quarta-feira, 15 de maio de 2013


Recursos

 

PRIMEIRA PARTE

 

 

 I. Considerações Gerais. Conceito. Princípios. Pressupostos e Requisitos. Efeitos. Classificação.

                 

I.1  Considerações Gerais

 

                  Quando se examina o tema relativo aos recursos, em Direito Processual, a primeira observação que tem de ser levada em conta é a advertência da doutrina no sentido de que qualquer conceituação deve partir de um dado direito positivo. Não há possibilidade de encontrar um conceito amplo, geral e irrestrito, que seja capaz de englobar o que se tem por recurso nos diversos ordenamentos jurídicos.

 

                  De outra banda, parecer que o legislador fez bem em não conceituar o instituto porque, antes não conceituar do que conceituar mal (o que ocorreu com diversos outros institutos no Código de Processo Civil, como o litisconsórcio necessário e a coisa julgada). Deveras, um simples exame da doutrina mais à mão deixa claro que, mesmo havendo parcial convergência de opiniões entre os doutrinadores, nenhuma e igual a outra sobre a adequada e completa definição do termo.

        

                  Demais disso, impende considerar que nos estreitos limites deste estudo, mais uma apostila do que qualquer outra coisa, não se poderia ter inovar ou tentar criar uma teoria geral do direito recursal, motivo, motivo por que afirmamos a necessidade de serem consultadas outras obras, além deste escrito e das indicadas na bibliografia.

 

                  A necessidade de ser ouvido mais de uma vez sobre o mesmo caso é quase um imperativo antropológico. Percebe-se isso até no seio familiar, em que as crianças, contrariadas pelo pai no atendimento de seus desejos, procuram a figura materna, como a pedir abrigo à pretensão exercida. Se contrariadas pela mãe, num primeiro momento, dirigem-se ao pai, sempre na tentativa de ver acolhido seu pleito.  E assim é porque, como diz Leo Rosenberg:

 

"Toda resolucion puede ser injusta, y casi siempre la tendra par tal parte vencida. Par eso, los recursos estan al scervicio de los legitimos deseos de las partes de substituir la resolucion que les es desfavorable por outra mas favorable" [1].

 

                  Na seara do direito, os recursos servem para apaziguar os espíritos e funcionam como uma segunda força de convencimento sobre aquele que teve seus interesses contrariados pelo Estado, aquele que foi de alguma forma, vencido.

 

                  Além dessa função, os recursos também são um importante "meio de manutenção e controle da unidade do direito".[2]. Isso porque existe a necessidade de o detentor do monopólio da jurisdição assegurar ao jurisdicionado as condições de satisfação que constituem a promessa implícita de todos os ordenamentos jurídicos escorados na idéia de estado democrático de direito (progresso individual, bem comum, segurança jurídica, implementação do rol estipulado de direitos fundamentais).

 

 

                  A idéia de recurso, para fins de aproximação conceitual, está associada à de procedimento que permite a releitura do processo, sentido esse expresso pelo dicionário com 'percorrer novamente'. Assim, o recurso no segundo grau de jurisdição passa a ser considerado como uma repetição do que ocorreu no primeiro grau.

 

                   É difundida a afirmação de que, até pela origem latina do termo - recursus -, o recurso de natureza processual teria origem em Roma, mais exatamente no período da cognitio extraordinem[3]. Embora seja realmente muito importante para os povos ocidentais a vertente romana, o certo é que muito antes do florescimento do direito romano, já se conhecia, essa prática. Exemplos disso podem ser encontrados no livro do Êxodo (Bíblia Sagrada – NVI, 2001, EX:18:13-26), em que se percebe uma estrutura judiciária centrada na figura de Moisés:

 

No dia seguinte, Moisés assentou-se para julgar as questões do povo, este permaneceu em pé diante dele, desde a manhã até o cair da tarde. Quando o seu sogro viu tudo o que ele estava fazendo pelo povo, disse: "Que é que você está fazendo? Por que só você se assenta para julgar, e todo este povo o espera em pé, desde a manhã até o cair da tarde?"

Moisés lhe respondeu: "O povo me procura para que eu consulte a Deus. Toda vez que alguém tem uma questão, esta me é trazida, e eu decido entre as partes, e ensino-lhes os decretos e a lei de Deus".

Respondeu o sogro de Moisés: "O que você esta fazendo não é bom. Você e o seu povo ficarão esgotados, pois essa tarefa lhe é pesada demais. Você não pode executá-la sozinho. Agora, ouça-me! Eu lhe darei um conselho, e que Deus esteja com você! Seja você o representante do povo diante de Deus e leve a Deus as suas questões. Oriente-os quanto aos decretos e leis, mostrando-lhes como devem viver e o que devem fazer. Mas escolha dentre todo o povo homens capazes, tementes a Deus, dignos de confiança e inimigos de ganho desonesto. Estabeleça-os como chefes de mil, de cem, de cinquenta e de dez. Eles estarão sempre à disposição do povo para julgar as questões. Trarão a você apenas as questões difíceis; as mais simples decidirão sozinhos. Isso tornará mais leve o seu fardo, porque eles o dividirão com você. Se você assim fizer, e se assim Deus ordenar, você será capaz de suportar as dificuldades, e todo este povo voltara para casa satisfeito".

Moisés aceitou o conselho do sogro e fez tudo como ele tinha sugerido. Escolheu homens capazes de todo o Israel e colocou-os como líderes do povo: chefes de mil, de cem, de cinquenta e de dez. Estes ficaram como juízes permanentes do povo. As questões difíceis levavam a Moisés; as mais simples, porém, eles mesmos resolviam.

 

                  Esses fatos teriam ocorrido há 3.451 anos, muito tempo antes, portanto, do florescimento do Direito Romano.

 

                   É certo, entretanto, que, para os povos ocidentais, mais interessa o que se passa a partir do direito romano, sobretudo a partir do período da cognitio extraordinaria em diante, quando, em decorrência da extinção das duas fases processuais (primeiro havia uma fase in jure, que se passava perante um funcionário do Estado; depois havia uma fase in judicio, que se passava perante um juiz privado, que não fazia parte da estrutura de poder estatal e que não se subordinava a ninguém) que marcaram os dois períodos anteriores em que se divide o Direito Romano (período das ações da lei e período formulário), começa a ganhar forma a figura da appelatio como uma maneira de recorrer ao detentor do poder político.

 

                   Essa tendência consagrou-se, mais tarde, no Corpus Juris Civilis e daí em diante acompanhou todo o evolver da civilização. É indicado como certo, entretanto, que a Revolução francesa seria origem do reexame e do duplo grau de jurisdição. As fontes históricas não admitem essa conclusão, embora seja admissível dizer que, com a Revolução, houve um maior grau de institucionalização do duplo grau de jurisdição, que é a base lógica da existência dos recursos.

 

                  No Brasil, que é, no particular, tributário do Direito Português, as origens dos recursos podem ser buscadas desde as Ordenações Afonsinas, passando pelas Ordenações Manuelinas e pelas Filipinas. A rigor, aliás, mais de duzentos anos antes da edição das Ordenações Afonsinas — registra o professor Luís Carlos Azevedo[4] — mais exatamente durante o reinado de D. Afonso III (1248 a 1279) tem-se com precisão a indicação do acolhimento da apelação (1254/1261) como se fosse uma espécie de certidão de nascimento do direito recursal de Portugal. Após esse momento legislativo, reafirmado por D. Dinis, sucessor de D. Afonso III, solidificou-se a idéia de recurso — que, aliás, funcionava, em muitos momentos, como elemento de confirmação do exercício do poder político central — tendo passado com maior ou menor largueza para o direito das ordenações.

 

                   Com a instalação dos Governos Gerais e com a chegada ao Brasil do Dr. Pero Borge, Ouvidor-Geral (chefe da Justiça no Brasil colonial), em 1549, inicia-se o sistema recursal, do qual o Ouvidor-Geral passa a ser a instância máxima, e a quem cabia julgar os recursos das decisões dos juízes.

 

                  Em 1609 foi criada a primeira Relação — órgão judiciário de segunda instância, ­instalada na Bahia, com dez desembargadores, com a função de julgar recursos de agravo e de apelação.

 

                  No Brasil Império, a Constituição de 1824, em seu artigo 158, também previu a existência das Relações nas províncias, do que se depreende a continuidade da adoção de instâncias múltiplas e verticalizadas para julgamento das demandas judiciais. Daí para frente, todas as constituições brasileiras seguiram o mesmo modelo, com alteração de órgãos, de nomes desses órgãos, mas sempre mantida a estrutura verticalizada.

                  A atual Constituição, em seu artigo 5°, inciso LV ("aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes"), permite o entendimento de que o direito de recorrer é inerente aos princípios do contraditório e da ampla defesa. O recurso é, portanto, parte integrante do processo, funcionando como uma modalidade do direito de ação (rectius como continuação do seu exercício) exercido no segundo grau de jurisdição.

 

                  A esse respeito, aponta CORTES (CORTES, 2003, p. 25):

a) a competência recursal dos tribunais está prevista constitucionalmente; acrescente-se aqui que a existência de um segundo grau de jurisdição não pode reger um conjunto vazio;

b) o duplo grau de jurisdição seria um consectário do princípio do devido processo legal;

c) o Brasil é signatário do pacto de San José da Costa Rica, que prevê expressamente o duplo grau de jurisdição (em seu artigo 8°, inciso II, alínea H) - ainda que somente na esfera penal.

 

                  No que concerne a esse princípio, vale ressaltar que o entendimento comum da doutrina é o de que toda decisão judicial deve poder ser submetida a novo exame, de modo que a segunda decisão prevaleça sobre a primeira, tornando possível a correção de erros (MEDINA, 2002, p.29-30). Isso não quer dizer, entretanto, que esteja vedado ao legislador ordinário o estabelecimento de restrições ao direito de recorrer (PINTO, 2002, p.28), dado que, o sistema constitucional brasileiro trabalha com princípios de variados matizes (algumas vezes em concorrência, outras em colisão) que devem ser aferidos em determinadas circunstâncias, ora prevalecendo uns, ora outros, sem que se cogite de sua expulsão do ordenamento jurídico.

 

                  Por dever acadêmico, é imperioso registrar que a admissão do duplo grau de jurisdição, como princípio imanente ao devido processo legal, não goza de unanimidade. Orestes Nestor de Souza Laspro[5], por exemplo, afirma que "duplo grau de jurisdição é mecanismo adotado sem maior reflexão, com base mais em aspectos histórico-políticos que jurídicos. [...] Representa obstáculo à eficiência da organização judiciária, na medida em que não se pode demonstrar cientificamente, que atinja de modo eficaz a única meta para ser mantido, qual seja, a de que a decisão de segundo grau é 'melhor' que a de primeiro".

 

                  Ora, não se quer abrir debate a esse respeito, mas parece razoável entender que as instâncias recursais, pelo menos em tese, são compostas de julgadores mais tarimbados, experimentados pelos anos de judicatura, desprovidos de arroubos juvenis, que decidem de forma normalmente colegiada (embora, no direito brasileiro, exista uma clara tendência para que os órgãos de segundo grau passem a decidir, cada vez mais, de forma monocrática), o que faz lícito esperar que as decisões de segundo grau espelhem um grau de acerto (justiça) maior do que aquelas de primeiro grau.

 

                  Vale a anotação, de passagem, que não há dúvidas, do ponto de vista exclusivamente doutrinário, de que não existe um terceiro ou um quarto grau de jurisdição (embora a prática esteja a indicar outra coisa). Há, sim, instâncias superiores ao segundo grau, normalmente apelidadas de instâncias de superposição, a quem cabe o julgamento dos chamados recursos excepcionais, mas o exame desses recursos (extraordinário e especial) não visa precipuamente à proteção do direito de que cogita o recorrente ao exercer sua pretensão; visa, isso sim, à proteção da lei federal (e da sua unidade de aplicação) e da Constituição. Somente de forma consequencial (isto é, como corolário da defesa do direito objetivo) é que esses recursos resguardam o direito subjetivo do recorrente.

 

I.2 Conceito

 

                  Como já assinalado anteriormente, o conceito de recurso não é algo que seja pacífico em doutrina. Há, entretanto, a possibilidade de indicar alguns pontos de contato entre as várias tentativas, sendo sempre considerado, para os fins de nosso estudo, o ordenamento positivo brasileiro.

 

                  O primeiro aspecto relevante é o fato de os recursos fazerem parte de processo em curso, não constituindo, portanto, outra relação processual independente. Nesse sentido, é também compreendido como um apêndice, um complemento do procedimento da instância inferior (NERY Jr., 1993, p.49). Carnelutti o vê como um procedimento endoprocessual (in: PINTO, 2002, p. 28). Em outras palavras, os recursos são exercitáveis na mesma relação jurídica processual em que foi proferida a sentença recorrida (NERY Jr., 1993, p. 35). Há, por certo, outras formas de hostilizar uma decisão judicial, fora da relação jurídica processual em que proferida. Essas formas, entretanto, não são consideradas, entre nós, recurso. 

 

                  É usual dizer que os recursos são espécies do gênero remédio. A nós, repugna a utilização vocacionada à farmacologia (até porque há direito de recorrer ainda que a sentença não esteja doente, não possua nenhuma espécie de vício). A ciência jurídica trabalha com outros institutos e outras categorias que são plenamente capazes de albergar os recursos. Preferimos, por isso, dizer que o recurso tem caráter de ônus processual. É, pois, uma situação jurídica ativa (como prelecionava Miguel Reale), no sentido de que se destina à satisfação de um interesse próprio, o que a distingue de um dever, destinado à satisfação de um interesse alheio. Sua não-realização tem como consequência a perda de possível posição de vantagem no processo.

 

                  Os objetivos do recurso, (rectius, do recorrente, quando dele se utiliza) são a invalidação, a reforma, a integração ou o esclarecimento de uma decisão judicial. Para o Estado, os objetivos são a promoção da melhor, mais sistemática e precisa aplicação da lei, velando pela integridade do ordenamento jurídico.[6]

 

                  A teor do disposto no artigo 499 do Código de Processo Civil, os recursos podem ser opostos/interpostos pelas partes litigantes, pelo Ministério Publico ou por um terceiro. Somados esses elementos é possível apresentar uma definição razoável: Recurso é o ônus processual que a lei coloca à disposição das partes, do MP ou de um terceiro, para que, na mesma relação jurídica processua1, em continuidade ao exercício do direito de ação, possam postular a anulação, a reforma, a integração ou o esclarecimento de decisão judicial.

 

                  A rigor, são recorríveis todos os atos jurisdicionais que caracterizem decisões interlocutórias ou sentenças/acórdãos (desde que presentes, por óbvio os pressupostos exigidos em lei). Atos de mero expediente, a princípio, por não expressarem juízo de valor, não ensejam o aviamento de recurso. Sem embargo disso, se, sob a nominação de despachos, despachos de mero expediente, atos de expediente, ou qualquer outra, se ocultar pronunciamento judicial de conteúdo decisório, é possível a sua correção por meio de recurso.

 

                   Como já vimos alhures, dos meios processuais através dos quais se pode impugnar uma decisão judicial, os recursos são apenas uma espécie, que somente cabem enquanto a decisão judicial não transitou em julgado (aliás, uma das virtualidades do recurso é justamente a de retardar a formação do trânsito em julgado). Quando se trata de decisão transitada em julgado, o meio de impugnação deve ser procurado dentre as chamadas ações impugnativas autônomas, ressalvado o caso da ação de mandado de segurança que (desafortunadamente) embora seja uma forma impugnativa autônoma, é dirigida contra decisão não transitada em julgado. 

 

                 Entre essas formas impugnativas, temos a ação rescisória, a ação anulatória de que trata o artigo 486 do Código de Processo Civil, e o já mencionado mandado de segurança. Todos esses meios, entretanto, dão ensejo ao surgimento de nova relação jurídico-processual.

 

I.3    Princípios Recursais

       

                 Praticamente todos os manuais de Teoria Geral do Processo cuidam da divisão dos princípios relativos ao direito processual civil em (i) princípios informativos; e (ii) princípios fundamentais. Os princípios informativos são: lógico; jurídico; político; e econômico. Já os princípios fundamentais norteiam-se por um viés mais ideológico, seguindo a orientação do sistema jurídico a que esteja vinculado o direito recursal, e trazem em decorrência disso, grande fonte de discussão doutrinaria, da qual, procuraremos nos afastar.

                 

                 Cingimo-nos, aqui, à analise desses princípios fundamentais, aplicáveis aos recursos no atual ordenamento jurídico brasileiro, seguindo a trilha aberta pelo Professor Nélson Nery Junior.

 

I.3.1 Princípio do duplo grau de jurisdição

 

                  Já a ele fizemos menção em momento anterior. É necessário, entretanto, trazer outras achegas. Vale dizer, nesse sentido, que a Constituição de 1824 já o previa, ilimitadamente, de modo claro e irrestrito, no seu artigo 158:

 

"Para julgar as causas em segunda e última instância haverá nas Províncias do Império as Relações, que forem necessárias para a comodidade dos povos".

 

                  Apesar disso, sempre se entendeu que os textos constitucionais (esse e os subsequentes) permitiam a imposição de limites à aplicação desse princípio, por meio de normas infraconstitucionais, como se percebe, por exemplo, do exame do Regulamento 737, de 25.11.1850, onde o cabimento do recurso estaria ligado ao valor da causa.

 

                  É verdade, também, que o princípio do duplo grau de jurisdição não se encontra expressamente indicado na Constituição de 1988, mas está diretamente relacionado com o princípio do devido processo legal, presente no artigo 5°, LIV: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal"; e também encontra respaldo no fato de que se atribuiu aos órgãos do Poder Judiciário, competência recursal ordinária.

