituição e a decisão do tribunal local negar aplicação à lei impugnada;

c) quando se contestar a validade de lei ou ato dos governos locais em face da Constituição ou de lei federal, e a decisão do tribunal local julgar válida a lei ou o ato impugnado;

d) quando decisões definitivas dos Tribunais de Apelação de Estado diferentes, inclusive do Distrito Federal ou dos Territórios, ou decisões definitivas de um dêstes Tribunais e do Supremo Tribunal Federal derem à mesma lei federal inteligência diversa.

 

         A Constituição de 1946 inovou (sem que isso tenha tido repercussão na jurisprudência pátria como se verá no momento oportuno), ao dispor, no artigo 101, de forma apenas parcialmente semelhante:

 

Artigo 101. Ao Supremo Tribunal Federal compete:

....

III — jogar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais ou juízes:

a) quando a decisão for contrária a dispositivo desta Constituição a letra de tratado ou lei federal;

b) quando se questionar sobre a validade de lei federal em face desta Constituição, e a decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada;

c) quando se contestar a validade de lei ou ato de governo local em face desta Constituição ou de lei federal, e a decisão recorrida julgar válida a lei ou o ato;

d) quando na decisão recorrida a interpretação da lei federal invocada fôr diversa da que lhe haja dado qualquer dos outros tribunais ou o próprio Supremo Tribunal Federal.

        

        

         A Constituição de 1967 dispôs:

Art 114 - Compete ao Supremo Tribunal Federal:

....       

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas, em única ou última instância, por outros Tribunais, quando a decisão recorrida:

 a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência a tratado ou lei federal;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato do Governo local, contestado em face da Constituição ou de lei federal;

d) dar à lei federal interpretação divergente da que lhe haja dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal.

 

        

         A Emenda Constitucional nº 1 de 1969 não inovou na matéria, dispondo, no artigo 119:

 

Artigo 119. Compete ao Supremo Tribunal Federal:

.......

 

 III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais, quando a decisão recorrida:

 a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência de tratado ou lei federal;

 b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

 c) julgar válida lei ou ato do govêrno local contestado em face da Constituição ou de lei federal; ou

 d) der à lei federal interpretação divergente da que lhe tenha dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal.

 

 

         Finalmente, a Constituição de 1988, já com a redação da Emenda Constitucional nº 45, estabeleceu:

 

Artigo 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

..........

 

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

 

 

                  É esse o regramento constitucional positivo que informa o exame que passa a ser feito sobre o recurso extraordinário.

 

II. A natureza do recurso extraordinário

 

                  Como resulta do rápido apanhado histórico que se fez, o nosso recurso extraordinário tem origem no writ of error e no certiorari norte-americanos, e tem como objetivo a preservação da supremacia da constituição e da unidade da federação. Costuma-se dizer, nesse sentido, que o recurso extraordinário não é um recurso com função precípua de realização da justiça. É claro, o cidadão, quando avia o seu recurso extraordinário, normalmente não se preocupa com as mazelas que uma lesão pode causar à Carta Política. O seu objetivo mais imediato e a suposta reparação de um direito subjetivo eventualmente desrespeitado. Para o Estado, entretanto, o que está em jogo são outros valores objetivamente considerados, de natureza constitucional e que visam à própria preservação do Estado e da estrutura para ele preconizada pelo poder constituinte.

 

                   Bem examinado, o recurso extraordinário prestava-se a funcionar como último elo da cadeia de controle de constitucionalidade por via incidental, isto é, da técnica de controle em que o bem da vida perseguido pelas partes tinha como pressuposto o reconhecimento (incidenter tantum) de que determinada norma legal era compatível ou incompatível com o texto constitucional que estivesse vigendo. A decisão proferida no recurso extraordinário, entretanto, somente fazia coisa julgada em relação às partes.

 

                   Como, todavia, o raciocínio disseminado no seio da advocacia (e da sociedade leiga) não percebia as qualidades e especificidades do recurso extraordinário, rapidamente passou-se a acreditar que ele constituiria uma espécie de terceiro grau de jurisdição a que todos deveriam ter acesso, máxime porque, diversamente do que acontecera no direito norte-americano — que se baseara também no certiorari, por meio do qual era pacificamente admitido o poder discricionário da Suprema Corte para deliberar se iria ou não examinar determinado pedido de revisão —, no direito brasileiro, o entendimento era o de que havia um direito absoluto ao recurso, desde que atendidos os pressupostos previstos nas diversas constituições republicanas. 

 

                   É certo que as três primeiras constituições republicanas deixavam bastante evidenciado que seria necessário, para que o cidadão tivesse acesso ao Supremo Tribunal Federal, que a matéria teria pertinência com a letra de tratado ou lei federal sobre cuja aplicação se houvesse questionado.

 

                   Passou-se a ter como certo que, além dos pressupostos e requisitos genéricos, i.e., comuns a todos os recursos, o extraordinário, até por inserir-se na categoria dos recursos de fundamentação vinculada, teria pressupostos específicos, dentre os quais avultava o do questionamento (após, prequestionamento), na instância da qual se recorria, da aplicabilidade do tratado ou lei federal. Mais: considerava-se ocorrido o prequestionamento quando tivesse havido debate sobre o tema no âmbito do colégio julgador. Não bastava que a matéria tivesse sido simplesmente apontada no recurso de apelação pela parte interessada. Era necessário que sobre ela o tribunal se houvesse pronunciado.

 

                   Ocorre que essa exigência deixou de ter assento constitucional desde a Constituição de 1946. Dizendo de outra forma, a partir de 1946 não seria mais possível ao Supremo Tribunal Federal exigir o requisito do prequestionamento. Parcela da doutrina tenta sustentar que o requisito do prequestionamento está mantido por força da expressão “causas decididas” que consta no inciso III do artigo 102. O argumento vale zero. A uma porque de causas decididas não se pode, nem por larga concessão hermenêutica inferir a necessidade do prequestionamento. Causas decididas quer dizer causas em que houve deliberação judicial. A duas porque as constituições de 1934 e 1937 possuíam nos incisos III dos arts. 76 e 101, respectivamente, a mesma expressão “causas decididas”, mas, nas alíneas “a” havia a exigência de que tivesse havido questionamento sobre a matéria federal. Dizendo de forma bem clara: a exigência do questionamento sempre esteve lançada na alínea “a” e não na cabeça do inciso dessas constituições.

                   Quando o legislador constituinte efetuou a modificação na redação das alíneas “a” dos textos constitucionais subsequentes (ressalvada a hipótese de cochilo do constituinte, o que não se pode presumir) fê-lo porque entendeu necessário mudar o sistema. Se antes o exigia, depois deixou de fazê-lo.

