segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Trabalho de APD V

Turma de APD V
Atenção para os elementos factuais do trabalho. A escolha da ação a ser proposta, orientação ao cliente quanto ao pedido a ser formulado, estratégia profissional, tudo isso faz parte do trabalho.

FATOS

A empresa Salgado Profundo, constituída no Brasil, atua do ramo de engenharia especializada no campo de perfuração marítima (off shore).

A Petrobrás S.A. fez divulgar edital de licitação pública (doc. nº x) que tinha como objeto a contratação de serviços para adaptação e manutenção da Plataforma Petrobrás sec.XXI, para perfuração em lâmina d’água de 7.000m. O objeto da licitação compreendia serviços de engenharia, suprimento de materiais, componentes e equipamentos, construção e montagem, serviços na plataforma, comissionamento e testes para adaptação e manutenção, dadas as novas necessidades de perfuração na chamada camada do pré-sal.

Dito edital, que admitia, expressamente, a participação de consórcio, foi vendido no Brasil e no exterior, ao preço de U$ 10.000 (mil dólares norte-americanos) sendo que, no total, vinte empresas o adquiriram: uma italiana, duas norte-americanas, três russas, uma espanhola e treze nacionais.

A empresa Salgado Profundo Ltda. e a Estaleiros Navais Mundiais -ENM assinaram um acordo intitulado “Instrumento Particular de Transação Comercial” (documento nº xx), onde reconhecem o interesse de cada uma das contra tantes em participar isoladamente dessa concorrência internacional, bem como o fato de haverem trabalhado em conjunto para formatação técnica de cada uma das propostas, pactuando, por isso, o ressarcimento dos investimentos realizados isoladamente ou em conjunto, a ser pago pelo contratante que viesse a vencer a licitação, como forma de remuneração do know how repassado.

Vale uma pequena digressão quanto à natureza do know how que foi repassado de uma para outra empresa: essa troca de informações girou em torno de “quantitativos, insumos e especificações técnicas” de parte do trabalho a ser realizado. A partir daí, cada empresa compôs o seu custo de maneira independente. Chama-se a atenção para o fato de que não se pode confundir custos com informações técnicas. Os custos são apurados individualmente segundo a capacidade de cada empresa gerenciar pessoal, prestação de serviços e perdas.

No caso concreto, isso era mais evidente porque as estratégias de execução e de custos também eram completamente diferentes: enquanto uma empresa se dispunha a realizar a obra na França, num estaleiro em dique seco, a outra reformaria a plataforma no Brasil, usando uma técnica totalmente distinta. Assim, é bom que se diga desde logo, o acordo de que se cogita não fixou os preços das propostas apresentadas nem definiu os respectivos custos; apenas permitiu a obtenção de parâmetros para a sua fixação.

Encerrada a digressão, cabe retomar o curso da narração: se nenhuma das partes lograsse vencer o certame, somente a Salgado Profundo teria o ônus de ressarcir, o que ocorreria mediante a abertura de um crédito em moeda nacional, no valor de um milhão de dólares à ENM que poderia ser utilizado integral ou parcialmente na aquisição de equipamentos, ou como pagamento da locação de área, equipamentos e facilidades do Estaleiro XXXTrinta, cuja aquisição estava sendo, à época, negociada pela Salgado Profundo.

Para participar do certame, a Salgado Profundo formalizou consórcio com Estaleiros Navais Doce Perfuração S.A. – DOPESA, enquanto a ENM participou sozinha da licitação.

Não obstante VINTE empresas tivessem adquirido o edital, somente as duas empresas sob menção participaram do certame, tendo sido ambas habilitadas o que implicou o exame das propostas por parte da comissão de licitações.

A Petrobras entendeu que os valores cotados estavam além do previsto no seu orçamento prévio e abriu o prazo de oito dias para que, na forma do parágrafo único do art. 48 da Lei das Licitações[1], fizessem a escoima das propostas apresentadas. Nesse momento, a proposta do consórcio capitaneado pela Salgado Profundo era de menor valor. Ainda assim, a Petrobrás negociou um desconto de mais um por cento sobre o valor escoimado e a ela adjudicou o objeto da licitação.

Após a adjudicação, a Salgado Profundo e a ENM celebraram distrato do acordo, tendo em vista a drástica redução das margens que seriam auferidas pela Salgado Profundo, em decorrência da escoima e da redução dos preços negociada.

Os serviços contratados foram adequadamente prestados. Ocorre que a imprensa publicou notícia dando conta do acordo entre as duas empresas e afirmando que os serviços prestados teriam custado à Petrobras cerca de sessenta milhões de dólares e não os trinta e dois milhões originalmente contratados.