 

                  Este princípio, claramente, se relaciona com a vontade do constituinte de evitar abusos de poder por parte do juiz, dado que o juiz único poderia tornar-se despótico, e de sua decisão não caberia recurso ou reclamação. Assim, o ordenamento brasileiro, a exemplo de outros ordenamentos jurídicos, previu que a decisão emanada do juiz estivesse sujeita a revisão por outro órgão do Poder Judiciário.

 

I.3.2 Princípio da taxatividade

 

                  O principio da taxatividade recursal implica que só se considera recurso aquele que se encontra previsto em lei federal e que somente por lei federal pode ser criado. Na seara do direito processual civil, além de eventuais recursos criados por lei federal extravagante, os recursos estão enumerados no artigo 496, in verbis:

 

Artigo 496. São cabíveis os seguintes recursos:

I - apelação;

II- agravo;

III - embargos infringentes;

IV - embargos de dec1aração;

V - recurso ordinario;

VI - recurso especial;

VII - recurso extraordinário;

VIII - embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário.

 

 

          Este artigo constitui a referência da presença da taxatividade do sistema recursal. Deveras, no caput, o legislador utilizou o termo "seguintes" para designar os recursos que seriam cabíveis. Em outras palavras, pode-se afirmar que somente os meios de impugnação ali descritos serão considerados pela lei como sendo recursos. Confirma NELSON NERY JUNIOR que: "Este artigo é correspondente à síntese de todo o sistema recursal no processo civil brasileiro, relativamente à previsão e cabimento dos recursos" (NERY Jf. 1993. pp. 46).

 

          Adicionalmente, é necessário ter em conta que, pelo princípio da taxatividade, considera-se vedada a criação de outros recursos, seja por leis estaduais, seja por Regimentos Internos de Tribunais, que, aliás, têm o vezo de legislar em matéria processual.

 

         À falta de previsão legal, não são considerados recursos (embora sejam considerados como sucedâneos de recursais): (i) o pedido de reconsideração, que não suspende, nem interrompe o prazo para interposição de verdadeiros recursos; (ii) a correição parcial; (iv) a remessa obrigatória ou reexame necessário, previsto no artigo 475, não é recurso, mas elemento indispensável e integrativo da sentença[7] que somente se formará e terá aptidão para transitar em julgado após o exame pelo tribunal de segundo grau; (iv) a ação rescisória (artigo 485); (v) os embargos de terceiro (artigo 1.046); (vi) a medida cautelar inominada (arts. 798 e 799), ainda que aviada para tentar conferir efeito suspensivo a recurso; (vii) os agravos exclusivamente regimentais; (viii) o mandado de segurança contra ato judicial.

 

I.3.3 Princípio da Singularidade

 

         Segundo o principio da singularidade (também chamado princípio da unirrecorribilidade), para cada ato judicial recorrível há um único recurso previsto pelo ordenamento, sendo vedada a interposição cumulativa ou simultânea de mais outro visando à impugnação da mesma sentença ou acórdão. Isso não significa que não possam as partes interpor cada uma um recurso da mesma decisão, na hipótese de haver sucumbência recíproca.

 

         O Código Buzaid, procurou definir, no artigo 162, os atos decisórios do juiz. Após, em outros momentos, estabeleceu o cabimento de determinado recurso para cada um esses atos, numa espécie de correspondência biunívoca, acolhendo, assim, este principio da singularidade.

 

         Não se confundem o princípio da taxatividade, que elenca o rol dos recursos disponíveis, e o princípio da singularidade, que exerce a adequação entre o que está previsto e o que é, de fato, cabível. Apesar de as expressões cabimento e adequação serem similares, não são sinônimas. Por cabimento temos de entender a previsão de recorribilidade de determinada espécie de decisão judicial. Por adequação, a previsão legal que re1aciona a decisão eventualmente desfavorável e o recurso já previsto na legislação de regência.

 

        Vezes há em que se indica, em sede de doutrina, exceções a esse princípio, por exemplo, dizendo que uma mesma decisão desafia embargos de declaração e recurso de apelação (ou outro recurso qualquer); ou que um acórdão pode ser atacado por embargos infringentes, recurso especial e recurso extraordinário. Se se atentar bem, entretanto, ver-se-á que não se trata de verdadeiras exceções, por diferentes razões. Na primeira hipótese, os embargos de declaração (que, num exame puramente lógico conceitual não caberiam no conceito de recurso) são tirados e somente após a prolação da nova decisão, de caráter integrativo, é que seria possível a interposição da apelação. Não pode, entretanto, a mesma parte, ao mesmo tempo, opor embargos e interpor recurso de apelação. Na segunda hipótese, é necessário verificar que, se couberem embargos infringentes e recursos especial e extraordinário é porque houve, no acórdão que reformou a decisão de primeiro grau ou julgou procedente a ação rescisória, partes decididas de forma unânime e outras decididas de forma não-unânime. Em outras palavras, embora a decisão seja formalmente una, terá ocorrido o julgamento de mais de uma lide, a que correspondem os vários capítulos da decisão. No mesmo sentido, veja-se Araken de Assis (1999, p. 16) e Barbosa Moreira (2001, p. 249).

 

 

        No que concerne à simultaneidade do recurso extraordinário e especial, o nosso entendimento de que não está excepcionado o princípio da singularidade funda-se em que cremos que esses dois são, na verdade, um único e mesmo recurso extraordinário, julgado em dois momentos distintos, por dois diferentes órgãos do Judiciário, em decorrência de uma divisão de competência funcional (i.e. atribuição de competência a mais de um órgão da jurisdição para atuar num mesmo processo), fixada em razão da matéria. 

 

 

1.3.4 Princípio da Fungibilidade

 

         Este princípio, de inegável utilidade prática, não foi albergado expressamente pelo atual Código de Processo Civil, diferentemente do tratamento que lhe dispensou o Código de 1939, que em seu artigo 810 previa esta possibilidade.

"Artigo 810. Salvo hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro, devendo os autos ser enviados à Câmara, ou turma, a que competir o julgamento".

 

         O legislador de 1973 entendeu que, ao simplificar o sistema recursal, não haveria necessidade de manter um princípio que permitiria o recebimento de recurso inadequado, dado que não ocorreriam mais dúvidas, e que, se tivesse havido a interposição de um recurso por outro, a hipótese deveria, obrigatoriamente, ser de má-fé ou de erro grosseiro. Depois de certo tempo de vigência do novo código, percebeu-­se que a suposta simplificação não fora tão eficiente assim e que remanesciam hipóteses de dúvida objetiva quanto ao recurso que deveria ser interposto. Assim, a doutrina e a jurisprudência, passaram a admitir a continuidade da aplicação do princípio da fungibilidade, a fim de não prejudicar o recorrente.

 

         A hipótese é, pois, de interposição incorreta de recurso, ou seja, ao recorrer de determinado ato judicial, a parte interpõe recurso diverso do que deveria ser usado para o caso específico, o que, a rigor da lei, implicaria o não-conhecimento da peça de irresignação porque, já se viu, não basta o interesse do legitimado em impugnar o ato decisório, mas é preciso que o recurso utilizado seja o adequado para a espécie. Incidindo o princípio da fungibilidade, é possível o aproveitamento desse recurso, que será examinado como se interposto corretamente. Neste mesmo sentido, NELSON NERY JUNIOR define o principio como aquele pelo qual se permite a troca de um recurso por outro: o tribunal pode conhecer do recurso erroneamente interposto. (NERY Jr. 1993. pp. 690-691).

 

         Esse princípio tem íntima conexão com o da instrumentalidade das formas, acolhido no código de processo civil, por meio do qual é possível entender que o que se deve visar na moderna técnica processual é a finalidade dos atos e não apenas formalismos, isto é, o culto da forma pela forma, os quais podem não refletir o uso coerente do direito e desatender os fins a que ele se destina.

 

         Na vertente de1939, o princípio de fungibilidade, exigia duas condições negativas para a sua aplicação: o erro grosseiro e a má-fé. O erro grosseiro poderia ser aferido, por exemplo, quando houvesse disposição expressa e induvidosa de lei dizendo qual o recurso cabível, sem que houvesse dissenso sério na doutrina e jurisprudência quanto ao tema. A má-fé seria aferível pelo emprego de recurso cujo prazo de interposição fosse superior ao do recurso realmente cabível, como forma de contornar eventual perda de prazo.

 

         Frente a isso, hoje em dia, a doutrina moderna criou alguns requisitos para permitir a aplicação do princípio da fungibilidade: o primeiro requisito, já mencionado anteriormente, é a existência de dúvida objetiva sobre qual o recurso correto a ser interposto, dúvida essa que pode se verificar quando: (i) o código de processo civil designa uma decisão interlocutória como sentença ou vice-versa, contrariando a própria definição legal; (ii) a doutrina e/ou a jurisprudência divergem quanto à classificação de determinados atos judiciais e, consequentemente, quanto ao recurso adequado; (iii) o juiz profere um pronunciamento em lugar de outro. A dúvida objetiva não alberga inseguranças pessoais dos patronos das partes, ou deficiências de natureza técnica. Dizendo de outro modo, se o recurso adequado estiver expresso em lei e se a decisão proferida for compatível com a sua previsão legal, não há dúvida objetiva. Se interposto outro recurso no lugar do que deveria ter sido, o que há é o desconhecimento do texto legal.

 

1.3.5 Princípio da Dialeticidade

 

          O princípio da dialeticidade impõe a necessidade de que o recurso esteja devidamente fundamentado, não bastando, somente, para que o recurso seja apreciado, a existência de manifestação da parte dizendo que deseja recorrer. Em outras palavras, o recorrente deve dar as razões pelas quais entende necessário o reexame da decisão. Somente assim a parte contrária poderá ofertar as suas razões, defendendo o ato impugnado, atendendo ao contraditório em sede recursal. O recurso deve conter os fundamentos de fato e de direito que embasam a irresignação recorrente, assim como o pedido de nova decisão.

 

          A exigência de motivação, que consubstancia o princípio da dialeticidade encontra respaldo no Código de Processo Civil, especificamente para os diversos tipos de recurso, a saber: para a apelação (artigo 514, II e III); para o agravo (artigo 524 e 525); no caso do agravo retido (artigo 523, § 3°); para os embargos de declaração (artigo 536); para o recurso ordinário (artigo 540); e para os recursos especial e extraordinário (artigo 541).

 

          É importante ressaltar que a ausência da apresentação das razões do recurso acarreta o seu não conhecimento, sendo caso de inépcia recursal (cf. NERY JR. 1993. pp. 146).

 

1.3.6 Princípio da Voluntariedade

 

          O recurso, no que concerne ao seu conteúdo, se compõe de duas partes distintas: a declaração expressa sobre a insatisfação com a decisão proferida (e o correspondente pedido de reforma), conhecida como elemento volitivo; e os motivos que geraram essa insatisfação, que seriam o elemento de razão ou descritivo. Assim, o recurso interposto sem o conhecimento e vontade da parte não pode ser conhecido (NERY Jr. 1993. pp. 149). Exemplifica o mesmo Nelson Nery Junior que uma manifestação desse princípio seria o não-conhecimento do recurso em decorrência da verificação de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, tal como a renúncia ou a desistência do recurso. Faltaria, portanto, a vontade inequívoca de recorrer. O que se pretende, em resumo, e garantir a lisura de uma decisão excepcional e de relevante repercussão para a sociedade, extravasando interesses das próprias partes.

 

1.3.7 Princípio da irrecorribilidade em separado das interlocutórias

 

          Por este princípio (que encontra maior abrigo no Direito do Trabalho), entende-se que, a bem da celeridade processual (a razoável duração do processo de que fala a Constituição), as decisões interlocutórias não devem ser impugnadas de forma independente.

          É claro que a adoção desse princípio varia de ordenamento para ordenamento e de um momento histórico para o outro. Com o advento do Código de 1973, todas as decisões interlocutórias passaram a ser atacáveis via agravo de instrumento.  Isso, entretanto, não vulnerava a marcha do processo justamente porque esse recurso não era dotado de efeito suspensivo, a não ser naquelas hipóteses em que coubesse a aplicação do artigo 558 do CPC. Hoje em dia, há uma tendência, no direito brasileiro, bastante forte para colocar o agravo de instrumento numa espécie de limbo jurídico, substituindo-o pelo agravo retido (mal comparando, uma espécie de protesto na justiça do trabalho cujo objetivo é impedir a ocorrência da preclusão). Em Portugal, desde o início de 2008, já se encontra em vigor a nova sistemática recursal que, para os processos novos, não mais cabem falar em recurso de agravo, em integral acatamento do princípio sob estudo.

 

1.3.8 Princípio da Complementariedade

 

          No direito processual civil não se admite a interposição do recurso, em determinado momento, e a posterior dedução das razões que o fundamentam em outro. Dizendo de outra maneira, os recursos devem ser interpostos no prazo previsto na lei, juntamente com as razões do inconformismo, dando-se de logo a chamada prec1usão consumativa. Se não foram aduzidas razões ou o foram de forma incompleta, nada mais poderá fazer o recorrente a esse respeito. O princípio da complementariedade excepcionaria esse entendimento (é, pois, uma exceção e não um princípio). 

 

                   Para NELSON NERY JUNIOR: "Pelo princípio da complementaridade, o recorrente poderá complementar a fundamentação de seu recurso já interposto, se houver alteração ou integração da decisão, em virtude de acolhimento de embargos de dec1aração" (NERY Jr. 1993. pp. 152). Em outras palavras, a única hipótese que se visualiza de complementaridade diz respeito aos casos em que, tendo havido sucumbência recíproca, a decisão atacada é alterada supervenientemente à interposição de recurso por uma das partes: é o caso, por exemplo, de alteração do decisório em embargos de dec1aração, já tendo outra parte interposto recurso de apelação. Terá direito, portanto, de completá-la.

 

1.3.9 Princípio da Proibição da Reformatio in Pejus

 

         A expressão reformatio in pejus designa a reforma da decisão judicial, em prejuízo para o recorrente. Ocorrência desse jaez não se compadece com o ordenamento processual civil. Objetiva-se, com a adoção do princípio, evitar que o tribunal destinatário do recurso possa decidir de maneira agravar a situação do recorrente, ultrapassando o âmbito de devolutividade fixado com a interposição do recurso; desde que, por óbvio, não tenha havido recurso da parte contrária.

 

         Assim deve ser em respeito ao efeito devolutivo restrito na própria peça recursal. Não pode o tribunal ir além dos limites fixados no pedido recursal, prejudicando quem recorre.

 

         Cabe uma anotação lateral. A rigor não se poderia falar de proibição de reformatio in pejus nas hipóteses relativas à remessa obrigatória de que trata o artigo 475 do CPC, quando por outro motivo não fosse, em decorrência do fato de que remessa obrigatória não é recurso. Sem embargo disso, a jurisprudência vem se fixando em sentido contrário ao aqui sustentado, já havendo súmula do STJ (Súmula nº 45) asseverando que é defeso ao judiciário, no reexame necessário, agravar a condenação imposta à fazenda pública.

 

1.4. Pressupostos ou requisitos[8] de admissibilidade recursal

 

                  Os requisitos dos recursos são os elementos que hão de estar presentes no recurso para que este possa ser aprovado no exame preliminar da sua admissibilidade. Hão de ser preenchidos para que ó órgão julgador do recurso possa analisar-lhe o mérito. Bernardo Pimentel Souza (2000, p. 46-47) lembra que no Código de Processo Civil brasileiro são usados ambos os termos indicados na epígrafe sem explicitação de diferenças, quais sejam: requisitos (ex. artigo 540, caput) e pressupostos (ex. artigo 518, parágrafo único), sendo eles, portanto, para o legislador processual, equivalentes.

 

       Araken de Assis (1999, p. 13) lembra sua natureza de ordem pública, devendo ser examinados de ofício e a qualquer tempo pelo órgão julgador. Se não forem os mesmos o órgão perante o qual se interpõe o recurso e o órgão que deverá julgá-lo, haverá dois juízos acerca da admissibilidade recursal, sendo o primeiro, exercido pelo juízo a quo, de natureza provisória e não-vinculante. Deve ser explícito e fundamentado, sendo lícito ao órgão ad quem fazê-lo de forma implícita apenas se o seu conteúdo for positivo. Do recurso em que presentes todos os requisitos, diz-se conhecido; do recurso cujo exame de mérito foi obstado pela ausência de qualquer deles, diz-se não conhecido.

 

       Classificam-se os pressupostos de admissibilidade em intrínsecos e extrínsecos. Segundo Barbosa Moreira, os primeiros dizem respeito à própria existência do poder de recorrer (2001, p. 262) e são o cabimento, a legitimidade, o interesse e a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer. Quanto aos últimos, ligam-se ao modo de exercer esse direito e são a tempestividade, a regularidade formal e o preparo. Nelson Nery Jr., embora concorde com essa forma de c1assificar, define os requisitos intrínsecos como os que "dizem respeito à decisão recorrida em si mesma considerada" (1997, p. 238), sendo eles o cabimento, a legitimidade e o interesse, e os requisitos extrínsecos como fatores extemos à decisão atacada, estando aí inc1uídos a tempestividade, a regularidade formal, o preparo e a inexistência de fato impeditivo ou extintivo.

 

       Além desses requisitos, podem existir outros, exigidos especificamente para determinados recursos, como o prequestionamento para os recursos especial e extraordinário. É possível que alguns desses requisitos não sejam exigíveis em relação determinado recurso ou em relação a algum recorrente, como o preparo que é dispensado no agravo retido, nos embargos de dec1aração (seja quem for o recorrente) e para a Fazenda Publica (seja qual for o recurso).