 

                   Sem embargo da clara modificação constitucional, o Supremo Tribunal Federal continuou a exigir o requisito do prequestionamento, chegando a editar a súmula nº 282, dispondo que é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada. Ora, com certeza, a edição da súmula em questão, que não homenageia o direito constitucional brasileiro, ocorreu como forma de impedir que o STF sucumbisse literalmente sobre o peso dos recursos que desabariam sobre ele após a supressão da exigência constitucional do prequestionamento. Assim, a medida preconizada na súmula atende muito mais à necessidade de construção de uma jurisprudência defensiva (como tem sido apelidado esse fenômeno) do Supremo Tribunal Federal do que propriamente ao direito que passou a vigorar com a Constituição de 1946. Com ela, o STF corrigiu o fato de que nossa cultura não havia importado a discricionariedade na admissão dos recursos extraordinários (para se ter uma ideia, em apenas dois anos --2004/2005 – o Supremo Tribunal Federal recebeu em seu protocolo um número de processos superior a todos os que foram julgados pela Suprema Corte norte-americana em toda a sua história.).

 

                   Daí em diante, e sem embargo de nenhuma constituição brasileira ter repetido a exigido o prequestionamento, permaneceu inalterado o posicionamento da Corte quanto a esse requisito. É bem verdade que outros mecanismos constitucionais foram criados visando a dar ao Supremo Tribunal Federal outras formas de exercer o poder discricionário sobre a subida de recursos extraordinários de modo a permitir que o STF continuasse funcionando. Deveras, a Emenda Constitucional nº 1 de 1969 dispôs no parágrafo único do artigo 119 que as causas a que se refere o item III, alíneas “a” e “d” deste artigo serão indicadas pelo Supremo Tribunal Federal no regimento interno, que atenderá à sua natureza, espécie ou valor pecuniário. E, realmente, o Regimento Interno, desde 1970, passou a prever no artigo 308 hipóteses nas quais não se admitia o cabimento do recurso extraordinário, sempre ressalvando que essas limitações que criara não incidiriam quando se tratasse de ofensa à Constituição ou discrepância da decisão recorrida com a assim chamada jurisprudência dominante da casa. Logo após, em 1975, com a Emenda Regimental nº 3, o STF alterou o artigo 308 do seu Regimento para adotar a chamada argüição de relevância da questão federal em substituição à formula exceptiva que acaba de ser mencionada[4].

 

         A arguição de relevância passou a ser considerada como um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, sendo, nas palavras do Ministro Vitor Nunes Leal, a melhor forma de aliviar a sobrecarga de trabalho em que se encontrava o STF[5]. Percebe-se que a arguição era uma tentativa de aproximar o Recurso Extraordinário de seu símile norte-americano, dando-lhe dignidade e estatura de sorte que o STF pudesse preocupar-se somente com aquelas questões que considerasse realmente importantes ou significativas para justificar uma revisão.

                           

         Procedimentalmente, a arguição era ofertada na própria petição de recurso extraordinário, em capítulo destacado daquele em que se apresentavam as razões do recurso propriamente dito e nelas a parte buscava superar os óbices regimentais, expondo as razões por que entendia que naquele específico caso estariam presentes elementos de natureza jurídica, social, etc., que extrapassariam os lindes da causa, a sugerir a necessidade de deliberação da Corte maior.

 

                   Ocioso lembrar que o instituto foi objeto de críticas porque a relevância, tal como concebida, de forma discricionária, poderia conduzir ao arbítrio por parte dos Juízes da Corte, ou no sentido de que a relevância é um dado axiológico que deve ser ponderado pelo legislador ao momento da edição da norma jurídica primária e não pelo julgador, ao momento de sua aplicação. Ora, a idéia da discricionariedade em relação à admissão do RE é justamente fundada no fato de que um cidadão tem direito a um duplo grau de jurisdição, não mais do que isso. Não há um terceiro ou quarto grau de jurisdição. Ao depois, dizer que ponderações axiológicas são prerrogativa do legislador e não do aplicador da lei é afirmação destituída de qualquer fundamento lógico. Ao contrário, não se pode conceber a adequada aplicação da norma jurídica sem considerar a sua dimensão axiológica.

 

                   Vale lembrar que, não obstante a defesa que fazemos da arguição de relevância, o fato é que, talvez por se tratar de instituto nascido na época da ditadura militar, a Constituição de 1988 não acolheu esse requisito de admissibilidade, com o que o Supremo Tribunal deixou de contar com o filtro de que dispunha para selecionar as demandas a examinar, o que teve como consectário natural o aumento da carga de recursos extraordinários em condições de ir a julgamento (independentemente de o STF continuar utilizando aquele malsinado critério do prequestionamento.)

 

              Nem por outro motivo, a Emenda Constitucional nº 45 reinseriu na Carta Política outra e necessária forma de filtro, por meio do qual o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

              Semelhantemente à arguição de relevância, a repercussão geral é um pressuposto específico de admissibilidade do Recurso extraordinário, cujo exame compete exclusivamente ao STF, diferentemente do que acontece com os demais pressupostos de admissibilidade, que podem ser valorados pelo presidente ou vice-presidente do tribunal a quo. Certamente que a doutrina será capaz de encontrar formas distintivas entre um instituto e outro (um é includente; outro, excludente. Um tem presumida a existência; outro, a inexistência, etc.), mas, na essência, são a mesma coisa. As diferenças são mais pertinentes ao procedimento da repercussão geral, que será examinado mais à frente.

              Adicione-se a isso o instituto da súmula vinculante -- recém-inserido no ordenamento constitucional brasileiro --, que tem conexão com a atividade do STF relativa ao julgamento dos recursos extraordinários e se terá uma nova configuração do recurso extraordinário: cada vez mais o RE deixa de ser o último elo na cadeia do controle de constitucionalidade incidental para se tornar mais um instrumento de controle in abstracto de constitucionalidade naquilo que já vem sendo chamado, não sem razão, de objetivação do recurso extraordinário, numa evidente alusão ao fato de que o controle abstrato de constitucionalidade se faz por meio de processos objetivos, não de partes.

 

Hipóteses de cabimento

                   Com o advento da Constituição de 1988, houve o desdobramento do recurso extraordinário em recurso extraordinário e recurso especial, numa espécie (que não chega a ser inusitada) de divisão de competência funcional, em que dois órgãos da jurisdição são chamados a examinar diferentes matérias num mesmo processo. Ao STF coube o exame da matéria de natureza constitucional. Ao então criado Superior Tribunal de Justiça coube a última palavra sobre juízos de legalidade e sobre a uniformização do entendimento sobre o direito federal.

                  Volta-se à redação do artigo 102, III, da Constituição em vigor, agora para exame das hipóteses em que cabe o recurso extraordinário:

Artigo 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

..........