A notícia gerou a instauração de uma comissão de sindicância no âmbito da Petrobras e a solicitação, formulada pelo próprio presidente da Petrobrás, à Secretaria de Direito Econômico – SDE, para que fossem apurados os fatos.

Os trabalhos da comissão de sindicância concluíram que não houve qualquer irregularidade na contratação da reforma da plataforma ssec. XXI.

Na mesma linha, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, instado a se manifestar a respeito do assunto, entendeu nada haver de ilegal no ajuste firmado entre a Salgado Profundo e a ENM, por não vislumbrar no procedimento qualquer espécie de burla à lei de licitações (doc. nº xxx).

Na SDE, todavia, foi instaurado um procedimento administrativo cuja conclusão foi no sentido de que não se encontra uma explicação plausível para que Salgado Profundo e a ENM não constituíssem um consórcio para que, juntas, participassem da licitação.

A percepção da SDE, para a instauração do procedimento, foi a de que:
1) as duas empresas poderiam ter simulado uma concorrência;
2) as demais empresas (dezenove) poderiam ter desistido de concorrer em decorrência da união entre as duas empresas multimencionadas.

Segundo entendimento da SDE, tais fatos permitiriam a incidência das regras previstas nos incisos I e VIII do art. 21 c/c incisos I e II do art. 20, todos da Lei nº 8.884, de 1994.

A instrução probatória limitou-se à expedição de ofícios, por parte da SDE, às empresas que adquiriram o edital, solicitando-lhes informar as razões por que deixaram de oferecer propostas na licitação.

Dos dezenove ofícios, três foram respondidos:

1. PFI – Projetos Frustrados e Inacabados S.A. – informando que não apresentou proposta porque não atendia ao item 3.1.2.1 do edital (não detinha experiência em projeto completo de navios ou de plataforma de perfuração);

2. AguaRasa S.A. – informando que não participou por uma questão de custo-oportunidade;

3. AguaMédia S.A. – também informou que não participou por questão de custo-oportunidade. (docs. xxxx)

Com essa instrução, o processo foi remetido ao CADE com a proposta da imposição das penas que, ao fim, foram mesmo aplicadas.


Do Julgamento no CADE

Para aplicar as sanções, o CADE, por maioria de um voto, entendeu que o instrumento contratual mencionado, seria um forte indício de ajuste de vantagens com reflexo na fixação de preços. Demais disso, e como já acentuado, teriam as duas empresas conseguido os efeitos de dominação no mercado, com a vitória na licitação, não interessando indagar as razões que levaram as demais empresas a desistir do certame porque “o critério para se aferir o afastamento de concorrentes é objetivo, decorre simplesmente dos fatos.”

O ato decisório está vazado nestes termos:

“Ajuste de preços ou combinação de vantagens ou ganhos de qualquer espécie em concorrência pública pelas empresas arroladas. Infração prevista no artigo 21, inciso VIII, combinado com inciso I do artigo 20 da Lei nº 8.884/94. Comprovação da conduta. Aplicação para cada uma das representadas, da multa no valor de 1% (um por cento) do faturamento bruto no exercício imediatamente anterior ao da data em que a infração foi praticada, prevista no artigo 23 da Lei 8.884/94 e outras cominações.

Vistos relatados e discutidos os presentes autos, na conformidade dos votos e notas eletrônicas, acordam o Presidente e os Conselheiros do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, por maioria, entender que, por estarem as representadas incursas nas sanções previstas no artigo 20, inciso I, e no artigo 21, inciso VIII, da Lei 8.884/94, aplicar para cada uma das representadas, multa no valor de 1% do faturamento bruto no exercício imediatamente anterior ao da data em que ocorreram as infrações, assim como determinar a adoção das seguintes providências pelas Representadas: (a) publicar a notícia da presente decisão, em meia página, no jornal de maior circulação no Brasil; e (b) apresentar ao CADE, no prazo de 30 dias da publicação da ementa e acórdão da presente decisão, informação sobre o valor de seu faturamento bruto no exercício imediatamente anterior ao da data em que ocorreram as infrações, sob pena de incidirem em multa diária de R$ 10.000,00 por recusa ou retardamento injustificado da informação solicitada.

Esse o epítome dos fatos sobre que deverá ser elaborada eventual petição inicial. Penso que o texto está bem completo. Se dúvidas houver, serão dirimidas via blog.
[1] Hoje, parágrafo 3º, por força da alteração introduzida pela Lei nº 9.648, de 27.05.98 - DOU 28.05.98.

Um comentário:

  1. Professor,

    Tenho uma dúvida quanto ao (s) cliente (s): temos que defender a Salgado Profundo e a ENM ou apenas a Salgado Profundo?

    Obrigado,
    Rodrigo Mendes

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