 

1.4.1 Cabimento

 

        Nelson Nery Jr. (1997, p. 239-240) ensina, na esteira da doutrina consagrada, que o cabimento do recurso diz respeito ao binômio recorribilidade-adequação, ou seja, um recurso ser cabível significa que a decisão atacada é tida por recorrível no sistema jurídico e, ainda, que o recurso aviado é aquele previsto in abstracto como apto à provocação da sua modificação. Exemplifica apontando que a sentença é tida por decisão recorrível, cujo recurso adequado, segundo o CPC, é a apelação.

 

        São irrecorríveis no sistema jurídico brasileiro os despachos de mero expediente. Contra os demais atos do juiz (ou do órgão julgador), estão previstos no artigo 496 do CPC, em rol taxativo (ASSIS, 1999, p. 19): apelação, agravo, embargos infringentes, embargos de dec1aração, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário e embargos de divergência.

 

        A apelação é o recurso cabível contra a sentença, quer se trate de sentença meramente processual, quer se trate de sentença que haja resolvido o mérito. Bernardo Pimentel Souza aponta três exceções ao cabimento de apelação de sentença: a primeira consta do artigo 105, inciso II, alínea 'c', da Constituição Federal, e do artigo 539, inciso II, alínea 'b', do Código de Processo Civil. Da sentença proferida em causa internacional cabe recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça; a segunda exceção esta prevista no artigo 34 da Lei n. 6.830/80. Com efeito, cabem embargos infringentes de alçada contra sentença proferida em ação regulada pela Lei n. 6.830/80, e com valor da causa inferior ou igual ao teto legal; a última exceção ao binômio sentença-apelação consta do artigo 41 da Lei n. 9.099/85. Realmente, da sentença proferida em ação submetida ao rito da Lei n. 9.099/95 cabe recurso inominado - e não apelação. (SOUZA; 2000, p. 48).

 

        O agravo a que se refere o artigo 496 do CPC é gênero do qual são espécies o agravo de instrumento, o agravo retido e o agravo interno, além do agravo de instrumento contra decisão de inadmissão de recurso especial ou extraordinário. Os arts. 522 e seguintes do Código de Processo tratam dos agravos, retido e de instrumento, contra decisão interlocutória proferida no primeiro grau de jurisdição. O agravo de instrumento do artigo 544, por sua vez, é o recurso cabível contra inadmissão de recurso especial ou extraordinário.

 

        O artigo 557, § 1°, do mesmo diploma legal trata do agravo interno, cabível contra decisão (monocrática) de relator em Tribunal.

 

        Os embargos infringentes estão regulados pelo artigo 530 do CPC brasileiro e são cabíveis quando decisão colegiada não-unânime tiver julgado procedente ação rescisória ou, em apelação, tiver reformado a decisão de primeiro grau. A jurisprudência do STJ entende não serem cabíveis os embargos infringentes quando o dissenso ficar restrito a questão decidida em embargos de dec1aração (por exemplo, a aplicação da multa prevista no artigo 538 do CPC), ao argumento de que essa parte da decisão dos embargos de dec1aração não apresenta o efeito integrativo (como é normal nos embargos dec1aratórios) do acórdão da apelação.

 

        Os embargos de dec1aração são oponíveis, tanto de sentença quanto de acórdão, bem como de qualquer decisão interlocutória, desde que omissos, obscuros ou contraditórios. Esses são requisitos específicos dos embargos de dec1aração, como já se apontou ser possível existir.

 

        Cabe recurso ordinário, nos termos do artigo 539 do CPC e também dos arts. 102, II, 'a', e 105, II, 'b', da Constituição Federal, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, de habeas corpus, mandado de segurança, habeas data e mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, quando denegatória a decisão e crime político; ou habeas corpus e mandado de segurança denegados em última ou única instância pelos tribunais federais ou estaduais, alem das causas envolvendo de um lado, Estado estrangeiro ou organismo internacional, e, de outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no Brasil.

 

        Os recursos especial e extraordinário são cabíveis quando a decisão recorrida afrontar a lei federal ou a Constituição, sendo julgados, respectivamente, pelo STJ ou pelo STF, e regulados na Constituição, nos artigos 102, III, e 105, III, e também no CPC, na Seção II do Capitulo VI do Titulo X do primeiro livro. Quanto ao cabimento, há varias especificidades, como por exemplo, na hipótese de interposição do recurso especial com base na alínea "c" do supracitado artigo 105, III, da CF, a divergência jurisprudencial há de ter ocorrido entre tribunais diversos, ao teor da Súmula 13 do STJ.

 

        Finalmente, quanto ao tema cabimento, os embargos de divergência são o recurso cabível contra acórdão, unânime ou não, proferido em recurso especial ou extraordinário, nas hipóteses do artigo 546 do Código de Processo, ou seja, de divergência de entendimento entre turmas, entre turma e seção, ou entre qualquer destas e o órgão especial, no primeiro caso, e entre turmas ou entre turma e plenário, no ultimo caso. Assim sendo, não cabem embargos de divergência se uma turma do STJ decidiu questão federal em desacordo com o que foi decidido em outra oportunidade pela mesma turma ou contra decisão monocrática do relator, ou ainda contra acórdão em agravo regimental em agravo de instrumento, exceto se neste acórdão a turma examinar o próprio mérito do recurso especial.

 

1.4.2  Legitimidade

 

        Bernardo Pimentel Souza (2000, p, 49) ensina que legitimidade recursal é o requisito que se traduz na exigência de que recurso seja interposto por quem tem o poder de recorrer, por força de lei. Nos termos do artigo 499, caput, do CPC, são legitimados: a parte vencida, o Ministério Público e os terceiros prejudicados. Quanto à parte, alerta Araken de Assis (1999, p. 23) que é irrelevante a sua ilegitimidade para a causa, podendo ser exatamente este o objeto do recurso.

 

        Os sucessores a título universal ou singular, em decorrência de fato posterior à decisão (se a sucessão se deu por fato anterior à decisão impugnada, não há dúvida, sendo certo que, neste momento, ja figuraria como parte o sucessor), sem devolução do prazo, exceto se por causa mortis se deu a sucessão (MOREIRA, 2001, p. 291), sendo necessário o procedimento de habilitação de que cogita o artigo 1055 do Código de Processo Civil. Os assistentes também podem recorrer, salvo se o assistido desistir da ação, reconhecer a procedência do pedido ou transigir, nos termos do artigo 53 do Código.

 

                  Quanto aos terceiros intervenientes (opoente, nomeado, denunciado chamado), são partes, desde o momento em que passaram a integrar a relação processual, não havendo nenhuma peculiaridade em relação a eles. Recorrem como qualquer outro que tenha legitimidade recursal.

 

       A legitimidade do Ministério Público é diferenciada, já que ele pode recorrer, tanto na condição de parte (e aí, também, não há nenhuma especificidade), quanto como fiscal da lei, sendo que, nesse ultimo caso, cabe esclarecer que o processamento do recurso ministerial não fica condicionado à existência de recurso da parte (tal como explicitado pela Sumula nº 99 do STJ), diferentemente do que ocorria no regime do CPC de 1939, em que a questão suscitava dúvidas (MOREIRA, 2001, p.295).

 

                  O terceiro somente terá legitimidade, nos termos do artigo 499, se tiver sido prejudicado pe1a decisão recorrida, ou seja, o recurso interposto pelo terceiro dependerá do cumprimento de um requisito extra, qual seja a demonstração do nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida ao exame judicial (artigo 499, § 1°). Assim, não é qualquer terceiro legitimado para recorrer no ordenamento brasileiro. Somente o terceiro que ostente a condição de prejudicado, atingido pela decisão impugnada, poderá fazê-lo.

 

       Quanto à legitimidade do terceiro prejudicado e do Ministério Público (na qualidade de fiscal da lei) cabe uma última ressalva: não são legitimados a recorrer adesivamente, dada a expressão dicção do artigo 500 do CPC, segundo o qual, sendo vencidos 'autor e réu', ao recurso por qualquer deles interposto e permitido aderir 'a outra parte'. Em posição diversa da aqui sustentada está Nelson Nery Junior (1997, p. 258), que se mostra favorável à existência, nesse caso, da legitimidade do Ministério Público, ao argumento de que o termo parte do artigo 500 deve ser interpretado em sentido lato.

 

                  Pensamos, por outro lado, que há legitimidade do Advogado para recorrer, com relação à parte da decisão relativa à fixação dos honorários de sucumbência, já havendo algumas manifestações dos tribunais nesse sentido.

 

 

1.4.3  Interesse

 

       

        O interesse em recorrer estará configurado sempre que se puder demonstrar (i) a utilidade do recurso, ou seja, a possibilidade de que a decisão do recurso outorgue ao recorrente uma situação mais favorável do que aquela que ostenta antes do julgamento do recurso, e (ii) a sua necessidade, consistente na impossibilidade de se alcançar aquela utilidade por outro meio menos gravoso.

 

        Quanto à utilidade do recurso, Barbosa Moreira explica que o termo parte vencida, a quem a lei confere o direito de recorrer, deve ser bem entendido:

E vencida a parte, sem dúvida, quando a decisão lhe tenha causado prejuízo, ou a tenha posto em situação menos favorável do que a de que ela gozava antes do processo, ou lhe haja repelido alguma pretensão, ou acolhido a pretensão do adversário. Mas também se considera vencida a parte quando a decisão não lhe tenha proporcionado, pelo prisma prático, tudo que ela poderia esperar, pressuposta a existência do feito (MOREIRA, 2001, p. 299).

 

        Como se trata de vantagem prática, convém deixar marcado que há interesse da parte ré, no caso de improcedência de ação popular ou ação civil pública por falta de provas,  de recorrer para demonstrar que nenhum fato narrado ou provado poderá conduzir à procedência do pedido, visando, com o recurso, a impedir que outra ação com a mesma pretensão de direito material possa ser exercida.  Há também interesse recursal quando o autor, diante de sentença ultra ou extra petita, recorre com a finalidade de afastar a nulidade do julgado (NERY JUNIOR, 1997, p. 274). Haverá, de modo contrário, falta de interesse recursal, por inutilidade, no agravo retido contra decisão que determinou indevidamente a suspensão do processo, ou que indeferiu pedido de julgamento antecipado da lide, já que, no momento da apreciação do agravo retido já terá sido prolatada sentença, restando prejudicado o mérito do agravo retido (NERY JUNIOR, 1997, p. 279).

 

 1.4.4 Fatos extintivos e impeditivos 

 

       A doutrina não se acerta quanto ao que, em termos de teoria dos recursos, é fato extintivo e quanto ao que é fato impeditivo do direito de recorrer. Tem sido sustentado que fatos extintivos do direito de recorrer são a renúncia ao recurso e a aceitação ou aquiescência da decisão; fatos impeditivos desse direito são a desistência do recurso, reconhecimento da procedência do pedido, a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação, a ausência do depósito de multa processual e a prática de ato contrário à vontade de recorrer, causando a prec1usão lógica (SOUZA, 2000, p. 56). Nelson Nery Junior (1997, p. 329) conc1ui que "do ponto de vista prático, a presença de qualquer deles no processo faz com que o recurso seja inadmissível, não conhecível".

 

       A renúncia pressupõe a existência da decisão desfavorável, consistindo em manifestação de vontade de não recorrer, previa à interposição do recurso. Em nosso entender, a renúncia há de ser expressa. Em sentido contrário, admitindo a renúncia tácita, há o posicionamento de Barbosa Moreira (2001, p. 340), para quem esta consistiria na pratica de ato incompatível com o desejo de recorrer, desde que praticado sem reserva. Admitindo a renúncia prévia, e ressaltando dever ser expressa (neste caso), posiciona-se Nelson Nery Junior (1997, p. 330-350).

 

       Consectário da renúncia é a inadmissibilidade do recurso interposto em desconformidade com o direito manifestado. Não influi no direito dos litisconsortes recorrerem, tampouco depende da aquiescência desses ou da outra parte (artigo 502 do CPC).

 

       A desistência (artigo 501 do CPC) pressupõe, mais do acontece na renúncia, tanto a existência da decisão desfavorável quanto a interposição do recurso, sendo-lhe posterior e podendo ser total ou parcial (MOREIRA, 2001, p. 330). Pode o recorrente desistir do recurso até o seu julgamento (inclusive oralmente, por ocasião da sessão de julgamento), fazendo com que se tome inexistente (não inadmissível), não podendo ser conhecido. Não depende da manifestação de vontade da parte contrária ou dos litisconsortes do desistente, mas requer poderes especiais por parte do advogado (SOUZA, 2000, p. 58). Tampouco está impedido, o desistente de recurso autônomo, no caso de sucumbência recíproca, de recorrer adesivamente (NERY J1.JNIOR, 1997, p. 357; MOREIRA, 2001, p. 335).

 

       Vale o registro de que, recentemente, o STJ não acolheu a desistência de um recurso que havia sido selecionado pra julgamento na forma do artigo 543-C, do Código de Processo Civil (Recurso Repetitivo).

 

       A aquiescência (prevista no artigo 503 do CPC) é a manifestação de aceitação do julgado, podendo ser total ou parcial, expressa ou tácita (desde que inequívoca). Deve ser espontânea, ou seja, antes que o julgado comece a produzir efeitos quanto ao aquiescente, e pode ser manifestada tanto antes quanto depois da interposição do recurso, inclusive pelo terceiro prejudicado a quem a lei processual confere legitimidade recursal (MOREIRA, 2001, p. 345-347). Como a desistência, tem o condão de provocar o imediato trânsito em julgado da decisão aceita, a não ser que esse seja obstado por outro motivo.

 

 1.4.5 Tempestividade

          

        A tempestividade e a exigência, vinculada ao princípio da preclusão que orna o direito processual civil, de que o recurso seja interposto no prazo previsto em lei, a fim de que a prestação jurisdicional se dê num tempo razoável, em prestígio de sua efetividade.

 

        Os prazos recursais são de quinze dias, nos termos da redação do artigo 508 do CPC, para a apelação, os embargos infringentes e os de divergência, bem como para os recursos especial e extraordinário. Excetuam-se a essa regra os embargos de dec1aração, que devem ser aviados em cinco dias, seja qual for o tipo de decisão recorrida, e o agravo interposto contra decisão interlocutória proferida no primeiro grau (artigo 522) ou contra inadmissão de recurso especial ou extraordinário que devem ser protocolizados em dez dias e, se interno (contra decisão de relator em tribunal), o prazo é de cinco dias. Há, ainda, as especificidades estabelecidas em leis especiais, como o prazo de dez dias para o recurso inominado da Lei n° 9.099/95 (artigo 42) e para os embargos infringentes de alçada, como consta do artigo 34 da Lei nº 6.830/80.

 

         Os prazos processuais são de natureza peremptória e improrrogáveis. Pode, entretanto, o juiz, devolver o prazo a parte que deixou de aviar o recurso por justa causa (artigo 183).

 

        Além das hipóteses de suspensão, há considerar as de interrupção, que atribuem ao interessado um novo prazo, por inteiro. Tanto a suspensão como a interrupção do prazo devem ser contadas a partir da ocorrência do fato qualificado pela lei como causa destes eventos a despeito de poder ser outro o momento da ciência do juízo acerca da sua ocorrência. Já o reinício da fluência do prazo somente se dá com a intimação dos advogados das partes, não podendo ser praticado qualquer ato processual durante a suspensão ou interrupção.

 

        A data a ser considerada para efeito de aferição da tempestividade recursal é a do protocolo da petição no cartório ou secretaria do tribunal (artigo 506, parágrafo único, primeira parte), como regra geral. As exceções (SOUZA, 2000, p. 72-74) ficam por conta do agravo de instrumento previsto no artigo 522 — cuja tempestividade também pode ser comprovada pelo carimbo de postagem nos correios (artigo 525, § 2°), se esta for a forma de protocolo escolhida pelo recorrente —; nos locais em que tenha sido instituído o protocolo integrado pela lei de organização judiciária, em que a petição pode ser protocolizada em qualquer cartório, sendo posteriormente remetida ao cartório competente (com a tempestividade aferida da entrada da petição no primeiro cartório); e, por fim, com a possibilidade do protocolo via fac-simile, prevista na Lei n° 9.800/99, que prevê uma aferição dupla da tempestividade: o envio do fax deve ser feito dentro do prazo e o protocolo da petição original em cinco dias. Vale um esclarecimento sobre a protocolização da petição original: segundo entendimento prevalecente, não se trata de um novo prazo e sim da extensão do prazo original. Sem embargo da controvérsia doutrinária que poderia e pode ser estabelecida a esse respeito, hão de precatar-se os profissionais da advocacia nessa contagem. Assim, por exemplo, se o prazo original vence numa sexta-feira, e nessa é realizado o envio do fax, os cinco dias para protocolização do original compreendem o sábado e o domingo imediatamente seguintes, com o que o prazo adicional vence na quarta-feira e não na sexta, como seria de supor se utilizássemos a regra geral da contagem dos prazos.

 

1.4.6 Regularidade formal

 

        A regularidade formal é o pressuposto de admissibilidade recursal que concerne àt necessidade de que recurso seja interposto na forma prevista em lei. Em regra, os atos processuais não necessitam atender a forma predeterminada; entretanto, os recursos além de ter a forma escrita (ressalvadas hipóteses excepcionais nas quais se exige a forma oral, e.g., agravo retido tirado em audiência de instrução e julgamento), não sendo admitido recurso por aposição de cota nos autos (SOUZA, 2000, p. 79). Exigência conexa a esta, e específica dos recursos interpostos por fax, é que o original seja protocolizado no prazo legal, devendo a petição ser idêntica àquela transmitida.