 

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

 

                   A alínea “a” como todas as outras, somente pode ser interpretada em perfeita harmonia com a cabeça do inciso III. Para caber recurso extraordinário é necessário que se trate de decisão de única ou última instância, isto é, no sentido de que tenha sido esgotada a instância ordinária, i.e., no sentido de que não caiba mais nenhum outro recurso. Somente porque esgotada a instância ordinária e que pode ser aberto o acesso à extraordinária. Vale o registro de que, diferentemente do que acontece em relação ao recurso especial, que somente é cabível de decisões de tribunais de justiça e de tribunais regionais federais (órgãos do segundo grau de jurisdição), é possível que seja aberta a via do extraordinário diretamente a partir do primeiro grau de jurisdição. Dizendo de outra forma, é cabível recurso extraordinário contra decisão de juiz de primeiro grau, bastando, para isso, que não haja previsão de recurso para o segundo grau, de que são exemplos a sentença de que cogita o artigo 34 da Lei nº 6.830, de 1980, que trata do executivo fiscal, e as decisões proferidas nos juizados especiais examinadas pelas turmas recursais, que não são órgãos de segundo grau de jurisdição.

                   Assim, para efeito da redação do inciso III, causas decididas em única ou última instância são causas a cujo respeito não se pode mais falar em recorribilidade ordinária. Não por outro motivo, essa matéria foi objeto da Súmula nº 281 do STF, que dispõe que é inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada.

 

                   A abertura da vereda extraordinária supõe, pois, a estabilização da moldura fática do processo, a respeito da qual não se permitirá revolvimento. Tem sido dito em doutrina que o STF não examina matéria de fato, no julgamento de RE, mas apenas e tão-somente matéria de direito. É difícil fazer esse discrímen entre questão de fato e questão de direito principalmente para os que se filiam ao entendimento de que o Direito é, a um só tempo, fato-norma-valor, como preconizado pela teoria tridimensional do Direito. O que talvez se queira dizer é que no STF não se reexaminam provas, matéria afeta exclusivamente à instância ordinária.

 

                   Não cabem no conceito de causa, para fins de abertura da via excepcional, atividades praticadas nas instâncias ordinárias que não sejam de natureza jurisdicional, tais assim os processos meramente administrativos, como, v.g., os processamentos de precatórios em decorrência de execuções contra a fazenda pública, ou as decisões que julgam procedentes pedidos de intervenção federal.

 

                   Vale o registro lateral de que, desde 2001, com o advento da Lei nº 10.532, se o acórdão ordinário contiver parte unânime e parte não-unânime, o recurso extraordinário ou especial somente será possível após o processamento e julgamento dos embargos infringentes, ou quando houver transitado em julgado a parte não-unânime do acórdão, conforme agora dispõe o artigo 498, e seu parágrafo único, do Código de Processo Civil.

Cabimento do recurso extraordinário pela alínea “a”

                   Para que caiba o recurso pela alínea “a” é necessário que o acórdão recorrido tenha, ao menos, interpretado o dispositivo constitucional de forma equivocada, aplicando-o de forma inexata. É que contrariar significa uma forma de ofensa à Constituição, aplicando o fragmento constitucional a uma hipótese em que ela não poderia incidir ou deixando de aplicá-lo a uma situação em que ele deveria ter incidido, ou, ainda, aplicando-o a uma hipótese em que realmente deveria incidir, mas o fazendo de forma inadequada, por força de interpretação errônea, retirando dele conclusões que seriam inextraíveis.

                   Durante muito tempo, o STF teve dificuldades em separar, com relação à alínea “a”, o juízo de admissibilidade do juízo de mérito. O STF ou (i) não conhecia o recurso, ou; (ii) dele conhecida e lhe dava provimento. Não era capaz a Corte de conhecer de um recurso pela aliena “a”, mas negar-lhe provimento. Isso, por certo, tinha efeitos práticos de enorme repercussão, sobretudo no âmbito das ações rescisórias. Somente a partir de agosto de 2003, o STF modificou o posicionamento e passou a distinguir o juízo de admissibilidade do recurso — para o qual é suficiente que o recorrente alegue adequadamente a contrariedade pelo acórdão recorrido de dispositivos da Constituição nele prequestionados — e juízo de mérito, que envolve a verificação de compatibilidade ou não entre a decisão recorrida e a Constituição (STF-Pleno: RF- 370/280). Com o novo posicionamento, todas as alíneas do inciso III passam a ter o mesmo conteúdo axiológico.

                   Cabe o registro de que a expressão “contrariar dispositivo desta constituição”, supõe que a contrariedade seja frontal e direta. Não se admite a contrariedade por via reflexa, assim considerada aquela que envolve, para sua demonstração, a interposição de algum raciocínio fulcrado em lei infraconstitucional.

 

Cabimento do recurso extraordinário pela alínea b

 

                   No que concerne à alínea “b”, a Constituição dispõe que cabe recurso extraordinário da decisão de última ou única instância que declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal.  Importante destacar, a esse respeito, que, em homenagem ao disposto no artigo 97 do Texto constitucional, somente por maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público.

                   Existe aí uma espécie de divisão de competência funcional. Deveras, um recurso de apelação é julgado numa turma ou câmara, pelo voto de três desembargadores. Se estes, no julgamento da apelação, acolherem a arguição de inconstitucionalidade feita de maneira incidente, lavram o acórdão e determinam a remessa da questão ao tribunal pleno ou ao órgão especial. Este delibera exclusivamente sobre a (in)constitucionalidade e determina o retorno dos autos ao órgão fracionário para que prossiga no julgamento do recurso de apelação. É importante deixar claro que a decisão que enseja o recurso extraordinário não é a do tribunal pleno ou do órgão especial que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas sim aquela, da turma, que completa, que conclui o julgamento do feito (a teor do disposto na súmula nº 513 do STF).

                   Convém aduzir, quanto ao tema que, em boa hora o legislador infraconstitucional fez inserir um parágrafo único no artigo 481 do Código de Processo Civil, estabelecendo que os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. É só essa, entretanto, a exceção possível. Em qualquer outra circunstância a matéria deve ser submetida ao colegiado maior. Não se admite a utilização de subterfúgios pelos órgãos da jurisdição ordinária com o objetivo de furtar-se ao cumprimento do artigo 97 do texto constitucional. Não por outro motivo, o Supremo Tribunal Federal fez editar a Súmula Vinculante nº 10, dispondo que “viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, afasta a sua incidência no todo ou em parte.”

                   Aduza-se que se o acórdão recorrido (aquele que completou o julgamento do recurso de apelação) não estiver acompanhado da decisão proferida pelo plenário ou pela corte especial, será de todo conveniente a oposição de embargos de declaração para que, suprida a omissão, possa ser levada ao conhecimento da Corte Maior a argumentação desenvolvida pelo tribunal recorrido quando do julgamento do incidente de inconstitucionalidade.  

Cabimento do recurso extraordinário pelas alíneas “c” e “d”

                   Quanto ao cabimento pela aliena “c”, a Constituição dispõe que será possível a interposição de recurso extraordinário sempre que a decisão proferida pelo Tribunal a quo “julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta constituição.”   