 

        A petição será dirigida ao órgão competente para o julgamento do recurso, salvo se sujeito ao duplo juízo de admissibilidade, caso em que deve ser dirigida ao órgão responsável pelo primeiro deles. Deve conter a qualificação das partes, exigência dispensável se recorrente e recorrido estiverem devidamente qualificados nos autos (MOREIRA, 2001, p. 423), a motivação ou razões da impugnação da decisão e o pedido de reforma. Atualmente, insere-se nos requisitos de regularidade formal do recurso extraordinário a demonstração da existência da repercussão geral. Num primeiro momento, o Supremo Tribunal Federal, foi extremamente rigoroso a esse respeito, exigindo que essa demonstração fosse feita em capítulo destacado; atualmente, adota uma posição mais instrumentalista.

 

        Os fundamentos do pedido recursal devem ser conexos aos fundamentos da decisão, impugnando especificamente cada um deles, sob pena de não conhecimento do recurso. Essa a dicção da Súmula 182 do STJ: "E inviável o agravo do artigo 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada". Esta exigência se estende a todos os recursos, inclusive aos oralmente interpostos (SOUZA, 2000, p. 81), e deve ser cumprida no momento da interposição (ASSIS, 1999, p. 42).

 

        Quanto aos recursos especial e extraordinário, é necessário cuidar de algumas especificidades. O seu cabimento se dá, respectivamente, se a decisão atacada contrariar lei federal ou a Constituição, por isso, na motivação, o recorrente deve demonstrar a ocorrência dessas. No caso da interposição do recurso especial pela letra 'c' do permissivo constitucional, cabe ao recorrente demonstrar tanto a similitude entre os casos confrontados quando a divergência jurisprudencial — transcrevendo e comparando trechos — entre os julgados (NERY J1JNIOR 1997, p. 311), naquilo que a jurisprudência apelida de cotejo analítico. O agravo de instrumento contra o despacho de inadmissão do recurso especial ou extraordinário tem, por sua vez, como requisito de admissibilidade específico — no que diz respeito a regularidade formal  —, a sua correta instrução com todas as peças obrigatórias ou essenciais à compreensão da controvérsia.

 

        Deve o recorrente, também, pedir expressamente a reforma da decisão hostilizada, sob pena de incorrer na irregularidade formal, dando ensejo ao não conhecimento do recurso.

 

        Bernardo Pimentel Souza (2000, p. 82) adverte que importaria julgamento extra petita se o juízo desse provimento a recurso ao qual faltasse pedido de reforma. A nós, parece que a falha é mais grave. Recurso que não contém pedido de reforma é um não-recurso, um recurso inexistente.

 

        Por fim, a petição deve ser assinada por advogado regularmente constituído, sem o que será tido recurso por inexistente (ASSIS, 1999, p. 44). Cabe o registro, entretanto, de que, nas instâncias ordinárias, há a necessidade de abertura de prazo para regularização da representação processual, ao contrário do que acontece nas instâncias superiores, em que a jurisprudência se fixou no sentido da desnecessidade da diligência supraindicada, sendo, de logo, declarada a inexistência do recurso.

 

1.4.7 Preparo

 

       O preparo, na lição de Barbosa Moreira (2001, p. 390), consiste "no pagamento prévio das despesas relativas ao processamento" do recurso. Deve ser prévio e comprovado no momento da protocolização da petição recursal, a não ser que seu valor não possa ser conhecido antecipadamente ou que motivo relevante impeça o recorrente de cumprir a exigência legal como, por exemplo, a falta de coincidência entre os expedientes forense e bancário (a jurisprudência oscilou bastante a esse respeito, mas hoje é prevalecente a tese no sentido de que, em caso de descoincidência de horários, é facultado ao recorrente pagar o preparo no primeiro dia útil subsequente).

 

                  A irregularidade no cumprimento da exigência formal do preparo tanto pode decorrer da ausência de pagamento como da insuficiência do valor recolhido em relação ao valor estipulado. A lei comina a pena de deserção à falta de preparo; entretanto, no caso da insuficiência é necessário abrir oportunidade ao recorrente para que lhe complemente o valor.

                   A deserção resulta na inadmissibilidade do recurso, já que operada a prec1usão consumativa do direito de recorrer, de nada adiantando a apresentação da guia de recolhimento do preparo após a interposição do recurso, ainda que essa interposição tenha sido feita antes do último dia do prazo

                   Provando o apelante justo impedimento, o juiz relevará a pena de deserção, fixando-lhe prazo para efetuar o preparo.

 

 

       Como já mencionado alhures, há algumas hipóteses de dispensa de preparo, fundadas ora em critério subjetivo, ora em critério objetivo (MOREIRA, 2001, p. 392-393; NERY JUNIOR, 1997, p. 360). Exemplos da primeira situação são, segundo Bernardo Pimentel Souza (2000, p. 86), os recursos interpostos pelo Ministério Público, União, Estados e Distrito Federal, Municípios e autarquias, nos termos do artigo 511 do CPC, e também os interpostos pelos beneficiários da justiça gratuita na forma dos arts. 3° e 9° da Lei n° 1.060/50.

 

       Quanto à assistência judiciária gratuita, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que obstar a subida de agravo de instrumento desacompanhado da guia de recolhimento do porte de remessa e retorno, tendo sido interposto o recurso especial (inadmitido ao fundamento da deserção) justamente para discutir o desacolhimento do pedido de gratuidade da justiça, importa usurpação de competência (RCL 1036/SP, 1a S., Min. Teori Zavascki, DJ de 13.10.2003); e também que, havendo pedido de gratuidade da justiça como preliminar de recurso, este não pode ser julgado deserto antes de analisado o referido pedido, e, no caso de não-acolhimento, antes que seja oportunizado à parte o recolhimento do preparo (RESP 440.007/RS, 3a T., Min. Castro Filho, DJ de 19.12.2002).

 

       São exemplos de dispensa de preparo fundada em critério objetivo: o agravo retido (artigo 522, parágrafo único, do C´PC), os embargos de declaração (artigo 536 do CPC) e os "recursos interpostos em processos regidos pela Lei n. 8.069/90, Estatuto da Criança e do adolescente", por força do seu artigo 198, I.

 

 

EFEITOS DOS RECURSOS

 

Considerações gerais

 

                   Com relação aos efeitos dos recursos, e como visto em relação a outros tópicos na Parte I, também a doutrina não ajusta um entendimento uniforme. O que existe de incontroverso é apenas o fato de que todos admitem que os recursos possuem  efeitos devolutivo e suspensivo (e nem sempre com a mesma dimensão). Para Barbosa Moreira, há um efeito comum a todos os recursos do direito nacional, o de obstar, uma vez interpostos, o trânsito em julgado da decisão impugnada. Ao lado desse efeito, o referido processualista se reporta aos efeitos devolutivo e suspensivo. Lembra, também, que parte da doutrina refere-se ao efeito extensivo, ao qual tece críticas (MOREIRA, 2003, p. 256).

         De sua vez, Nelson Nery Jr. considera que o adiamento da formação da coisa julgada é apenas uma consequência natural e 1ógica do efeito devolutivo, sendo os dois efeitos apontados pela doutrina tradicional o devolutivo e o suspensivo (NERY JR., 2004, p. 429). Esse doutrinador, entretanto, aponta outros fenômenos processuais concernentes à interposição do recurso os quais não se enquadram na mencionada dicotomia (efeitos devolutivo e suspensivo), que seriam os efeitos: expansivo, translativo e substitutivo (NERY JR., 2004, p. 428).

 

         Vejamos estes cinco efeitos: devolutivo, suspensivo, expansivo, translativo e substitutivo.

 

Efeito Devolutivo

 

         Esse efeito é definido por Barbosa Moreira do seguinte modo: "chama-se devolutivo ao efeito do recurso consistente em transferir ao órgão ad quem o conhecimento da matéria julgada em grau inferior de jurisdição." (MOREIRA, 2003, p. 259)

 

         Para Nelson Nery Jr., o efeito devolutivo seria uma manifestação do principio dispositivo. O recurso interposto, considerado como uma espécie de renovação do direito de ação, em outra fase do procedimento, devolveria ao órgão ad quem o conhecimento da matéria impugnada. O pedido de nova decisão fixaria os limites e o âmbito de devolutividade do recurso, segundo o brocardo tantum devolutum quantum appellatum (NERY JR, 2004, p. 429). Esse autor afirma que o efeito devolutivo e comum a todos os recursos no sistema processual civil brasileiro, sendo o efeito natural de todo e qualquer recurso (NERY JR., 2004, p. 431).

 

         Quanto a essa afirmação, guardamos a mais absoluta reserva. Cremos que o efeito devolutivo é uma inerência dos recursos verticais, mas não necessariamente dos recursos horizontais, como, e.g., os embargos de declaração. Embora aparentemente (e só aparentemente) divirja do que é por nós sustentado, Barbosa Moreira indica a existência de dissenso doutrinário sob a égide do código anterior: a maioria dos autores reconhecia ocorrer o efeito suspensivo, em maior ou menor amplitude, quando houvesse novo julgamento de alguma questão. Entretanto, parcela da doutrina considerava que apenas em relação à reapreciação da causa, entendida como mérito, estaria presente o efeito devolutivo. (MOREIRA, 2003, p. 259)

          

         Segundo Barbosa Moreira, alguns autores italianos defendiam a limitação do efeito devolutivo apenas às questões que o juízo superior pudesse apreciar de forma automática, independente da iniciativa das partes. Nesse caso, conforme o mencionado autor: "O mecanismo do efeito devolutivo somente seria necessário para explicar a atividade cognitiva em nível mais alto com referência à matéria que não seja objeto de suscitação especificada dos litigantes." (MOREIRA, 2003, pp. 259-260). A questão, porém, estaria superada em relação ao direito brasileiro, dado que o Código de Processo Civil de 1973 adotou a noção genérica do efeito devolutivo. Assim, todo recurso seria provido de efeito devolutivo, consoante lição de Barbosa Moreira (MOREIRA, 2003, p. 259):

[ ... ] De lege lata, há devolução sempre que se transfere ao órgão ad quem algo do que fora submetido ao órgão a quo - algo, repita-se; não necessariamente tudo. Inexiste, portanto, recurso totalmente desprovido de efeito devolutivo, com ressalva dos casos em que o julgamento caiba ao mesmo órgão que proferiu a decisão recorrida o que pode acontecer, [ ... ], e que variem, de um para outro recurso, a extensão e a profundidade do aludido efeito. Aquela - desde já convém observar - nunca ultrapassará os lindes da própria impugnação: no recurso parcial, a parte não impugnada pelo recorrente escapa ao conhecimento do órgão superior, salvo se por outra razao (como nos casos do artigo 475) este se houver de pronunciar ao propósito.

 

                  Quando bem se lê a citação do trabalho de Barbosa Moreira, percebe-se que, tal como nós, também ele entende que nos recursos horizontais não cabe falar em efeito devolutivo. Há aí outro fenômeno que pode chamar-se efeito regressivo, efeito de retratação, etc.

 

         Também Ovídio Batista leciona que somente haveria efeito devolutivo nas situações nas quais o reexame estaria confiado a órgão superior (SILVA, 2000, p. 413):

Nossa doutrina, no entanto, desde os velhos processualistas do século XIX, entende por efeito devolutivo a circunstância de confiar-se o reexame da decisão recorrida a um órgão de hierarquia superior, razão pe1a qual não haveria efeito devolutivo sempre que o exame da controvérsia contida no recurso fosse entregue ao próprio magistrado pro1ator da decisão impugnada. [ ... ]

 

         No caso de nova apreciação da matéria pelo órgão a quo, Ovídio Batista afirma que haveria o efeito de retratação (SILVA, 2003, pp. 415-416):

 

Quando o recurso é interposto a fim de que o próprio juiz pro1ator da decisão recorrida reexamine o que fora por ele próprio decidido, diz-se que o recurso provoca um juízo de retratação, desde que, neste caso, ao contrário daque1e em que ocorra apenas o efeito devo1utivo em toda sua pureza, dá-se ao julgador que tivera sua decisão impugnada a possibilidade de revê-1a e modificá-1a.

 

                 

                  Noutra linha, e agora concordando como Nelson Nery Jr., o objeto da devolutividade constitui o mérito do recurso, ou seja, a matéria sobre a qual deve o órgão ad quem pronunciar-se, provendo-o ou desprovendo-o. As matérias preliminares alegadas normalmente em contrarrazões de recurso, como as de não-conhecimento, por exemplo, não integram o efeito devolutivo do recurso, pois são matérias de ordem pública a cujo respeito o tribunal deve ex officio pronunciar-se. Aduz esse professor que seria mais apropriado dizer-se que esse tipo de questão fica ao exame do tribunal pelo denominado efeito translativo do recurso, dado que o efeito devolutivo é manifestação do princípio dispositivo: somente se devolve ao tribunal a matéria que o recorrente efetivamente impugnou e sobre a qual pede nova decisão.

 

         Em princípio, existe vedação ao órgão a quo para a modificação do julgamento. As exceções consistem nos Embargos de Declaração, em relação aos quais sustentamos que não há efeito devolutivo, e no agravo retido, devido à possibilidade de juízo de retratação. Nessa última hipótese, somente haverá efeito devolutivo diferido, i.e., condicionado à mantença da decisão pelo seu prolator.

 

                   Cabe uma palavra para lembrar que o efeito devolutivo possui duas dimensões: uma horizontal, para caracterizar o quanto da decisão foi impugnada, dado que sempre existe a possibilidade dos chamados recursos parciais, como também que a própria decisão recorrida pode não haver examinado a demanda ou toda a demanda, caso em que o mérito do recurso poderia não coincidir (total ou parcialmente) com o mérito da causa; outra vertical, para caracterizar quais matérias sobem ao exame do órgão encarregado de apreciar a irresignação. Segundo pensamos, na generalidade dos casos, a devolutividade vertical é ampla e se rege muito mais pela quantidade da matéria recorrida do que pelos fundamentos de que possa lançar mão o recorrente. Nesse sentido, a matéria relativa à devolutividade vertical reger-se-ia, sobretudo pelo artigo 515, e seus parágrafos 1º e 2º. Há posições contrárias, sustentando que esses parágrafos são manifestações do efeito translativo, que será examinado logo mais.

 

                   Ressalvamos, quanto ao tema efeito devolutivo, os recursos excepcionais, que são considerados doutrinariamente como recursos de devolutividade estrita, no sentido de que, embora incida o efeito devolutivo, isso somente ocorre com relação à matéria jurídica que pode ser conhecida pela instância de superposição, que não é vocacionada para discussão de matéria de fato. 

 

Efeito suspensivo

 

         Segundo Barbosa Moreira, diz-se que um recurso tem efeito suspensivo quando impede a produção imediata dos efeitos da decisão. O mesmo autor indica que não se trata apenas de impedir a execução imediata, pois há provimentos constitutivos e dec1aratórios, os quais não comportariam execução, que também podem ser impugnados por recurso que possuem efeito suspensivo. Dessa forma, ressalvada exceção contida na lei, a suspensividade abrangeria toda a eficácia da decisão, além de sua eventual força como titulo executivo (MOREIRA, 2003, p. 257).

 

         ParaNelson Nery Jr. (NERY JR., 2004, p. 445):

  O efeito suspensivo é uma qualidade do recurso que adia a produção dos efeitos da decisão impugnada assim que interposto o recurso, qualidade essa que perdura até que transite em julgado a decisão sobre o recurso. Pelo efeito suspensivo, a execução do comando emergente da decisão impugnada não pode ser efetivada ate que seja julgado o recurso. [ ... ]

 

         Ovídio Batista assevera: "Diz-se que determinado recurso possui efeito suspensivo quando sua interposição impede que os efeitos da sentença impugnada se produzam desde logo, prolongando, assim, o estado de ineficácia peculiar à sentença sujeita a recurso." (SILVA, 2000, p. 414)

 

                  Barbosa Moreira critica, com absoluta razão, a denominação efeito suspensivo, porque induziria a supor que, apenas com a interposição do recurso, os efeitos da decisão estariam tolhidos, ou seja, até esse momento a decisão estaria plenamente operante. O mencionado autor observa que:

 

"Na realidade, o contrário é que se verifica: mesmo antes de interposto o recurso, a decisão, pelo simples fato de estar-lhe sujeita, é ainda ineficaz, e a interposição apenas prolonga semelhante ineficacia, que cessaria se não se interpusesse o recurso." (MOREIRA, 2003, p.  )

 

         Nesse mesmo sentido Nelson Nery Jr. (NERY JR., 2004, p. 445): "[ ... ] A decisão que ainda não havia produzido efeitos, porque não prolatada, continua a não produzi-los pelo efeito suspensivo do recurso, pois a eficácia não preexiste à interposição do recurso que não pode, por certo, suspendê-la. [ ... ]" A seguir, o autor, com fundamento nesse excerto, afirma que a suspensividade estaria mais perto da recorribilidade, do que propriamente do recurso. Justifica a assertiva ao afirmar que o efeito suspensivo seria iniciado com a publicação da sentença e permaneceria, pelo menos até o transcurso do prazo oferecido ao interessado para recorrer.

 

         Alerta Barbosa Moreira que, no direito alienígena, há diferença entre suspensividade do recurso e suspensividade do prazo do recurso. No primeiro caso, a eficácia da decisão se daria desde a sua prolação, sendo suspensa uma vez interposto o recurso com efeito suspensivo. No segundo, a decisão não seria eficaz durante o prazo de interposição. Essa diferença existiria no direito belga e no ordenamento francês, neste, até a reforma do código de processo civil de 1965.

 

         Sustenta Nelson Nery Jr. que, no caso de ações cumuladas em relação às quais haja previsão de recursos com efeitos diversos (suspensivo e devolutivo para uma delas e apenas devolutivo para a outra), o efeito suspensivo está restrito apenas à parcela da decisão para a qual haja previsão de recurso dotado de tal efeito, podendo ser objeto de execução provisória o restante dela. (NERY JR., 2004, p. 447)

 

         Em regra, a decisão é exequível, excetuada a interposição de recurso com efeito devolutivo e suspensivo. Barbosa Moreira enuncia os casos que, embora tenha sido manejado recurso dotado de efeito suspensivo, a sentença já opera seus efeitos: "Sao efeitos que, por assim dizer, escapam não só a força inibitória da recorribilidade in genere, mas também — o que e absolutamente excepcional — a força inibitória da recorribilidade por meio suspensivo." (MOREIRA, 2003, p. 479)

 

         A primeira tem pertinência com a prova literal de dívida líquida e certa. Para efeito de concessão de arresto, a sentença, líquida ou ilíquida, pendente de recurso, condenando o devedor ao pagamento de dinheiro ou de prestação que em dinheiro possa converter-se (parágrafo único do artigo 814 do Código de Processo Civil) a sentença já opera efeitos e conduz à adoção de providências práticas.

 

         A segunda hipótese está prevista no inciso II do artigo 822 do Código de Processo Civil: o juiz, a requerimento da parte, pode decretar o sequestro dos frutos e rendimentos do imóvel reivindicando, se o réu, depois de condenado por sentença ainda sujeita a recurso, os dissipar.

 

         A terceira consiste na constituição de título para a hipoteca judicial, prevista no caput do artigo 466 do Código de Processo Civil. Embora não haja previsão explícita na lei, afirma Barbosa Moreira: "Ora, se se concede a hipoteca judiciária mesmo quando a sentença seja provisoriamente exequível, isto é, quando o recurso cabível não tenha efeito suspensivo, a fortiori quando o tenha, e por conseguinte não haja lugar para a penhora ou medida equivalente. Em tal hipótese, precisamente, é que a hipoteca judiciária poderá revelar-se mais útil." (MOREIRA, 2003, pp. 480-481)

 

         Com relação a essa eficácia, Nelson Nery Jr. acrescenta que, embora haja recurso com efeito suspensivo, o juiz pode ordenar providências conservatórias urgentes, bem como não é defeso à parte manejar ação cautelar também para assegurar a eficácia do futuro provimento jurisdicional. Isso, entretanto, segundo pensamos, não tem pertinência com alguma excepcional eficácia da sentença sujeita a recurso com efeito suspensivo. Deveras, sempre é possível tomar alguma das providências sugeridas, ainda que não tenha sido prolatada sentença. Em outras palavras, estão presentes, aí, hipóteses em que a proteção cautelar prometida pelo Estado é possível, independentemente de haver ou não sentença proferida.

 

         Tem-se dito que a regra, no ordenamento jurídico pátrio, é a da suspensividade dos recursos. Para a sua exclusão, há necessidade de norma especial. Nesse sentido, Barbosa Moreira: "E que a regra, na matéria, e a suspensividade, como, aliás, ressumbra do tratamento dado, no particular, à apelação. Por conseguinte, sempre que o texto silencie, deve entender-se que o recurso é dotado de efeito suspensivo: assim ocorre com os embargos infringentes. Esse já era, aliás, o princípio no sistema do Código de 1939." (MOREIRA, 2003, p. 283)

 

         Cogitamos, em passado recente, afirmar, que essa seria uma tendência em transformação,  por acreditar que o legislador estava a caminhar para o abandono da suspensividade como regra, e para a admissão da mais pronta efetividade da prestação jurisdicional, reservando a dação do efeito suspensivo apenas para aquelas situações em que houvesse possibilidade de dano irreversível para o sucumbente, situações em que esse efeito poderia ser conferido pelo próprio juiz, não por previsão legal (ope legis), mas sim porque o juiz encontrasse presentes, no caso concreto, as circunstâncias de dano iminente que sugerisem a sua concessão (ope judicis).

 

          Nesse mesmo período, advertia Ovídio Batista afirmava que a tendência do direito moderno consistia em restringir os recursos com efeito suspensivo. Entretanto, essa tendência não estaria sendo seguida pelo direito pátrio (SILVA, 2000, p. 415). Objetamos que a afirmação contrastava com dados objetivos: primeiro, porque a Lei de Ação Civil Pública já contempla a concessão de efeito suspensivo na modalidade por nós indicada; depois porque hvia projeto de lei tramitando no parlamento  no sentido de alterar o artigo 520 do Código de Processo Civil, justamente visando a alterar a forma de deferimento de efeito suspensivo, como meio de valorizar a decisão proferida mo primeiro grau de jurisdição.

 

Efeito Expansivo

 

                 No que concerne a esse efeito, a melhor sistematização que se conhece está nos trabalhos de Nelson Nery Jr. (NERY JR., 2004, p. 477): "O julgamento do recurso pode ensejar decisão mais abrangente do que o reexame da matéria impugnada, que é o mérito do recurso."

 

                  Para Nélson Nery, o efeito expansivo pode ser objetivo ou subjetivo, interno ou externo. É interno quando ocorre em relação a um mesmo ato impugnado (NERY JR., 2004, p. 478). Como exemplo de efeito objetivo interno, Nelson Nery JR. cita o caso de acolhimento de preliminar de litispendência, que acarreta a invalidação da sentença, com a extinção do processo sem julgamento do mérito. Outro exemplo consiste no provimento do apelo que ataca a questão da existência do an debeatur, que prejudica a questão do quantum debeatur. Também consiste em aplicação desse efeito a reforma de decisão que condenou o réu a indenizar, estendida a condenação às despesas processuais e aos honorários de advogado.

 

         O efeito expansivo externo se dá "relativamente a outros atos praticados no processo, e não apenas ao mesmo ato impugnado" (NERY JR. 2004, p. 478). Por exemplo, o provimento de agravo de instrumento pelo tribunal ad quem, que acarretaria tornar sem efeito os atos processuais praticados posteriormente à sua interposição, que sejam incompatíveis com a sua decisão. Vale dizer que a jurisprudência com relação a esse efeito é extremamente controvertida. Há decisões no STJ que o adotam a há decisões que o hostilizam.

 

                  Também caberia nos efeitos supraindicados a hipótese dos atos praticados no curso da execução provisória da sentença, após o provimento de recurso recebido apenas no efeito devolutivo (NERY JR., 2004, p. 478).

 

         Há também expansão dos efeitos de forma subjetiva, ou efeito expansivo subjetivo. Como exemplo, Nelson Nery Jr. cita o recurso interposto por um dos litisconsortes, no caso de litisconsórcio unitário. Também afirma o mencionado autor, no que concerne à assistência litisconsorcial, que (NERY JR., 2004, p. 479):

 

Nada obstante ser a atividade do assistente litisconsorcial (CPC 54) absolutamente distinta e autônoma da do assistido, o recurso interposto pelo assistente litisconsorcial também aproveita ao assistido, pois a lide é comum aos dois em face do regime da unitariedade litisconsorcial que os une, embora quanto à formação se tratasse de litisconsórcio facultativo. A recíproca é verdadeira: interposto recurso pelo assistido, atingirá a esfera de direito material do assistente litisconsorcial que não recorreu.

 

 

          Também configura efeito expansivo objetivo a interposição de recurso contra decisão condenatória apenas pela seguradora litisdenunciada. Segundo Nelson Nery JR., a seguradora seria assistente simples da ré: "Para a re-denunciante ocorreu prec1usão temporal (não pode mais interpor recurso), mas não se formou, ainda, a autoridade da coisa julgada sobre a sentença, obstada pela interposição da apelação pela seguradora­ denunciada" (NERY JR., 2004, p. 481).

 

         Para fundamentar seu entendimento, Nelson Nery disseca a dimensão do parágrafo único do artigo 509 do CPC (NERY JR., 2004, p. 481):

 

O CPC 509 par.un. não transforma o litisconsórcio simples em unitário, como poderia parecer à primeira vista, mas tão-somente "impõe a extensão dos efeitos do recurso" ao litisconsorte simples que não recorreu, em virtude da solidariedade existente entre os litisconsortes. Na verdade, o dispositivo determina a extensão dos efeitos do julgamento do recurso ao litisconsorte simples inerte, que tern vínculo de solidariedade com o litisconsorte recorrente.

 

         Já foi dito, em caráter prefacial, que não há unanimidade com relação a esses efeitos, Especificamente com relação ao ora estudado, Barbosa Moreira, denominando-o extensivo, observa que era objeto de comentários com frequência entre os processualistas penais italianos (Carnelutti, Del Pozzo, Petrella, Pisapia e Cristiani). Realmente são se trata de urn efeito propriamente dito. O que ocorre é o aproveitamento de urn recurso pelos demais litisconsortes o que implica a extensão subjetiva dos efeitos propriamente ditos (MOREIRA, 2003, pp. 256-257).

 

Efeito Translativo

 

         Normalmente, a atuação do órgão ad quem limita-se ao pedido do recorrente, com fundamento no princípio dispositivo. Entretanto, assevera Nelson Nery Jr que (NERY JR., 2004, p. 482):

 

 Há casos, entretanto, em que o sistema processual autoriza o órgão ad quem a julgar fora do que consta das razões ou contra-razões do recurso, ocasião em que não se pode falar em julgamento extra, ultra ou infra petita. Isto ocorre normalmente com as questões de ordem pública, que devem ser conhecidas de ofício pelo juiz e a cujo respeito não se opera a preclusão (por exemplo, artigo 267 § 3° e 301 § 4°). A translação dessas questões ao juízo ad quem esta autorizada no artigo 515 §§ 1° a 3° e 516.

 

 

                   Já afirmamos, em outro momento, que, diferentemente do que sustentado pelo Professor Nélson Néry, a hipótese, aí, é de efeito devolutivo e não translativo, que, segundo pensamos, deve ser limitada a questões de ordem pública. A abrangência dos §§ 1º e 2º do artigo 515 ultrapassa em muito essas questões.

 

         Estamos acordes, porém, em que as questões de ordem pública podem ser analisadas pelo tribunal, assim como as questões dispositivas que não foram analisadas pelo juízo a quo, embora tenham sido suscitadas e debatidas (NERY JR., 2004, pp. 482-483).

 

         Quadra consignar que, quando se trata do exame de matérias por força do efeito translativo, em sede de doutrina, não se cogita da incidência ou não-incidência da proibição da reformatio in pejus. Dizendo de outra forma, se se trata de efeito translativo, pode haver eventual agravamento da situação do recorrente. Pelos mesmos motivos, não caberia falar em proibição da reformatio in pejus quando se tratasse de hipóteses relativas ao duplo grau de jurisdição obrigatório (artigo 475 do CPC), até porque, na hipótese, de recurso não se trata. Sem embargo disso, a jurisprudência do STJ tem se solidificado no sentido de que, também nessas circunstâncias não cabe ao Tribunal agravar a situação da Fazenda Pública.

 

         Questão interessante é observada quando o autor postula a condenação do réu pelas verbas x e y. O pedido é julgado procedente. Entretanto, o réu apela apenas da verba x, ou seja, há recurso parcial. Na instância superior é observada ofensa a questão de ordem pública. Fica a indagação sobre se houve formação de coisa julgada em relação à verba y, ou seja, se haveria a desconstituição da sentença apenas no que concerne a x, ou se poderia haver a desconstituição completa da sentença.

 

         Barbosa Moreira apoia a primeira hipótese (MOREIRA, 2003, p. 356):

 

Por outro lado, quaisquer questões preliminares, embora comuns à parte impugnada e à parte não-impugnada da decisão, só com referência àquela podem ser apreciadas pelo tribunal do recurso. Suponhamos, v.g., que a sentença, repelindo a alegação de faltar ao autor legitimatio ad causam, condene o réu ao pagamento de x. Apela o vencido unicamente para pleitear a redução do quantum a y. Ainda que o órgão ad quem se convença da procedência da preliminar - que em princípio, como é óbvio, levaria à declaração da carência da actio quanta ao pedido todo -, já que não lhe será lícito pronunciá-la senão no que respeita a x-y, única parcela que, por força do recurso (e ressalvada a eventual incidência de regra como a do artigo 475, nº I, que torne obrigatória a revisão), se submete a cognição do juízo superior. No tocante a parcela y, que não é objeto da apelação - nem, por hipótese, se devolve necessariamente -, fica vedada ao tribunal exercer atividade cognitiva: o capítulo correspondente passou em julgado no primeiro grau de jurisdição.

 

O mesmo princípio aplica-se a hipótese de só versar a impugnação sobre um ou alguns dos capítulos recorríveis, embora com invocação de vício que, se existente, poderia acarretar a invalidação total da decisão. Assim, v.g., se o réu, condenado a pagar x+y, funda a sua apelação na denúncia de suposto error in procedendo, mas pleiteia unicamente a anulação da sentença quanto a x. Mesmo que o tribunal conheça do vício, e este afete por inteiro o julgamento de primeiro grau, não se poderá anular a decisão no concernente a y; tal capítulo transitou em julgado.

 

 

                  Nelson Nery Jr. Abre dissidência (NERY, JR. 2004, p. 485):

[ ... ] A tão-só interposição do recurso, em virtude do efeito translativo, faz com que fiquem transferidas ao reexame do tribunal destinatário as matérias de ordem pública, dentre as quais se inclui a relativa às condições da ação (CPC 267 § 3°). A interposição do recurso adiou o trânsito em julgado quanta a essas matérias de ordem pública, muito embora tivesse havido preclusão para o réu quanta à verba y, que não foi objeto das razões e do pedido constante do apelo. [ ... ]

 

          Hoje em dia, há dúvida sobre se o efeito translativo é cabível "nos recursos excepcionais (recurso extraordinário, recurso especial, e embargos de divergência)". A jurisprudência do STJ é extremamente pendular a esse respeito. Ora admite que, tendo sido conhecido o recurso especial, deve examinar as questões cognoscíveis de ofício; ora afirma que o conhecimento dessas matérias não está infenso ao  presquestionamento.

 

Efeito substitutivo        

 

         O efeito substitutivo não é um efeito propriamente do recurso. É um efeito do julgamento do recurso, que, por força do disposto no artigo 512 do CPC, faz com a decisão de mérito do recurso substitua integralmente a decisão recorrida na exata medida do recurso e da decisão nele proferida.

 

         Para haver efeito substitutivo há necessidade de o recurso ser admitido, e ser analisado no mérito. O efeito substitutivo também ocorre no caso de ser negado provimento ao recurso:

[ ... ] Tanto no caso de provimento como no de improvimento, somente existe efeito substitutivo quando o objeto da impugnação for error in iudicando e, portanto, o tribunal ad quem tiver de manter ou reformar a decisão recorrida. Quando, ao contrário, se tratar de recurso que ataque error in procedendo do juiz, a substitutividade somente ocorrerá se negado provimento ao recurso, pois, se este for provido, anulará a decisão recorrida e por óbvio não poderá substituí-la. NERY JR.., 2004, P. 489)

 

         Barbosa Moreira, ao analisar o artigo 512 do CPC, denominando não efeito, mas, corretamente, função substitutiva do recurso, sustenta que somente haveria substituição no caso de error in iudicando, tanto nas hipóteses de denegação como de provimento do recurso. Dessa forma, exclui o efeito substitutivo ao recurso que teve provimento negado, quando este tiver impugnado apenas error in procedendo:

[ ... ] É claro que não se pode estar aludindo senão às hipóteses [em] que  tribunal conhece do recurso, lhe aprecia o mérito. Nas outras, seria absurdo cogitar-se de substituição: não se chegou sequer a analisar, sob qualquer aspecto, a matéria que, no julgamento inferior constituiria objeto da impugnação do recorrente.

[ ... ], mesmo quando se conhece do recurso, tanto pode acontecer que o objeto da atividade cognitiva exercida pelo órgão ad quem coincida (ao menos do ponto de vista qualitativo) com o objeto da atividade exercida pelo órgão a quo (casos de impugnação por error in iudicando), como é possível que, na instância superior, seja diverso o objeto da cognição (casos de impugnação por error in procedendo). E a diferença é re1evantíssima, ao ângulo que agora os situamos: só no primeiro grupo de casos e que se falará, com propriedade, de "substituição" da decisão recorrida pelo julgamento do recurso; unicamente aíi, com efeito, passará a decisão do órgão ad quem a ocupar o lugar daquela.

 

 

RECURSOS EM ESPÉCIE

 

 

               Recurso de Apelação

 

 

          

                  A apelação é o recurso por excelência, recurso de fundamentação livre, que se presta, na forma do art. 514 do Código de Processo Civil, a impugnar a sentença proferida pelo juiz do primeiro grau de jurisdição, seja ela sentença que tenha resolvido o mérito da causa, seja ela sentença de natureza meramente processual, como a sentença que extingue o processo sem resolução de mérito, na forma do art. 267 do Código de Processo Civil.

 

                  Anote-se que há algumas sentenças das quais não cabe recurso de apelação, tais assim as proferidas nos juizados especiais de pequenas causas, tanto federais como estaduais, que desafiam apenas e tão somente o recurso previsto na sua própria regência (recurso inominado), as de que trata o art. 34 da Lei nº 6.830, de 1980, das quais somente cabem embargos infringentes, e aquelas proferidas em situações previstas por juízes federais, na forma da competência estabelecida no art. 109,     , da Constituição Federal, que somente podem ser hostilizadas por meio de recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça, na forma do disposto no art. 105, II, da Constituição Federal.