                   Na Constituição de 1969 essa previsão constava no artigo 119, III, c, com redação algo diversa, dado que o recurso cabia contra decisão que julgasse “válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição ou de lei federal.”

                   Com a criação do STJ houve uma cisão dessa hipótese, sendo remetida a competência do exame da validade de lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal para aquele novo Tribunal. Permaneceu com o STF apenas a possível lesão perpetrada por lei ou ato de governo local constestado em face da Constituição.

                   Posteriormente percebeu-se que uma das hipóteses remetidas ao STJ implicava, na generalidade dos casos, a existência de questão constitucional, razão por que a Emenda Constitucional nº 45 fez incluir a alínea “d” no inciso III do artigo 102 (julgar válida lei local contestada em face de lei federal), justamente porque aí aparece a possibilidade de invasão de competência legiferante de uma esfera da Federação relativamente a outra esfera. Isso, em tese, constitui uma questão  constitucional a ser dirimida pelo Supremo Tribunal Federal.  

 Hipóteses de cabimento do recurso especial

                 No que concerne ao cabimento do recurso especial, convém retomar a afirmação de que este, diversamente do que ocorre como recurso extraordinário, somente pode ser tirado de decisão proferida por órgãos colegiados dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal ou dos Tribunais Regionais Federais. Não cabe, pois, nem de decisão monocrática de desembargadores desses tribunais (o interessado há sempre de provocar a prolação de um órgão colegiado), nem, muito menos, de juízes do primeiro grau de jurisdição ou de turmas recursais dos juizados especiais, que não são órgãos do segundo grau.

Cabimento pela alínea “a”

Dispõe o art. 105, III, “a”, da Constituição que cabe recurso especial das decisões dos tribunais (antes mencionados) quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal ou negar-lhes vigência. O parâmetro de aferição é sempre a lei federal (o tratado de que trata o fragmento constitucional é aquele que foi incorporado ao nosso direito interno), assim considerada aquela produzida pelo Poder Legislativo da União (Leis Complementares, Leis Ordinárias, Leis Delegadas, Decretos e Regulamentos Federais), e a medida provisória ainda que pendente de apreciação pelo Parlamento. Outros atos normativos, de natureza estadual ou municipal não ensejam a abertura da via especial. Mesmo aqueles provenientes de órgão federal, mas que não caibam em uma das espécies antes enunciadas, como as portarias, instruções, ordens de serviços, regimentos internos de tribunais, não ensejam o cabimento do recurso especial.

                 Para que seja cabível o recurso especial é necessária a demonstração, em tese, da ofensa, da contrariedade, a uma dessas espécies de norma. Contrariar, aqui, tem o mesmo sentido atribuído à alínea “a’, do inciso III, do art. 102, da Constituição. Há contrariedade       quando se aplica a norma a uma situação que escapa ao seu âmbito de vigência (material, pessoal, espacial ou temporal), ou se não a aplica a uma situação em que ele deveria incidir; ou ainda, quando se a aplica a uma situação por ela abrangida, mas daí retirando consequências não previstas e não pretendidas para a espécie.

        É bem de ver que o STJ se fez herdeiro de várias súmulas do STF (de algumas fez cópias com numeração própria), que possuem caráter didático quanto ao não-cabimento do recurso especial. Assim, por exemplo, editou a súmula nº 5, para afirmar que “A simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial”. Quer isso significar que não se trata de um novo recurso de apelação e sim de uma via de acesso à instância de superposição com o objetivo de preservar a higidez do direito federal. Sem embargo disso, o STJ tem afirmado, corretamente, que a análise jurídica da legalidade de cláusula contratual não se confunde com reexame do contrato. Este não admite a abertura da via excepcional; aquela, sim. Também a súmula nº 7 ingressa nesse mesmo espaço para afirmar que “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. A instância de superposição recebe a moldura fática tal como estabilizada no julgamento pelos tribunais ordinários e não se presta a reexaminar a prova produzida. Sem embargo disso, o STJ tem admitido distinguir reexame e revaloração da prova, o primeiro inadmitido e o segundo admitido em sede de recurso especial. Neste último caso, o que normalmente é um erro de percepção sobre algum preceito de natureza processual ou substancial que, se houvesse sido observado, ensejaria ao magistrado qualificar a mesma prova produzida para atribuir-lhe valor diverso daquele que emprestou.

Alínea b. Falta

 

Alínea c. Falta

 

Procedimento

 

                

                 Com relação ao procedimento, não há hesitações doutrinárias de monta. O simples acesso ao texto do Código de Processo Civil resolve a generalidade das questões. Reproduzem-se, a seguir, os dispositivos reitores da matéria, com breves comentários:

Art. 541. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas, que conterão:

I - a exposição do fato e do direito;

Il - a demonstração do cabimento do recurso interposto;

III - as razões do pedido de reforma da decisão recorrida.

 Parágrafo único.  Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que tiver sido publicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de julgado disponível na Internet, com indicação da respectiva fonte, mencionando, em qualquer caso, as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.

 

                   Cabe, aqui, a anotação de que o recurso extraordinário e o recurso especial são recursos formais, que hão de atender aos requisitos a eles impostos pela Constituição e pela lei processual. Além das normas primárias, há ainda um verdadeiro rosário de súmulas vinculantes e persuasórias, no âmbito do STF e do STJ, que devem ser levadas em consideração ao momento da interposição do recurso (ao final do texto há um apêndice com as principais súmulas aplicáveis à matéria).

 

                  Se for o caso de interposição de recurso extraordinário e especial, é necessário que se valha o recorrente de duas petições distintas, uma para cada recurso. Se assim, não proceder, a conclusão pode ser a de que ambos não atendem ao requisito da regularidade formal, o que gerará sua inadmissibilidade. Há, registre-se, solução menos radical, admitindo o conhecimento de recurso especial tirado na mesma peça do extraordinário.

 

                   Dentro do tema, convém recordar que algumas vezes é impositiva a interposição de ambos os recursos, não cabendo escolha ao recorrente. Deveras, há ocasiões em que o acórdão a ser recorrido contém fundamentos de natureza legal e de natureza constitucional, cada um dos quais apto, por si só, a sustentar as conclusões do Tribunal ordinário. Nessas circunstâncias, o recorrente deve dar notícia de que está a aviar ambas as interposições, sob pena de ver os recursos não admitidos, sob o argumento da falta de interesse de recorrer, como, aliás, está expressamente previsto na Súmula nº 126.

 

                   Questão interessante que pode ser colocada a esse respeito decorre da Emenda Constitucional nº 45 que, como já sabido, criou o requisito da repercussão geral para fins de admissibilidade do Recurso Extraordinário. Não admitida a existência da repercussão geral, o recurso extraordinário não será conhecido, independentemente de a questão meritória poder indicar verdadeira violação constitucional (nem se chega a esse exame). A questão que se coloca é que, assim, em primeira análise, ou bem se impõe à parte o dever de interpor o RE mesmo com a consciência de que o recurso não será conhecido (dado que a decisão de não-conhecimento do RE é estendida a todos os outros recursos que tratem da mesma matéria) ou se está a estender, por enquanto de forma indevida, o instituto da repercussão geral também para o recurso especial, porquanto esse também não será conhecido, por força da aplicação da súmula 126, de a parte não interpuser o inviável RE.