 

         Consoante já afirmado em outro momento, a história do recurso de apelação confunde-se com a história do Direito Romano, especificamente com o início do período da cognitio extraodinem, quando a sentença deixou de ser proferida por um cidadão qualquer e passou a sê-lo por um funcionário do Estado. Desse momento em diante, pode-se dizer que ocorreu a institucionalização do recurso de apelação. Assemelhava-se, nos primeiros momentos, a uma súplica dirigida ao superior hierárquico do prolator da decisão judicial com o objetivo de reformar a decisão desfavorável. Somente mais tarde, no direito intermédio com o surgimento da querela nulitatis (sanabilis e insanabilis) é que o recurso de apelação passou a ser veículo de inconformação apto a alçar ao tribunal ordinário também os vícios de natureza processual (nulidades processuais), com o objetivo de cassar a sentença proferida. A matéria será mais bem examinada quando cuidarmos da ação rescisória.

 

                   Não obstante o Código de Processo Civil seja extremamente generoso no que concerne à forma dos atos processuais, é bom que se diga que, no concernente aos recursos em geral e, no que nos interessa agora, no que diz com o recurso de apelação, a regra que prevalece é a da regularidade formal. O apelante há de seguir adequadamente as regras que lhe são impostas no artigo 514 do Código, que estabelece o que deve conter um recurso da espécie.

 

                   Na prática da advocacia criou-se o costume de seccionar o recurso de apelação em duas partes: a primeira, uma espécie de folha de rosto, devidamente datada e assinada, dirigida ao juiz que prolatou a sentença, em que o recorrente assevera sua inconformação com a decisão que lhe foi desfavorável, indica que está a recorrer, naquele momento, e pede a remessa das razões de recurso, com o comprovante do pagamento do preparo (quando for o caso) e do porte de remessa e de retorno ao tribunal competente para o julgamento do recurso; a segunda, dirigida ao tribunal, com a narração da situação fático-jurídica até aquele momento, dos principais aspectos da sentença que lhe foi desfavorável, e indicação das razões de direito processual e material que substanciam a fundamentação recursal e, finalmente, com o pedido de cassação ou reforma da decisão, com o fecho igualmente datado e assinado.

 

                   Embora essa divisão em duas peças, embora esteja incorporada na prática da advocacia, não é obrigatória. O advogado pode optar por fazer tudo em uma única peça, desde que estejam atendidos todos os requisitos exigidos pelo art. 514 do Código de Processo Civil: ser dirigida ao juiz, os nomes e qualificação das partes (no mais das vezes, a qualificação é desnecessária porque já existente na petição inicial e na contestação), os fatos e fundamentos de direito e o pedido de reforma de nova decisão. Cabe o registro adicional no sentido de que o advogado não deve olvidar de apor sua assinatura na petição do recurso de apelação. Se não o fizer, entretanto, deverá a autoridade julgadora ensejar oportunidade a que o advogado supra a falta no prazo que lhe for deferido.

                  Com a interposição do recurso de a apelação, por força do disposto no art. 515 do Código, é devolvido ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada, como foi visto quando tratamos do efeito devolutivo, Esclarece o § 1º desse mesmo artigo que serão objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro. Implica dizer, por força do mesmo efeito devolutivo, as questões controvertidas no processo, que deveriam encontrar decisão e solução adequada na sua sede própria, a sentença, mesmo que tenham sido olvidadas pelo juiz de primeiro grau, deverão ser examinadas pelo tribunal que lhe é superior. Também assim, certas questões que deveriam encontrar desate em momento anterior à sentença (v.g., a apreciação da impugnação do valor da causa, ou a deliberação sobre o pedido de justiça gratuita), por meio, por exemplo, de uma decisão interlocutória, serão no julgamento da apelação examinadas, por força do disposto no art. 516 de Código.

                  Também já dissemos em momento anterior, estamos alinhados dentre aqueles que entendem tratar o § 2o do art. 515 de uma especial hipótese de efeito devolutivo, Assim, quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais. Não se faz necessária a reiteração dos fundamentos do pedido ou da defesa. O que importa é hostilizar a decisão, a sentença, com a demonstração dos errores em que incidiu e indicar qual a dimensão do pedido de reforma. Qualquer fundamento constante da inicial ou da contestação que tenha pertinência com a dimensão do pedido de reforma poderá e deverá ser examinado pelo Tribunal, por força do efeito devolutivo.

                   Cabe, aqui, uma palavra sobre a adição do parágrafo 3º ao artigo 515, por força da Lei nº 10.352, de 2001, parágrafo esse que acolheu a teoria da causa madura para permitir ao tribunal o imediato julgamento de mérito das ações em grau de recurso de apelação de sentença que houvesse extinguido o processo sem resolução de mérito. Antes do advento desse fragmento legal, o tribunal, em homenagem e acatamento à dimensão horizontal do efeito devolutivo, somente considerava a pertinência da irresignação quanto à matéria que conduzira o magistrado a extinguir o processo sem exame de mérito.

                  Se desse provimento à apelação, deveria determinar o retorno dos autos à vara de origem a fim de que o juiz do primeiro grau de jurisdição prosseguisse no exame do feito e proferisse sentença de mérito. E assim fazia o tribunal para que a parte não pudesse supressão de instância: o julgamento de mérito competiria sempre aos juízes de primeiro grau    , e o juízo de revisão caberia aos tribunais. Com o novo § 3º do art.515, essa perspectiva sofreu forte câmbio, com a permissão aos magistrados para apreciação direta da matéria meritória, desde que a matéria processual, ou eventual alegação de ausência de condições da ação (que funcionara para o magistrado do primeiro grau como causa da extinção do processo sem julgamento de mérito) tivesse sido superada pelo tribunal e a questão não comportasse mais a necessidade de produção de provas, além da anteriormente realizada. Assim, por exemplo, se tiver ocorrido a instrução probatória, com indicação das partes em conflito de que não há mais provas a produzir, e o juiz vier a extinguir o processo sem julgamento por ilegitimidade ativa para a causa, o tribunal poderá, uma vez superada a questão da ilegitimidade, adentrar no exame de todas as outras questões de mérito e julgar a demanda, sem considerar o fato de que o juiz de primeiro grau ainda não o fizera.

                   É certo que essa nova perspectiva sofreu algumas objeções doutrinárias, com a alegação de que o novo preceito normativo padeceria de inconstitucionalidade por ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição que informa o nosso direito processual. Penso que a objeção não merece prosperar, porque o princípio invocado não é absoluto e porque, de igual estatura constitucional (art. 5º, LXXVI), o princípio da razoável duração do processo sustenta a constitucionalidade da inovação introduzida no Código de Processo Civil, que deve primar pela efetividade, pela pronta resposta jurisdicional ao cidadão que a requereu.  

                   Com isso, o Código de Processo Civil atende aos anseios da sociedade civil de maior efetividade na entrega da prestação jurisdicional. No mesmo diapasão, é dado ao Tribunal de Justiça ao verificar a ocorrência de nulidade sanável determinar a realização ou renovação do ato processual; uma vez cumprida a diligência, e sempre que possível, o tribunal prosseguirá no julgamento da apelação. Evidentemente, se se tratar de nulidade insanável, não será possível a utilização desse mecanismo. 

                   No mesmo intuito de privilegiar a efetividade processual, o legislador previu a possibilidade de se alegar, em grau de apelação, matéria de fato que, por motivo de força maior não tenha sido alegada perante o juízo de primeiro grau de jurisdição. Bem é de ver que, em hipóteses dessa natureza, é possível imaginar mesmo a abertura de uma instrução probatória perante o tribunal. Deveras, se é possível trazer questões de fato ainda não alegadas, então há de ser possível sobre essas questões produzir prova (qualquer espécie de prova), com a necessidade de abrir-se uma fase de instrução no fluir do recurso de apelação. A colheita da prova será dirigida pelo relator do recurso e por ele realizada pessoalmente, ou por meio de carta de ordem para o juízo do primeiro grau da comarca em que a prova deva ser produzida.

                        Bem é de ver que o § 1o  do art. 518 do CPC  impõe ao magistrado do primeiro grau de jurisdição, em exame de admissibilidade, o dever de não receber o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. Tem-se aqui, com novo desenho, a ideia da súmula impeditiva de recurso, que frequentou várias versões da PEC nº 29 (Reforma do Judiciário), mas que acabou abandonada na versão final, que deu origem à Emenda Constitucional nº 45, de 2004. Reciclada, foi apresentada ao Congresso Nacional como texto infralegal, com hospedagem garantida no Código de Processo Civil. A tese central é a de que há uma espécie de efeito vinculante das decisões dos dois tribunais de superposição capaz e impedir o acesso da parte a qualquer outro órgão da jurisdição, desde que a sentença proferida esteja na conformidade das súmulas desses tribunais. Dizendo de outra forma, para que incida a norma consagrada nesse parágrafo, impõe-se que a sentença esteja calçada em súmulas do STF e do STJ.

                  Não obstante a clareza do dispositivo, a sua aplicação deve ser parcimoniosa. Não basta o amparo sumular. É necessário que se verifique se o âmbito de incidência da súmula (material, pessoal, temporal, espacial) encontra-se ajustado à questão de que trata a sentença. Quantas e quantas vezes já não se viu algum órgão do Judiciário fazer inadequada eleição da norma de regência da pretensão submetida a seu exame? Então, por que razão deve ser afastada, prima facie, a possibilidade de a mesma coisa acontecer com a aplicação da súmula? É bem verdade que a ideia que informa a edição sumular é justamente a de aumentar o coeficiente de densidade de certa norma jurídica e de reduzir as hesitações sobre sua aplicabilidade. Isso não quer dizer, entretanto, que essas dificuldades e hesitações desparecem por completo, quando por outro motivo não seja, pela natural humanidade do prolator da decisão judicial.

                  É importante, por isso, haver critério na aplicação do dispositivo ora em exame, que criou esse novo pressuposto de (in)admissibilidade do recurso de apelação.

                   Cabe mais um apontamento a respeito do tema. A concepção desse novo pressuposto tem de ser vista sob um duplo aspecto: primeiro, objetiva privilegiar a jurisprudência das cortes de superposição (o que era impositivo apenas com relação às súmulas vinculantes do STF passa a ser impositivo para as partes com relação às súmulas do STF e do STJ); segundo, visa a desafogar o trabalho dos tribunais do País, que, em tese, passam a receber um número menor de recursos de apelação.

                   Justamente para atender a esse desiderato, o legislador permitiu, a partir de 2006 (Lei nº 11.276) que o juiz reexaminasse, em cinco dias, após a apresentação das contrarrazões de apelação, os pressupostos de admissibilidade do recurso. Implica dizer, o legislador conferiu ao magistrado o poder de, após advertido pela parte recorrida, voltar atrás na decisão que admitiu o recurso para interditar a sua progressão para o segundo grau de jurisdição.

                  Na forma do disposto no art. 520, o recurso de apelação é recebido tanto no efeito devolutivo quanto no suspensivo. Há, todavia, hipóteses expressamente previstas naquele dispositivo, em que o recurso é recebido apenas no efeito devolutivo, quando interposto de sentença que: homologar a divisão ou a demarcação; II - condenar à prestação de alimentos; IV - decidir o processo cautelar; V - rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes; VI - julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem. VII – confirmar a antecipação dos efeitos da tutela.

Faltam: Agravo, embargos infringentes, embargos de declaração.

             

RECURSO EXTRAORDINÁRIO

 

 

I.            Achegas Históricas

 

 

         A história do Recurso extraordinário está umbilicalmente ligada à História da instituição da República e da Federação no Brasil. Deveras, ao copiarmos o modelo adotado pelos Estados Unidos da América do Norte (e que já havia sido também adotado pela nossa vizinha Argentina), trouxemos a idéia de uma Corte Federal, destinada à preservação da Federação e da aplicação uniforme da lei federal em todo o território nacional.

 

         Nos Estados Unidos, a competência recursal da Suprema Corte dava-se por meio da appellate jurisdicion, relativamente a certas causas que tivessem sido julgadas pelos órgãos jurisdicionais de estatura inferior no âmbito da União. No entanto, com o judiciary act de 1789, atribuiu-se-lhe competência para rever as decisões (de última instância) dos tribunais de justiça dos Estados, por meio do writ of error (que foi, após, rebatizado de appeal pelo Judiciary act de 1925), quando o tema estivesse vinculado à constitucionalidade das leis, à legitimidade das normas estaduais, aos títulos, direitos, privilégios e isenções que tivessem pertinência com a Constituição e com os tratados e leis da União. Além dessa possibilidade de revisão por meio do Writ of error, cogitava-se, também, da utilização do certiorari, sendo certo, porém, que, nessa hipótese, a Corte poderia ou não, em exercício puramente discricionário (o que não acontecia em relação ao instituto anterior). Esse último instituto acabou por prevalecer, sendo, hoje, reconhecido, o claro poder da Corte de examinar ou não, quaisquer processos em grau de apelo extremo, fulcrada no exercício do poder discricionário. 

        

         No Brasil, já com o Decreto nº 510, de 22.06.1890, ainda sem o nome de recurso extraordinário, verifica-se a inserção desse recurso no ordenamento jurídico brasileiro (artigo 58, § 1º). Na mesma esteira, o Decreto nº 848, de 11.10.1890, que organizou a justiça federal brasileira, o adotou no artigo 9º, parágrafo único[9].

 

         A primeira Constituição da República, de 24.02.1891, dispunha, no seu artigo 59:

Artigo 59. Ao Supremo Tribunal Federal compete:

1. (omissis)

2. Julgar, em gráo de recurso, as questões resolvidas pelos juizes e Tribunaes Federaes, assim como as de que tratam o presente artigo, § 1º, e o artigo 60.

....

§ 1º Das sentenças das justiças dos Estados em ultima instancia haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal:

a) quando se questionar sobre a validade ou a applicação de tratados e leis federaes, e a decisão do tribunal do Estado for contra ella;

b) quando se contestar a validade de leis ou de actos dos governos dos Estados em face da Constituição ou das leis federaes, e a decisão do tribunal do Estado considerar validos esses actos, ou essas leis impugnadas.[10] [11]

 

                  Observam-se, aí, hipóteses que coincidem com o tema dos recursos extraordinários, quando se tratasse de decisão da justiça dos Estados (as decisões da justiça federal eram julgadas em grau de recurso ordinário), ainda sem a denominação, que somente vai ser adotada, em primeiro lugar, com edição do primeiro regimento interno do Supremo Tribunal Federal, de 26 de fevereiro de 1891. Em termos de legislação ordinária, essa denominação aparece no artigo 24 da Lei nº 221, de 1894, e, a partir daí, pode-se considerar que foi consagrada. 

 

         Em sede constitucional, a denominação aparece na Constituição de 1934, que trocou a denominação do STF para Corte Suprema, e dispôs, no artigo 76:

        

Artigo 76. Á Corte Suprema Compete:

         ....

2. Julgar:

....

III. Em recurso extraordinario, as causas decididas pelas justiças locaes em unica ou ultima instancia:

a) quando a decisão for contra literal disposição de tratado ou lei federal, sobre cuja aplicabilidade se haja questionado;

b) quando se questionar sobre a vigência ou a validade de lei federal em face da Constituição, e a decisão do tribunal local negar applicação á lei impugnada;

c) quando se contestar a validade de lei ou acto dos governos locaes em face da Constituição, ou de lei federal, e a decisão do tribunal local julgar valido o acto ou a lei impugnado;

d) quando occorrer diversidade de interpretação definitiva de lei federal entre Côrtes de Appellação de Estados diferentes, inclusive do Districto Federal ou dos Territórios, ou entre um destes tribunaes e a Côrte Suprema, ou outro tribunal federal.

 

                  A Constituição de 1937 retornou à antiga denominação (Supremo Tribunal Federal) e dispôs no artigo 101:

 

Artigo 101. Ao Supremo Tribunal Federal compete:

 

 III — julgar, em recurso extraordinário as causas decididas pelas justiças locais em única ou última instância:

a) quando a decisão for contra a letra de tratado ou lei federal, sobre cuja aplicação se haja questionado;

b) quando se questionar sobre a vigência ou validade de lei federal em face da Constituição e a decisão do tribunal local negar aplicação à lei impugnada;

c) quando se contestar a validade de lei ou ato dos governos locais em face da Constituição ou de lei federal, e a decisão do tribunal local julgar válida a lei ou o ato impugnado;

d) quando decisões definitivas dos Tribunais de Apelação de Estado diferentes, inclusive do Distrito Federal ou dos Territórios, ou decisões definitivas de um dêstes Tribunais e do Supremo Tribunal Federal derem à mesma lei federal inteligência diversa.

 

         A Constituição de 1946 inovou (sem que isso tenha tido repercussão na jurisprudência pátria como se verá no momento oportuno), ao dispor, no artigo 101, de forma apenas parcialmente semelhante:

 

Artigo 101. Ao Supremo Tribunal Federal compete:

....

III — jogar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais ou juízes:

a) quando a decisão for contrária a dispositivo desta Constituição a letra de tratado ou lei federal;

b) quando se questionar sobre a validade de lei federal em face desta Constituição, e a decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada;

c) quando se contestar a validade de lei ou ato de governo local em face desta Constituição ou de lei federal, e a decisão recorrida julgar válida a lei ou o ato;

d) quando na decisão recorrida a interpretação da lei federal invocada fôr diversa da que lhe haja dado qualquer dos outros tribunais ou o próprio Supremo Tribunal Federal.

        

        

         A Constituição de 1967 dispôs:

Art 114 - Compete ao Supremo Tribunal Federal:

....       

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas, em única ou última instância, por outros Tribunais, quando a decisão recorrida:

 a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência a tratado ou lei federal;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato do Governo local, contestado em face da Constituição ou de lei federal;

d) dar à lei federal interpretação divergente da que lhe haja dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal.

 

        

         A Emenda Constitucional nº 1 de 1969 não inovou na matéria, dispondo, no artigo 119:

 

Artigo 119. Compete ao Supremo Tribunal Federal:

.......