 

                   É importante destacar, também, a necessidade da inteireza do texto recursal no sentido de que o relator, na instância de superposição, deve ter condições de compreender a controvérsia constitucional ou legal sem necessidade de recorrer a qualquer outra peça dos autos (ele não fará a você o favor de compulsar outras peças dos autos antes de exercer um juízo positivo de admissibilidade).

 

                   Deve-se, por isso, abrir uma epígrafe, talvez com a sugestiva expressão “para compreender a controvérsia” em que o recorrente possa estabelecer a verdade dos fatos, tal qual admitida nas instâncias ordinárias e, com base nessa moldura, demonstrar em que consiste a lesão constitucional ou legal, ou o dissenso jurisprudencial.

 

                   A propósito desse último aspecto, e se essa for a hipótese de cabimento sustentada pelo recorrente, é igualmente fundamental que seja aberta outra epígrafe nas razões de recurso, que pode ser nominada cotejo analítico, em que deve ser demonstrada a similitude das molduras fáticas (acórdão paradigma acórdão recorrido) e a dessemelhança das teses jurídicas adotadas em ambos os casos. Não basta, advirta-se, reproduzir as respectivas ementas; é necessário que sejam reproduzidos trechos do voto paradigma e do recorrido que sejam aptos à demonstração da indicada similitude.

 

                   Desnecessário dizer que o recorrente, nessa hipótese, deverá trazer aos autos o acórdão divergente, e dele dar conhecimento ao tribunal por uma das formas admitidas no parágrafo único do art. 541, do CPC. E art. 255 do Regimento Interno do STJ.




Art. 542. Recebida a petição pela secretaria do tribunal, será intimado o recorrido, abrindo-se-lhe vista, para apresentar contrarrazões.

§ 1o Findo esse prazo, serão os autos conclusos para admissão ou não do recurso, no prazo de 15 (quinze) dias, em decisão fundamentada.

§ 2o Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo.

§ 3o    O recurso extraordinário, ou o recurso especial, quando interpostos contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução ficará retido nos autos e somente será processado se o reiterar a parte, no prazo para a interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contrarrazões.

 

 

                  O procedimento foi simplificado em relação à redação original do Código de 1973. A petição de recurso, agora, já cuida do cabimento e das razões de recurso. Da mesma forma, as contrarrazões atacam, de uma só vez, o cabimento e as razões do mérito recursal. Processado, com as contrarrazões eventualmente ofertadas, o recurso é encaminhado ao presidente ou vice-presidente do tribunal ordinário para que exerça o primeiro juízo de admissibilidade, com o exame dos pressupostos gerais e específicos do recurso, com a advertência de que, relativamente ao pressuposto da repercussão geral, o desembargador examina apenas do ponto de vista formal se o requerente apresentou a correspondente arguição. Fica-lhe interditada, entretanto, qualquer avaliação sobre se realmente ocorre ou não a repercussão geral, matéria afeta exclusivamente ao crivo do STF.

 

                   Embora a legislação brasileira esclareça que os recursos extraordinário e especial possuem apenas efeito devolutivo, não têm sido poucas as investidas práticas no sentido da consecução do efeito suspensivo, muitas dessas revestidas de êxito. Deveras, durante largo período da história recente do STF e do STJ, era usual a concessão de efeito suspensivo aos recursos extraordinário e especial por parte dessas cortes, já em decorrência da formulação de pedidos específicos, já em decorrência de ações cautelares com essa finalidade. Provavelmente em decorrência de excessos cometidos na busca desse efeito, os tribunais superiores ficaram infestados de pedidos com essa finalidade o que acabou gerando a edição das súmulas 634 e 635 do STF, vedando a postulação de providências desse jaez no âmbito do STF e remetendo a apreciação de pedidos dessa natureza aos tribunais ordinários, ao arrepio, diga-se de passagem, da norma contida no art. 800, parágrafo único, que dispõe sobre a imediata transferência para o tribunal recorrida, da competência para apreciar pedido de liminar, uma vez interposto o recurso. É certo que, aqui, o argumento do STF, ao editar as súmulas restritivas, há de fundar-se no fato de que a sua competência é inextensível por meio de lei ordinária.

 

                   O parágrafo terceiro do art. 542 criou uma modalidade de recurso extraordinário e especial retido nos autos, quando interpostos contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução. A criação deve-se à necessidade de racionalizar o trabalho processual nas cortes superiores. Em vez de, no curso do processo nas instâncias ordinárias, conferir trânsito para as extraordinárias com vistas ao exame de uma decisão interlocutória por alegada violação legal ou constitucional, determina que ele permaneça nos autos para ser julgado somente quando do julgamento do recurso excepcional tirado da última decisão proferida no tribunal ordinário, isso se a parte interessada reiterar a pretensão recursal até o momento não apreciada, ou em razões de recurso, ou em contrarrazões .

 

 

Art. 543. Admitidos ambos os recursos, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça.

§ 1o Concluído o julgamento do recurso especial, serão os autos remetidos ao Supremo Tribunal Federal, para apreciação do recurso extraordinário, se este não estiver prejudicado.

§ 2o Na hipótese de o relator do recurso especial considerar que o recurso extraordinário é prejudicial àquele, em decisão irrecorrível sobrestará o seu julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal, para o julgamento do recurso extraordinário.

§ 3o No caso do parágrafo anterior, se o relator do recurso extraordinário, em decisão irrecorrível, não o considerar prejudicial, devolverá os autos ao Superior Tribunal de Justiça, para o julgamento do recurso especial.  

Art. 543-A.  O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.

§ 1o  Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

§ 2o  O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.

§ 3o  Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.

§ 4o  Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.

§ 5o  Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

§ 6o  O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

§ 7o  A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.

Art. 543-B.  Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.

§ 1o  Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.

§ 2o  Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.

§ 3o  Julgado o mérito  do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.

§ 4o  Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.

§ 5o  O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.

 

 

 

O Agravo do art. 544 do CPC

 

 

                  Às vezes, o mais simples é o mais adequado e o mais completo. Sob qualquer critério, aquele produto seria o melhor no confronto com outros do mesmo gênero. A mensagem, sem rebuscamentos, era clara, sedutora e atendia perfeitamente aos propósitos a que se destinava. Assim também acontece com a nova Lei nº 12.322, de setembro de 2010, que entrou em vigor em dezembro do mesmo ano.

 

                  Propôs-se, o legislador pátrio, a alterar substancialmente a sistemática do artigo 544 do Código de Processo Civil. Para isso, em lugar da interposição do agravo de instrumento para desobstruir as vias de acesso do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário até o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, que tenham sido eventualmente vedadas por decisão do presidente ou vice-presidente de um Tribunal qualquer, instituiu a possibilidade de essa desobstrução ser alcançada por meio de um agravo tirado “nos próprios autos”.