 

 III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais, quando a decisão recorrida:

 a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência de tratado ou lei federal;

 b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

 c) julgar válida lei ou ato do govêrno local contestado em face da Constituição ou de lei federal; ou

 d) der à lei federal interpretação divergente da que lhe tenha dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal.

 

 

         Finalmente, a Constituição de 1988, já com a redação da Emenda Constitucional nº 45, estabeleceu:

 

Artigo 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

..........

 

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

 

 

                  É esse o regramento constitucional positivo que informa o exame que passa a ser feito sobre o recurso extraordinário.

 

II. A natureza do recurso extraordinário

 

                  Como resulta do rápido apanhado histórico que se fez, o nosso recurso extraordinário tem origem no writ of error e no certiorari norte-americanos, e tem como objetivo a preservação da supremacia da constituição e da unidade da federação. Costuma-se dizer, nesse sentido, que o recurso extraordinário não é um recurso com função precípua de realização da justiça. É claro, o cidadão, quando avia o seu recurso extraordinário, normalmente não se preocupa com as mazelas que uma lesão pode causar à Carta Política. O seu objetivo mais imediato e a suposta reparação de um direito subjetivo eventualmente desrespeitado. Para o Estado, entretanto, o que está em jogo são outros valores objetivamente considerados, de natureza constitucional e que visam à própria preservação do Estado e da estrutura para ele preconizada pelo poder constituinte.

 

                   Bem examinado, o recurso extraordinário prestava-se a funcionar como último elo da cadeia de controle de constitucionalidade por via incidental, isto é, da técnica de controle em que o bem da vida perseguido pelas partes tinha como pressuposto o reconhecimento (incidenter tantum) de que determinada norma legal era compatível ou incompatível com o texto constitucional que estivesse vigendo. A decisão proferida no recurso extraordinário, entretanto, somente fazia coisa julgada em relação às partes.

 

                   Como, todavia, o raciocínio disseminado no seio da advocacia (e da sociedade leiga) não percebia as qualidades e especificidades do recurso extraordinário, rapidamente passou-se a acreditar que ele constituiria uma espécie de terceiro grau de jurisdição a que todos deveriam ter acesso, máxime porque, diversamente do que acontecera no direito norte-americano — que se baseara também no certiorari, por meio do qual era pacificamente admitido o poder discricionário da Suprema Corte para deliberar se iria ou não examinar determinado pedido de revisão —, no direito brasileiro, o entendimento era o de que havia um direito absoluto ao recurso, desde que atendidos os pressupostos previstos nas diversas constituições republicanas. 

 

                   É certo que as três primeiras constituições republicanas deixavam bastante evidenciado que seria necessário, para que o cidadão tivesse acesso ao Supremo Tribunal Federal, que a matéria teria pertinência com a letra de tratado ou lei federal sobre cuja aplicação se houvesse questionado.

 

                   Passou-se a ter como certo que, além dos pressupostos e requisitos genéricos, i.e., comuns a todos os recursos, o extraordinário, até por inserir-se na categoria dos recursos de fundamentação vinculada, teria pressupostos específicos, dentre os quais avultava o do questionamento (após, prequestionamento), na instância da qual se recorria, da aplicabilidade do tratado ou lei federal. Mais: considerava-se ocorrido o prequestionamento quando tivesse havido debate sobre o tema no âmbito do colégio julgador. Não bastava que a matéria tivesse sido simplesmente apontada no recurso de apelação pela parte interessada. Era necessário que sobre ela o tribunal se houvesse pronunciado.

 

                   Ocorre que essa exigência deixou de ter assento constitucional desde a Constituição de 1946. Dizendo de outra forma, a partir de 1946 não seria mais possível ao Supremo Tribunal Federal exigir o requisito do prequestionamento. Parcela da doutrina tenta sustentar que o requisito do prequestionamento está mantido por força da expressão “causas decididas” que consta no inciso III do artigo 102. O argumento vale zero. A uma porque de causas decididas não se pode, nem por larga concessão hermenêutica inferir a necessidade do prequestionamento. Causas decididas quer dizer causas em que houve deliberação judicial. A duas porque as constituições de 1934 e 1937 possuíam nos incisos III dos arts. 76 e 101, respectivamente, a mesma expressão “causas decididas”, mas, nas alíneas “a” havia a exigência de que tivesse havido questionamento sobre a matéria federal. Dizendo de forma bem clara: a exigência do questionamento sempre esteve lançada na alínea “a” e não na cabeça do inciso dessas constituições.

                   Quando o legislador constituinte efetuou a modificação na redação das alíneas “a” dos textos constitucionais subsequentes (ressalvada a hipótese de cochilo do constituinte, o que não se pode presumir) fê-lo porque entendeu necessário mudar o sistema. Se antes o exigia, depois deixou de fazê-lo.

 

                   Sem embargo da clara modificação constitucional, o Supremo Tribunal Federal continuou a exigir o requisito do prequestionamento, chegando a editar a súmula nº 282, dispondo que é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada. Ora, com certeza, a edição da súmula em questão, que não homenageia o direito constitucional brasileiro, ocorreu como forma de impedir que o STF sucumbisse literalmente sobre o peso dos recursos que desabariam sobre ele após a supressão da exigência constitucional do prequestionamento. Assim, a medida preconizada na súmula atende muito mais à necessidade de construção de uma jurisprudência defensiva (como tem sido apelidado esse fenômeno) do Supremo Tribunal Federal do que propriamente ao direito que passou a vigorar com a Constituição de 1946. Com ela, o STF corrigiu o fato de que nossa cultura não havia importado a discricionariedade na admissão dos recursos extraordinários (para se ter uma ideia, em apenas dois anos --2004/2005 – o Supremo Tribunal Federal recebeu em seu protocolo um número de processos superior a todos os que foram julgados pela Suprema Corte norte-americana em toda a sua história.).

 

                   Daí em diante, e sem embargo de nenhuma constituição brasileira ter repetido a exigido o prequestionamento, permaneceu inalterado o posicionamento da Corte quanto a esse requisito. É bem verdade que outros mecanismos constitucionais foram criados visando a dar ao Supremo Tribunal Federal outras formas de exercer o poder discricionário sobre a subida de recursos extraordinários de modo a permitir que o STF continuasse funcionando. Deveras, a Emenda Constitucional nº 1 de 1969 dispôs no parágrafo único do artigo 119 que as causas a que se refere o item III, alíneas “a” e “d” deste artigo serão indicadas pelo Supremo Tribunal Federal no regimento interno, que atenderá à sua natureza, espécie ou valor pecuniário. E, realmente, o Regimento Interno, desde 1970, passou a prever no artigo 308 hipóteses nas quais não se admitia o cabimento do recurso extraordinário, sempre ressalvando que essas limitações que criara não incidiriam quando se tratasse de ofensa à Constituição ou discrepância da decisão recorrida com a assim chamada jurisprudência dominante da casa. Logo após, em 1975, com a Emenda Regimental nº 3, o STF alterou o artigo 308 do seu Regimento para adotar a chamada argüição de relevância da questão federal em substituição à formula exceptiva que acaba de ser mencionada[12].

 

         A arguição de relevância passou a ser considerada como um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, sendo, nas palavras do Ministro Vitor Nunes Leal, a melhor forma de aliviar a sobrecarga de trabalho em que se encontrava o STF[13]. Percebe-se que a arguição era uma tentativa de aproximar o Recurso Extraordinário de seu símile norte-americano, dando-lhe dignidade e estatura de sorte que o STF pudesse preocupar-se somente com aquelas questões que considerasse realmente importantes ou significativas para justificar uma revisão.

                           

         Procedimentalmente, a arguição era ofertada na própria petição de recurso extraordinário, em capítulo destacado daquele em que se apresentavam as razões do recurso propriamente dito e nelas a parte buscava superar os óbices regimentais, expondo as razões por que entendia que naquele específico caso estariam presentes elementos de natureza jurídica, social, etc., que extrapassariam os lindes da causa, a sugerir a necessidade de deliberação da Corte maior.

 

                   Ocioso lembrar que o instituto foi objeto de críticas porque a relevância, tal como concebida, de forma discricionária, poderia conduzir ao arbítrio por parte dos Juízes da Corte, ou no sentido de que a relevância é um dado axiológico que deve ser ponderado pelo legislador ao momento da edição da norma jurídica primária e não pelo julgador, ao momento de sua aplicação. Ora, a idéia da discricionariedade em relação à admissão do RE é justamente fundada no fato de que um cidadão tem direito a um duplo grau de jurisdição, não mais do que isso. Não há um terceiro ou quarto grau de jurisdição. Ao depois, dizer que ponderações axiológicas são prerrogativa do legislador e não do aplicador da lei é afirmação destituída de qualquer fundamento lógico. Ao contrário, não se pode conceber a adequada aplicação da norma jurídica sem considerar a sua dimensão axiológica.

 

                   Vale lembrar que, não obstante a defesa que fazemos da arguição de relevância, o fato é que, talvez por se tratar de instituto nascido na época da ditadura militar, a Constituição de 1988 não acolheu esse requisito de admissibilidade, com o que o Supremo Tribunal deixou de contar com o filtro de que dispunha para selecionar as demandas a examinar, o que teve como consectário natural o aumento da carga de recursos extraordinários em condições de ir a julgamento (independentemente de o STF continuar utilizando aquele malsinado critério do prequestionamento.)

 

              Nem por outro motivo, a Emenda Constitucional nº 45 reinseriu na Carta Política outra e necessária forma de filtro, por meio do qual o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

              Semelhantemente à arguição de relevância, a repercussão geral é um pressuposto específico de admissibilidade do Recurso extraordinário, cujo exame compete exclusivamente ao STF, diferentemente do que acontece com os demais pressupostos de admissibilidade, que podem ser valorados pelo presidente ou vice-presidente do tribunal a quo. Certamente que a doutrina será capaz de encontrar formas distintivas entre um instituto e outro (um é includente; outro, excludente. Um tem presumida a existência; outro, a inexistência, etc.), mas, na essência, são a mesma coisa. As diferenças são mais pertinentes ao procedimento da repercussão geral, que será examinado mais à frente.

              Adicione-se a isso o instituto da súmula vinculante -- recém-inserido no ordenamento constitucional brasileiro --, que tem conexão com a atividade do STF relativa ao julgamento dos recursos extraordinários e se terá uma nova configuração do recurso extraordinário: cada vez mais o RE deixa de ser o último elo na cadeia do controle de constitucionalidade incidental para se tornar mais um instrumento de controle in abstracto de constitucionalidade naquilo que já vem sendo chamado, não sem razão, de objetivação do recurso extraordinário, numa evidente alusão ao fato de que o controle abstrato de constitucionalidade se faz por meio de processos objetivos, não de partes.

 

Hipóteses de cabimento

                   Com o advento da Constituição de 1988, houve o desdobramento do recurso extraordinário em recurso extraordinário e recurso especial, numa espécie (que não chega a ser inusitada) de divisão de competência funcional, em que dois órgãos da jurisdição são chamados a examinar diferentes matérias num mesmo processo. Ao STF coube o exame da matéria de natureza constitucional. Ao então criado Superior Tribunal de Justiça coube a última palavra sobre juízos de legalidade e sobre a uniformização do entendimento sobre o direito federal.

                  Volta-se à redação do artigo 102, III, da Constituição em vigor, agora para exame das hipóteses em que cabe o recurso extraordinário:

Artigo 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

..........

 

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

 

                   A alínea “a” como todas as outras, somente pode ser interpretada em perfeita harmonia com a cabeça do inciso III. Para caber recurso extraordinário é necessário que se trate de decisão de única ou última instância, isto é, no sentido de que tenha sido esgotada a instância ordinária, i.e., no sentido de que não caiba mais nenhum outro recurso. Somente porque esgotada a instância ordinária e que pode ser aberto o acesso à extraordinária. Vale o registro de que, diferentemente do que acontece em relação ao recurso especial, que somente é cabível de decisões de tribunais de justiça e de tribunais regionais federais (órgãos do segundo grau de jurisdição), é possível que seja aberta a via do extraordinário diretamente a partir do primeiro grau de jurisdição. Dizendo de outra forma, é cabível recurso extraordinário contra decisão de juiz de primeiro grau, bastando, para isso, que não haja previsão de recurso para o segundo grau, de que são exemplos a sentença de que cogita o artigo 34 da Lei nº 6.830, de 1980, que trata do executivo fiscal, e as decisões proferidas nos juizados especiais examinadas pelas turmas recursais, que não são órgãos de segundo grau de jurisdição.

                   Assim, para efeito da redação do inciso III, causas decididas em única ou última instância são causas a cujo respeito não se pode mais falar em recorribilidade ordinária. Não por outro motivo, essa matéria foi objeto da Súmula nº 281 do STF, que dispõe que é inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada.

 

                   A abertura da vereda extraordinária supõe, pois, a estabilização da moldura fática do processo, a respeito da qual não se permitirá revolvimento. Tem sido dito em doutrina que o STF não examina matéria de fato, no julgamento de RE, mas apenas e tão-somente matéria de direito. É difícil fazer esse discrímen entre questão de fato e questão de direito principalmente para os que se filiam ao entendimento de que o Direito é, a um só tempo, fato-norma-valor, como preconizado pela teoria tridimensional do Direito. O que talvez se queira dizer é que no STF não se reexaminam provas, matéria afeta exclusivamente à instância ordinária.

 

                   Não cabem no conceito de causa, para fins de abertura da via excepcional, atividades praticadas nas instâncias ordinárias que não sejam de natureza jurisdicional, tais assim os processos meramente administrativos, como, v.g., os processamentos de precatórios em decorrência de execuções contra a fazenda pública, ou as decisões que julgam procedentes pedidos de intervenção federal.

 

                   Vale o registro lateral de que, desde 2001, com o advento da Lei nº 10.532, se o acórdão ordinário contiver parte unânime e parte não-unânime, o recurso extraordinário ou especial somente será possível após o processamento e julgamento dos embargos infringentes, ou quando houver transitado em julgado a parte não-unânime do acórdão, conforme agora dispõe o artigo 498, e seu parágrafo único, do Código de Processo Civil.

Cabimento do recurso extraordinário pela alínea “a”

                   Para que caiba o recurso pela alínea “a” é necessário que o acórdão recorrido tenha, ao menos, interpretado o dispositivo constitucional de forma equivocada, aplicando-o de forma inexata. É que contrariar significa uma forma de ofensa à Constituição, aplicando o fragmento constitucional a uma hipótese em que ela não poderia incidir ou deixando de aplicá-lo a uma situação em que ele deveria ter incidido, ou, ainda, aplicando-o a uma hipótese em que realmente deveria incidir, mas o fazendo de forma inadequada, por força de interpretação errônea, retirando dele conclusões que seriam inextraíveis.

                   Durante muito tempo, o STF teve dificuldades em separar, com relação à alínea “a”, o juízo de admissibilidade do juízo de mérito. O STF ou (i) não conhecia o recurso, ou; (ii) dele conhecida e lhe dava provimento. Não era capaz a Corte de conhecer de um recurso pela aliena “a”, mas negar-lhe provimento. Isso, por certo, tinha efeitos práticos de enorme repercussão, sobretudo no âmbito das ações rescisórias. Somente a partir de agosto de 2003, o STF modificou o posicionamento e passou a distinguir o juízo de admissibilidade do recurso — para o qual é suficiente que o recorrente alegue adequadamente a contrariedade pelo acórdão recorrido de dispositivos da Constituição nele prequestionados — e juízo de mérito, que envolve a verificação de compatibilidade ou não entre a decisão recorrida e a Constituição (STF-Pleno: RF- 370/280). Com o novo posicionamento, todas as alíneas do inciso III passam a ter o mesmo conteúdo axiológico.

                   Cabe o registro de que a expressão “contrariar dispositivo desta constituição”, supõe que a contrariedade seja frontal e direta. Não se admite a contrariedade por via reflexa, assim considerada aquela que envolve, para sua demonstração, a interposição de algum raciocínio fulcrado em lei infraconstitucional.

 

Cabimento do recurso extraordinário pela alínea b

 

                   No que concerne à alínea “b”, a Constituição dispõe que cabe recurso extraordinário da decisão de última ou única instância que declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal.  Importante destacar, a esse respeito, que, em homenagem ao disposto no artigo 97 do Texto constitucional, somente por maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público.

                   Existe aí uma espécie de divisão de competência funcional. Deveras, um recurso de apelação é julgado numa turma ou câmara, pelo voto de três desembargadores. Se estes, no julgamento da apelação, acolherem a arguição de inconstitucionalidade feita de maneira incidente, lavram o acórdão e determinam a remessa da questão ao tribunal pleno ou ao órgão especial. Este delibera exclusivamente sobre a (in)constitucionalidade e determina o retorno dos autos ao órgão fracionário para que prossiga no julgamento do recurso de apelação. É importante deixar claro que a decisão que enseja o recurso extraordinário não é a do tribunal pleno ou do órgão especial que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas sim aquela, da turma, que completa, que conclui o julgamento do feito (a teor do disposto na súmula nº 513 do STF).

                   Convém aduzir, quanto ao tema que, em boa hora o legislador infraconstitucional fez inserir um parágrafo único no artigo 481 do Código de Processo Civil, estabelecendo que os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. É só essa, entretanto, a exceção possível. Em qualquer outra circunstância a matéria deve ser submetida ao colegiado maior. Não se admite a utilização de subterfúgios pelos órgãos da jurisdição ordinária com o objetivo de furtar-se ao cumprimento do artigo 97 do texto constitucional. Não por outro motivo, o Supremo Tribunal Federal fez editar a Súmula Vinculante nº 10, dispondo que “viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, afasta a sua incidência no todo ou em parte.”