 

Das reiteradas alterações por que passou o art. 544

 

                  Para os que acompanham há mais tempo as alterações legislativas por que passou o art. 544 ao longo dos anos, fica claro que aquele agravo de instrumento vinha sendo utilizado pelas cortes de superposição cada vez mais como forma de impedir o acesso do jurisdicionado à instância excepcional. Explico: a redação original do art. 544 previa uns poucos documentos obrigatórios necessários à formação do agravo de instrumento, com o que o jurisdicionado tinha robustas razões para crer que, se as razões de mérito do recurso fossem bastantes, não seria o recorrente vítima de armadilhas formais.

 

         Deveras, quando ainda não havia nem STJ, nem Recurso Especial, a versão original do CPC previa apenas no parágrafo único do art. 544 o seguinte:


Parágrafo único. O agravo de instrumento será instruído com as peças que forem indicadas pelo agravante, dele constando, obrigatoriamente, o despacho denegatório, a certidão de sua publicação, o acórdão recorrido e a petição de interposição do recurso extraordinário.

 

                  Posteriormente, a Lei nº 8.950, do primeiro grande pacote de reformas do CPC, convolou o parágrafo único em § 1º, dando-lhe a seguinte redação:

 

§ 1º O agravo de instrumento será instruído com as peças apresentadas pelas partes, devendo constar, obrigatoriamente, sob pena de não conhecimento, cópia do acórdão recorrido, da petição de interposição do recurso denegado, das contra-razões, da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado.

 

                  Mais recentemente, a Lei nº 10.352, de 2001, estatuiu, verbis:  

          

§ 1o O agravo de instrumento será instruído com as peças apresentadas pelas partes, devendo constar obrigatoriamente, sob pena de não conhecimento, cópias do acórdão recorrido, da certidão da respectiva intimação, da petição de interposição do recurso denegado, das contra-razões, da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado. As cópias das peças do processo poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal.

 

                  Da comparação desses fragmentos, percebe-se que, primeiramente, eram quatro as peças obrigatórias. Após, seis conjuntos de documentos, tendo sido acrescentadas, na segunda versão, a cópia das contrarrazões e a cópia das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado. A partir de 2001, foi acrescentado mais um: a cópia da certidão da intimação do acórdão recorrido.

 

                  Aos que não têm lembrança desse tempo, cabe dizer que todas essas alterações legislativas não foram iniciativa pura e simples do legislador. Ao revés, o acrescentamento dessas peças sempre se fez por meio de construção da jurisprudência: STJ e STF passavam, de determinado momento em diante, a considerar tais ou quais peças obrigatórias; o legislador acolhia aquele posicionamento e o positivava no Código de Processo Civil.

 

 

A jurisprudência defensiva influenciando o legislador

 

                  Ocioso dizer que o crescente aumento das exigências de peças supostamente obrigatórias para o aviamento do agravo de instrumento tendente a conferir trânsito a Recurso Especial e Recurso Extraordinário fazia parte do esforço de construção das instâncias excepcionais para desestimular, por todas as formas, o aviamento desses recursos e, no limite, a sua apreciação nas instâncias de superposição, no que acabou ficando conhecido como jurisprudência defensiva.

 

                  De mesma natureza (jurisprudência defensiva) é o famoso prequestionamento que, sem embargo de historicamente não constar em nossos textos constitucionais desde a Constituição de 1946, ainda continua a ser exigido como fundamental à apreciação do cabimento dos recursos excepcionais.

 

                  Se o agir por via da chamada jurisprudência defensiva soa legítimo, do ponto de vista humano, dado o assombroso número de processos que desabavam diariamente sobre os ombros dos Ministros das duas Cortes, o certo é que essas exigências não pareciam (nem parecem) ajustar-se ao contido no ordenamento positivo brasileiro.

 

                  Talvez por isso, e agora corretamente, o esforço do constituinte derivado (Emenda Constitucional nº 45) e do legislador infraconstitucional (art. 543-C) tenha sido no sentido de tentar dotar o Direito brasileiro de mecanismos legítimos, visando a atribuir um pouco de ordem e eficácia ao sistema recursal excepcional, limitando a revisibilidade, uma a uma, das irresignações levadas a essas duas casas maiores.

 

         Se as medidas preconizadas conseguirem o efeito desejado, de redução drástica do número de recursos interpostos e examinados, então, não será mais necessário o culto da jurisprudência defensiva, nem da invenção de novas técnicas de indeferimento de agravos de instrumento (v.g, o carimbo do protocolo está ilegível na cópia trazida ao Tribunal e nenhuma certidão do órgão da justiça ordinária pode substituir o carimbo; o pagamento do preparo foi realizado via internet e o comprovante do pagamento “pode” ser falso, etc.).

 

         Há, exatamente em decorrência disso, amplo espaço para a edição e adequada aplicação da Lei nº 12.322, de 2010, que “transforma o agravo de instrumento interposto contra decisão que não admite recurso extraordinário ou especial em agravo nos próprios autos”, pondo por terra toda uma gama de precedentes defensivos. Deveras, como o agravo, agora, é interposto nos próprios autos do processo, não há mais possibilidade teórica de ser indicada como razão da inadmissibilidade do recurso a ausência de algum documento tido por indispensável à formação do agravo.

 

                  É bem verdade, entretanto, que a mente humana é muito mais imaginativa do que a lei e nada impede um Ministro da Corte, dotado de certa criatividade, de inventar outras técnicas defensivas, visando a não conferir admissibilidade ao recurso de agravo interposto nos próprios autos.

 

                  Ainda recentemente, quase imediatamente após a entrada em vigor da lei em comento, num dos primeiros agravos que teve sua admissibilidade examinada no STJ, certo Ministro saiu-se com esta:

 

O protocolo de interposição do recurso especial está ilegível (fl. 48), sendo, portanto, imprestável para aferir sua tempestividade.

Nego, por isso, seguimento ao agravo.

 

                  Como é possível? Simples: mesmo ocorrendo o aviamento do agravo nos próprios autos, dois procedimentos têm sido adotados: (i) o STJ determina, sponte sua, e por meio de seus próprios funcionários, a digitalização dos recursos que chegam à Corte, com a devolução dos autos ao tribunal de origem; ou (ii) o próprio tribunal recorrido digitaliza integralmente os autos e remete por meio eletrônico para o STJ.

                              

                  Nas duas hipóteses, o recorrente não possui nenhuma forma de controlar o procedimento de digitalização (nem tem como fazê-lo).  A perpetuar-se o absurdo, ficará o jurisdicionado sem armas para lutar contra essa nova e perversa forma de jurisprudência defensiva, que condena o requerente a residir no sol.

 

                  Sem embargo disso, é certo que será necessária muita criatividade para ressuscitar todas as técnicas defensivas das instâncias de superposição. Enquanto elas não vêm, convém saudar e aplicar a nova lei.

 

Da nova regência legal e seus desdobramentos

 

                  O Texto da Lei nº 12.322, de 2010, na parte pertinente aos recursos excepcionais, tem este teor:

Art. 544. Não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo nos próprios autos, no prazo de 10 (dez) dias.

§ 1o  O agravante deverá interpor um agravo para cada recurso não admitido.

[foi mantida a anterior redação do § 2º]. 

§ 3o  O agravado será intimado, de imediato, para no prazo de 10 (dez) dias oferecer resposta. Em seguida, os autos serão remetidos à superior instância, observando-se o disposto no art. 543 deste Código e, no que couber, na Lei no 11.672, de 8 de maio de 2008. 

§ 4o  No Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, o julgamento do agravo obedecerá ao disposto no respectivo regimento interno, podendo o relator: 

I - não conhecer do agravo manifestamente inadmissível ou que não tenha atacado especificamente os fundamentos da decisão agravada; 

II - conhecer do agravo para: 

a) negar-lhe provimento, se correta a decisão que não admitiu o recurso; 

b) negar seguimento ao recurso manifestamente inadmissível, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal; 

c) dar provimento ao recurso, se o acórdão recorrido estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal. (NR) 

Art. 545.  Da decisão do relator que não conhecer do agravo, negar-lhe provimento ou decidir, desde logo, o recurso não admitido na origem, caberá agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, ao órgão competente, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 557. (NR) 

                  Presente o texto da lei, a primeira observação a ser feita é a de que o novo agravo, nos próprios autos, é fruto da transformação do agravo de instrumento (assim diz a ementa). Vale o registro de que os advogados, na elaboração do recurso, não precisam nem devem nominá-lo como “agravo nos próprios autos”, basta que escrevam agravo. O complemento “nos próprios autos” tem pertinência com a forma ou com o locus da interposição, mas não com a denominação do recurso.

 

                  Com isso, já é possível deduzir que me incluo entre aqueles que abominam a expressão agravo inominado. Havendo sido dito que é agravo, então já se trata de recurso nominado, recurso de agravo! Agravo inominado é uma contradição essencial. A maneira, a forma como se processa o recurso, mero adjunto, não faz parte da nominação.

 

                  Não por outro motivo, o legislador somente utilizou a expressão “nos próprios autos”, no caput do art. 544, para contrapor ao que acontecia até o momento anterior à entrada em vigor da lei, em que o agravo era tirado por via de instrumento. Depois dessa menção inicial, em todos os outros fragmentos da lei, limitou-se o legislador à expressão agravo.

 

                   Sem embargo disso, convém mencionar que a expressão agravo no auto do processo (correspondente a agravo nos próprios autos) é de larga tradição histórica no direito luso-brasileiro. Deveras, as Ordenações Manoelinas de 1521[6] já a ele se referiam no Livro III, 54, § 8, e 77. Foi reafirmado na Carta Régia de 1526 e mantido nas Ordenações Filipinas, Livro III, Tit. 20. Desprezado no nosso Regulamento nº 737, de 1850, reapareceu no Código de Processo Civil de 1939 (art. 851).

 

                   Ainda que possa parecer ocioso, convém deixar anotado que esse agravo que objetiva o trânsito dos recursos excepcionais não se confunde com o agravo retido de que cogita o art. 522 do Código de Processo Civil. Este último, que é aviado de sorte a obstar a preclusão de matérias deliberadas pelo juiz do primeiro grau de jurisdição, somente é apreciado em “preliminar” de apelação, enquanto que o agravo do art. 544 tem tramitação e exame imediatos, ressalvada a incidência do art. 543-C, do Código de Processo Civil.

 

                  No que concerne ao procedimento, esse ficou bastante simplificado. O agravo é tirado perante a autoridade judiciária que negou trânsito ao Recurso Extraordinário ou ao Especial, ou a ambos, no prazo de dez dias contados da intimação da decisão denegatória, sendo que, se houver ocorrido a denegação de ambos os recursos excepcionais, deverá ocorrer a interposição de dois recursos de agravo, um para cada decisão contrária. Como há expressa referência ao art. 543 do Código de Processo Civil, deve ficar claro que, em qualquer  hipótese (agravo de não-admissão do Extraordinário, agravo de não-admissão do Especial, agravo de não-admissão de ambos), os autos do processo deverão ser primeiramente encaminhados ao STJ para exame, ou do Especial ou do agravo interposto e, somente após essa atividade serão encaminhados ao STF, se for o caso, dado que a decisão do STJ pelo integral provimento do recurso Especial pode tornar desnecessária a remessa à Corte Maior.

 

                  A redação do § 2º do art. 544 não sofreu alteração em decorrência da Lei 12.322, sendo mantido, inexplicavelmente, este teor:

 

§ 2º A petição de agravo será dirigida à presidência do tribunal de origem, não dependendo do pagamento de custas e despesas postais. O agravado será intimado de imediato para no prazo de 10 (dez) dias oferecer resposta, podendo instruí-la com cópias das peças que entender conveniente. Em seguida, subirá o agravo ao tribunal superior, onde será processado na forma regimental.

 

                  Ora, pelo menos duas razões de ordem sistemática não autorizariam a mantença do dispositivo, tal como se encontra redigido. Primus, parcela da redação desse fragmento legal foi trasladada para o § 3º. Confira-se, em ambos os parágrafos, este trecho: O agravado será intimado de imediato para no prazo de 10 (dez) dias oferecer resposta.  Tem-se uma redundância legiferante que somente pode ser creditada a um descuido do legislador; secundus, o novo perfil do agravo, agora nos autos, pelo menos em uma primeira leitura, não sugere que o agravado possa ou deva instruir sua resposta com “cópias das peças que entender conveniente.” Todas as peças estarão, pela própria forma eleita pelo legislador, encartadas nos autos.

 

                  O fragmento não é, entretanto, de todo desnecessário. Têm valia a indicação procedimental de que o agravo deve ser dirigido ao presidente do Tribunal de origem e a referência ao não-pagamento de custas e despesas postais.

 

                   Vale a anotação, aqui, de que o § 4º, na esteira, aliás, do que tem sido a tendência do processo civil brasileiro nos três últimos lustros, atribuiu ainda mais poder ao relator do recurso de agravo. Com efeito, os poderes do relator ganham maior dimensão.

 

                   O Ministro relator terá poderes para (1) não conhecer do agravo: (1.1) manifestamente inadmissível; ou (1.2) que não haja hostilizado os fundamentos da decisão agravada; (2) conhecer do agravo para: (2.1) no mérito, negar-lhe provimento, se entender que a decisão de inadmissão do REsp ou do RE está correta; (2.2) negar seguimento ao REsp ou RE manifestamente inadmissível, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal; (iii) dar provimento; (3) dar provimento ao RE ou REsp se o acórdão recorrido estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal.

 

                   Cotejado com a redação anterior, o novo § 4º deu tratamento sistemático à matéria que antes se encontrava no antigo § 3º, cuidando, agora, tanto de hipóteses em que o Relator deve não conhecer do agravo como daquelas em que deve examiná-lo. A regência anterior cuidava apenas das hipóteses, positivas, de conhecimento do agravo e de provimento direto do REsp ou do RE. Se a conclusão do relator divergisse de uma dessas duas atitudes, então a solução deveria ser buscada no art. 557 do CPC.

 

                   É certo que o tratamento atual é mais sistemático, mas ainda assim contém equívoco de natureza justamente sistemática. Deveras, é exato afirmar que não se deve conhecer de agravo manifestamente inadmissível ou que não tenha atacado os fundamentos da decisão agravada, em violação ao requisito extrínseco da regularidade

formal. Não é exato, entretanto, estabelecer que o relator deve conhecer do agravo para (b) negar seguimento ao recurso manifestamente inadmissível, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal.

 

                   A dicção dessa alínea ‘b’ sofre de ausência de paralelismo em relação à alínea ‘a’, antecedente. Com efeito, nesta última, o relator conhece do agravo e lhe nega provimento. Ora, então, na ‘b’, antes citada, o relator deveria, em primeiro plano, conhecer e dar provimento ao agravo.  Feito isso, passaria ao exame do RE ou do REsp e lhe negaria seguimento porque inadmissível (por motivo diverso daquele invocado pelo presidente ou vice-presidente do tribunal ordinário, dado que, se fosse pelo mesmo motivo, a hipótese seria da alínea ‘a’); somente assim o texto obedeceria ao critério instituído pela norma mesma.

 

                   Matéria que merece consideração é a relativa à possibilidade de retenção dos atos no tribunal de origem. Deveras, a referência, no novo parágrafo terceiro, à Lei nº 11.672, de 2008, dá conta da possibilidade de o recurso não ter tramitação imediata. Pode ficar sobrestado por força do fato de que, aplicada à espécie o art. 543-C, somente serão encaminhados à instância de superposição aqueles recursos representativos da controvérsia. Os demais ficam sobrestados (diz a lei: suspensos) até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça.

 

                   Outro aspecto a ser realçado e que representa consequência direta do ajuste da legislação infraconstitucional ao que disposto na Emenda Constitucional nº 45, que instituiu a repercussão geral como requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário, tem pertinência com o disposto no art. 543-B do Código de Processo Civil: o legislador estabeleceu que, quando houvesse multiplicidade de recursos em que tivesse sido agitada a mesma controvérsia, o tribunal de origem selecionaria um ou mais recursos e os encaminharia ao STF. Os demais ficariam sobrestados na instância a qua.[7]   

                   Assim, no que concerne ao represamento do Recurso Extraordinário, no tribunal ordinário, por força da aplicação do citado art. 543-B do CPC, depois de alguma hesitação inicial, a jurisprudência fixou-se no sentido de que não cabe nem agravo de instrumento nem Reclamação na hipótese de ocorrência de algum equívoco quanto ao sobrestamento de que cogita esse artigo, na hipótese de multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia. Apenas a título de exemplo, traz-se este recente julgado do STF:

 

                   RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ALEGAÇÃO DE EQUÍVOCO NA APLICAÇÃO DA REPERCUSSÃO GERAL PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. INOCORRÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. I – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que não é cabível a reclamação para corrigir eventual equívoco na aplicação da repercussão geral pela Corte de origem.[8]  

 

                   Parece-nos que esta não é a melhor solução. Deveras, mesmo não sendo o caso de agravo nos autos (e realmente não o é, porque sobrestar recurso não significa negar seguimento, única hipótese que autoriza o agravo do art. 544), parece que a alternativa natural seria a reclamação para firmar a competência do STF: entretanto, o entendimento atual tem sido o de que a solução terá de ser encontrada no próprio tribunal de origem. Como se trata de decisão da presidência ou vice-presidência do tribunal, a medida a ser adotada, um agravo interno, deverá ser objeto de exame pelo plenário da casa ou, onde houver, pela corte especial.

 

                   Desnecessário afirmar que esse órgão último, em brevíssimo tempo, ficará com as pautas inteiramente tomadas somente com o exame de matérias dessa natureza.

 
                  Postas essas considerações a respeito do novo art. 544, parece lícito concluir que a ideia do legislador, ao proceder à transformação do agravo de instrumento para permitir trânsito ao Recurso Especial e ao Recurso Extraordinário, há de ser acatada como alvissareira por quantos militam na prática diária da advocacia. Sem embargo disso, não está afastado o receio de que os tribunais superiores continuem a conceber novas e desnecessárias técnicas defensivas, objetivando a denegação de seguimento dos agravos interpostos por meio dessa nova modalidade, sobretudo em face da digitalização dos autos que, como já se viu, não é matéria afeta aos advogados que patrocinam os feitos e que não têm nenhum poder de fiscalização a exercer


[1] O parágrafo único do artigo 9º tinha esta redação:
Haverá também recurso para o Supremo Tribunal Federal das sentenças definitivas proferidas pelos tribunaes e juízes dos Estados:
a)     Quando a decisão houver sido contraria á validade de um tratado ou convenção, à aplicabilidade de uma lei do Congresso Federal, finalmente, à legitimidade do exercício de qualquer autoridade que haja obrado ooem nome da União — qualquer que seja a alçada.
b)    Quando a validade de uma lei ou acto de qualquer Estado seja posta em questão como contrário à Constituição, aos tratados e às leis federaes e a decisão tenha sido em favor da validade da lei ou acto;
c)     Quando a interpretação de um preceito constitucional ou de lei federal, ou da clausula de um tratado ou convenção, seja posta em questão, e a decisão final tenha sido contrária à valide do título, direito ou privilegio ou isenção, derivando do preceito ou cláusula.
 
[2] Mantida a grafia da época para todos os textos históricos.
[3] A redação é extremamente semelhante à do já citado Decreto nº 510, com a diferença de que, no Decreto, tratava-se exclusivamente de decisões da justiça federal.
[4] A argüição de relevância foi alçada à estatura constitucional com Emenda Constitucional nº 7, de 1977, cabendo ao STF estabelecer, em seu regimento, o processo e julgamento dessa argüição.
[5] Cf. Mancuso, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e especial. P. 65.
[6] A rigor, houve duas edições anteriores dessas Ordenações, em 1512 e 1514, mas foram mandadas destruir, por erro de tipografia.
[7] O relativo varia em latim, por isso, instância a qua e não a quo. Esta última forma somente se aplica se o termo a que se refere o relativo for masculino ou neutro.
[8] AgR na Rcl 11250/RS, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Julgamento:  07/04/2011.  Tribunal Pleno, DJe-125 DIVULG 30-06-2011 PUBLIC 01-07-2011.
 

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