                   Aduza-se que se o acórdão recorrido (aquele que completou o julgamento do recurso de apelação) não estiver acompanhado da decisão proferida pelo plenário ou pela corte especial, será de todo conveniente a oposição de embargos de declaração para que, suprida a omissão, possa ser levada ao conhecimento da Corte Maior a argumentação desenvolvida pelo tribunal recorrido quando do julgamento do incidente de inconstitucionalidade.  

Cabimento do recurso extraordinário pelas alíneas “c” e “d”

                   Quanto ao cabimento pela aliena “c”, a Constituição dispõe que será possível a interposição de recurso extraordinário sempre que a decisão proferida pelo Tribunal a quo “julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta constituição.”   

                   Na Constituição de 1969 essa previsão constava no artigo 119, III, c, com redação algo diversa, dado que o recurso cabia contra decisão que julgasse “válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição ou de lei federal.”

                   Com a criação do STJ houve uma cisão dessa hipótese, sendo remetida a competência do exame da validade de lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal para aquele novo Tribunal. Permaneceu com o STF apenas a possível lesão perpetrada por lei ou ato de governo local constestado em face da Constituição.

                   Posteriormente percebeu-se que uma das hipóteses remetidas ao STJ implicava, na generalidade dos casos, a existência de questão constitucional, razão por que a Emenda Constitucional nº 45 fez incluir a alínea “d” no inciso III do artigo 102 (julgar válida lei local contestada em face de lei federal), justamente porque aí aparece a possibilidade de invasão de competência legiferante de uma esfera da Federação relativamente a outra esfera. Isso, em tese, constitui uma questão  constitucional a ser dirimida pelo Supremo Tribunal Federal.  

 Hipóteses de cabimento do recurso especial

                 No que concerne ao cabimento do recurso especial, convém retomar a afirmação de que este, diversamente do que ocorre como recurso extraordinário, somente pode ser tirado de decisão proferida por órgãos colegiados dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal ou dos Tribunais Regionais Federais. Não cabe, pois, nem de decisão monocrática de desembargadores desses tribunais (o interessado há sempre de provocar a prolação de um órgão colegiado), nem, muito menos, de juízes do primeiro grau de jurisdição ou de turmas recursais dos juizados especiais, que não são órgãos do segundo grau.

Cabimento pela alínea “a”

Dispõe o art. 105, III, “a”, da Constituição que cabe recurso especial das decisões dos tribunais (antes mencionados) quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal ou negar-lhes vigência. O parâmetro de aferição é sempre a lei federal (o tratado de que trata o fragmento constitucional é aquele que foi incorporado ao nosso direito interno), assim considerada aquela produzida pelo Poder Legislativo da União (Leis Complementares, Leis Ordinárias, Leis Delegadas, Decretos e Regulamentos Federais), e a medida provisória ainda que pendente de apreciação pelo Parlamento. Outros atos normativos, de natureza estadual ou municipal não ensejam a abertura da via especial. Mesmo aqueles provenientes de órgão federal, mas que não caibam em uma das espécies antes enunciadas, como as portarias, instruções, ordens de serviços, regimentos internos de tribunais, não ensejam o cabimento do recurso especial.

                 Para que seja cabível o recurso especial é necessária a demonstração, em tese, da ofensa, da contrariedade, a uma dessas espécies de norma. Contrariar, aqui, tem o mesmo sentido atribuído à alínea “a’, do inciso III, do art. 102, da Constituição. Há contrariedade       quando se aplica a norma a uma situação que escapa ao seu âmbito de vigência (material, pessoal, espacial ou temporal), ou se não a aplica a uma situação em que ele deveria incidir; ou ainda, quando se a aplica a uma situação por ela abrangida, mas daí retirando consequências não previstas e não pretendidas para a espécie.

        É bem de ver que o STJ se fez herdeiro de várias súmulas do STF (de algumas fez cópias com numeração própria), que possuem caráter didático quanto ao não-cabimento do recurso especial. Assim, por exemplo, editou a súmula nº 5, para afirmar que “A simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial”. Quer isso significar que não se trata de um novo recurso de apelação e sim de uma via de acesso à instância de superposição com o objetivo de preservar a higidez do direito federal. Sem embargo disso, o STJ tem afirmado, corretamente, que a análise jurídica da legalidade de cláusula contratual não se confunde com reexame do contrato. Este não admite a abertura da via excepcional; aquela, sim. Também a súmula nº 7 ingressa nesse mesmo espaço para afirmar que “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. A instância de superposição recebe a moldura fática tal como estabilizada no julgamento pelos tribunais ordinários e não se presta a reexaminar a prova produzida. Sem embargo disso, o STJ tem admitido distinguir reexame e revaloração da prova, o primeiro inadmitido e o segundo admitido em sede de recurso especial. Neste último caso, o que normalmente é um erro de percepção sobre algum preceito de natureza processual ou substancial que, se houvesse sido observado, ensejaria ao magistrado qualificar a mesma prova produzida para atribuir-lhe valor diverso daquele que emprestou.

Alínea b. Falta

 

Alínea c. Falta

 

Procedimento

 

                

                 Com relação ao procedimento, não há hesitações doutrinárias de monta. O simples acesso ao texto do Código de Processo Civil resolve a generalidade das questões. Reproduzem-se, a seguir, os dispositivos reitores da matéria, com breves comentários:

Art. 541. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas, que conterão:

I - a exposição do fato e do direito;

Il - a demonstração do cabimento do recurso interposto;

III - as razões do pedido de reforma da decisão recorrida.

 Parágrafo único.  Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que tiver sido publicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de julgado disponível na Internet, com indicação da respectiva fonte, mencionando, em qualquer caso, as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.

 

                   Cabe, aqui, a anotação de que o recurso extraordinário e o recurso especial são recursos formais, que hão de atender aos requisitos a eles impostos pela Constituição e pela lei processual. Além das normas primárias, há ainda um verdadeiro rosário de súmulas vinculantes e persuasórias, no âmbito do STF e do STJ, que devem ser levadas em consideração ao momento da interposição do recurso (ao final do texto há um apêndice com as principais súmulas aplicáveis à matéria).

 

                  Se for o caso de interposição de recurso extraordinário e especial, é necessário que se valha o recorrente de duas petições distintas, uma para cada recurso. Se assim, não proceder, a conclusão pode ser a de que ambos não atendem ao requisito da regularidade formal, o que gerará sua inadmissibilidade. Há, registre-se, solução menos radical, admitindo o conhecimento de recurso especial tirado na mesma peça do extraordinário.

 

                   Dentro do tema, convém recordar que algumas vezes é impositiva a interposição de ambos os recursos, não cabendo escolha ao recorrente. Deveras, há ocasiões em que o acórdão a ser recorrido contém fundamentos de natureza legal e de natureza constitucional, cada um dos quais apto, por si só, a sustentar as conclusões do Tribunal ordinário. Nessas circunstâncias, o recorrente deve dar notícia de que está a aviar ambas as interposições, sob pena de ver os recursos não admitidos, sob o argumento da falta de interesse de recorrer, como, aliás, está expressamente previsto na Súmula nº 126.

 

                   Questão interessante que pode ser colocada a esse respeito decorre da Emenda Constitucional nº 45 que, como já sabido, criou o requisito da repercussão geral para fins de admissibilidade do Recurso Extraordinário. Não admitida a existência da repercussão geral, o recurso extraordinário não será conhecido, independentemente de a questão meritória poder indicar verdadeira violação constitucional (nem se chega a esse exame). A questão que se coloca é que, assim, em primeira análise, ou bem se impõe à parte o dever de interpor o RE mesmo com a consciência de que o recurso não será conhecido (dado que a decisão de não-conhecimento do RE é estendida a todos os outros recursos que tratem da mesma matéria) ou se está a estender, por enquanto de forma indevida, o instituto da repercussão geral também para o recurso especial, porquanto esse também não será conhecido, por força da aplicação da súmula 126, de a parte não interpuser o inviável RE.

 

                   É importante destacar, também, a necessidade da inteireza do texto recursal no sentido de que o relator, na instância de superposição, deve ter condições de compreender a controvérsia constitucional ou legal sem necessidade de recorrer a qualquer outra peça dos autos (ele não fará a você o favor de compulsar outras peças dos autos antes de exercer um juízo positivo de admissibilidade).

 

                   Deve-se, por isso, abrir uma epígrafe, talvez com a sugestiva expressão “para compreender a controvérsia” em que o recorrente possa estabelecer a verdade dos fatos, tal qual admitida nas instâncias ordinárias e, com base nessa moldura, demonstrar em que consiste a lesão constitucional ou legal, ou o dissenso jurisprudencial.

 

                   A propósito desse último aspecto, e se essa for a hipótese de cabimento sustentada pelo recorrente, é igualmente fundamental que seja aberta outra epígrafe nas razões de recurso, que pode ser nominada cotejo analítico, em que deve ser demonstrada a similitude das molduras fáticas (acórdão paradigma acórdão recorrido) e a dessemelhança das teses jurídicas adotadas em ambos os casos. Não basta, advirta-se, reproduzir as respectivas ementas; é necessário que sejam reproduzidos trechos do voto paradigma e do recorrido que sejam aptos à demonstração da indicada similitude.

 

                   Desnecessário dizer que o recorrente, nessa hipótese, deverá trazer aos autos o acórdão divergente, e dele dar conhecimento ao tribunal por uma das formas admitidas no parágrafo único do art. 541, do CPC. E art. 255 do Regimento Interno do STJ.




Art. 542. Recebida a petição pela secretaria do tribunal, será intimado o recorrido, abrindo-se-lhe vista, para apresentar contrarrazões.

§ 1o Findo esse prazo, serão os autos conclusos para admissão ou não do recurso, no prazo de 15 (quinze) dias, em decisão fundamentada.

§ 2o Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo.

§ 3o    O recurso extraordinário, ou o recurso especial, quando interpostos contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução ficará retido nos autos e somente será processado se o reiterar a parte, no prazo para a interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contrarrazões.

 

 

                  O procedimento foi simplificado em relação à redação original do Código de 1973. A petição de recurso, agora, já cuida do cabimento e das razões de recurso. Da mesma forma, as contrarrazões atacam, de uma só vez, o cabimento e as razões do mérito recursal. Processado, com as contrarrazões eventualmente ofertadas, o recurso é encaminhado ao presidente ou vice-presidente do tribunal ordinário para que exerça o primeiro juízo de admissibilidade, com o exame dos pressupostos gerais e específicos do recurso, com a advertência de que, relativamente ao pressuposto da repercussão geral, o desembargador examina apenas do ponto de vista formal se o requerente apresentou a correspondente arguição. Fica-lhe interditada, entretanto, qualquer avaliação sobre se realmente ocorre ou não a repercussão geral, matéria afeta exclusivamente ao crivo do STF.

 

                   Embora a legislação brasileira esclareça que os recursos extraordinário e especial possuem apenas efeito devolutivo, não têm sido poucas as investidas práticas no sentido da consecução do efeito suspensivo, muitas dessas revestidas de êxito. Deveras, durante largo período da história recente do STF e do STJ, era usual a concessão de efeito suspensivo aos recursos extraordinário e especial por parte dessas cortes, já em decorrência da formulação de pedidos específicos, já em decorrência de ações cautelares com essa finalidade. Provavelmente em decorrência de excessos cometidos na busca desse efeito, os tribunais superiores ficaram infestados de pedidos com essa finalidade o que acabou gerando a edição das súmulas 634 e 635 do STF, vedando a postulação de providências desse jaez no âmbito do STF e remetendo a apreciação de pedidos dessa natureza aos tribunais ordinários, ao arrepio, diga-se de passagem, da norma contida no art. 800, parágrafo único, que dispõe sobre a imediata transferência para o tribunal recorrida, da competência para apreciar pedido de liminar, uma vez interposto o recurso. É certo que, aqui, o argumento do STF, ao editar as súmulas restritivas, há de fundar-se no fato de que a sua competência é inextensível por meio de lei ordinária.

 

                   O parágrafo terceiro do art. 542 criou uma modalidade de recurso extraordinário e especial retido nos autos, quando interpostos contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução. A criação deve-se à necessidade de racionalizar o trabalho processual nas cortes superiores. Em vez de, no curso do processo nas instâncias ordinárias, conferir trânsito para as extraordinárias com vistas ao exame de uma decisão interlocutória por alegada violação legal ou constitucional, determina que ele permaneça nos autos para ser julgado somente quando do julgamento do recurso excepcional tirado da última decisão proferida no tribunal ordinário, isso se a parte interessada reiterar a pretensão recursal até o momento não apreciada, ou em razões de recurso, ou em contrarrazões .

 

 

Art. 543. Admitidos ambos os recursos, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça.

§ 1o Concluído o julgamento do recurso especial, serão os autos remetidos ao Supremo Tribunal Federal, para apreciação do recurso extraordinário, se este não estiver prejudicado.

§ 2o Na hipótese de o relator do recurso especial considerar que o recurso extraordinário é prejudicial àquele, em decisão irrecorrível sobrestará o seu julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal, para o julgamento do recurso extraordinário.

§ 3o No caso do parágrafo anterior, se o relator do recurso extraordinário, em decisão irrecorrível, não o considerar prejudicial, devolverá os autos ao Superior Tribunal de Justiça, para o julgamento do recurso especial.  

Art. 543-A.  O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.

§ 1o  Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

§ 2o  O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.

§ 3o  Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.

§ 4o  Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.

§ 5o  Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

§ 6o  O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

§ 7o  A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.

Art. 543-B.  Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.

§ 1o  Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.

§ 2o  Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.

§ 3o  Julgado o mérito  do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.

§ 4o  Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.

§ 5o  O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.

 

 

 

O Agravo do art. 544 do CPC

 

 

                  Às vezes, o mais simples é o mais adequado e o mais completo. Sob qualquer critério, aquele produto seria o melhor no confronto com outros do mesmo gênero. A mensagem, sem rebuscamentos, era clara, sedutora e atendia perfeitamente aos propósitos a que se destinava. Assim também acontece com a nova Lei nº 12.322, de setembro de 2010, que entrou em vigor em dezembro do mesmo ano.

 

                  Propôs-se, o legislador pátrio, a alterar substancialmente a sistemática do artigo 544 do Código de Processo Civil. Para isso, em lugar da interposição do agravo de instrumento para desobstruir as vias de acesso do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário até o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, que tenham sido eventualmente vedadas por decisão do presidente ou vice-presidente de um Tribunal qualquer, instituiu a possibilidade de essa desobstrução ser alcançada por meio de um agravo tirado “nos próprios autos”.

 

Das reiteradas alterações por que passou o art. 544

 

                  Para os que acompanham há mais tempo as alterações legislativas por que passou o art. 544 ao longo dos anos, fica claro que aquele agravo de instrumento vinha sendo utilizado pelas cortes de superposição cada vez mais como forma de impedir o acesso do jurisdicionado à instância excepcional. Explico: a redação original do art. 544 previa uns poucos documentos obrigatórios necessários à formação do agravo de instrumento, com o que o jurisdicionado tinha robustas razões para crer que, se as razões de mérito do recurso fossem bastantes, não seria o recorrente vítima de armadilhas formais.

 

         Deveras, quando ainda não havia nem STJ, nem Recurso Especial, a versão original do CPC previa apenas no parágrafo único do art. 544 o seguinte:


Parágrafo único. O agravo de instrumento será instruído com as peças que forem indicadas pelo agravante, dele constando, obrigatoriamente, o despacho denegatório, a certidão de sua publicação, o acórdão recorrido e a petição de interposição do recurso extraordinário.

 

                  Posteriormente, a Lei nº 8.950, do primeiro grande pacote de reformas do CPC, convolou o parágrafo único em § 1º, dando-lhe a seguinte redação:

 

§ 1º O agravo de instrumento será instruído com as peças apresentadas pelas partes, devendo constar, obrigatoriamente, sob pena de não conhecimento, cópia do acórdão recorrido, da petição de interposição do recurso denegado, das contra-razões, da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado.

 

                  Mais recentemente, a Lei nº 10.352, de 2001, estatuiu, verbis:  

          

§ 1o O agravo de instrumento será instruído com as peças apresentadas pelas partes, devendo constar obrigatoriamente, sob pena de não conhecimento, cópias do acórdão recorrido, da certidão da respectiva intimação, da petição de interposição do recurso denegado, das contra-razões, da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado. As cópias das peças do processo poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal.

 

                  Da comparação desses fragmentos, percebe-se que, primeiramente, eram quatro as peças obrigatórias. Após, seis conjuntos de documentos, tendo sido acrescentadas, na segunda versão, a cópia das contrarrazões e a cópia das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado. A partir de 2001, foi acrescentado mais um: a cópia da certidão da intimação do acórdão recorrido.

 

                  Aos que não têm lembrança desse tempo, cabe dizer que todas essas alterações legislativas não foram iniciativa pura e simples do legislador. Ao revés, o acrescentamento dessas peças sempre se fez por meio de construção da jurisprudência: STJ e STF passavam, de determinado momento em diante, a considerar tais ou quais peças obrigatórias; o legislador acolhia aquele posicionamento e o positivava no Código de Processo Civil.

 

 

A jurisprudência defensiva influenciando o legislador

 

                  Ocioso dizer que o crescente aumento das exigências de peças supostamente obrigatórias para o aviamento do agravo de instrumento tendente a conferir trânsito a Recurso Especial e Recurso Extraordinário fazia parte do esforço de construção das instâncias excepcionais para desestimular, por todas as formas, o aviamento desses recursos e, no limite, a sua apreciação nas instâncias de superposição, no que acabou ficando conhecido como jurisprudência defensiva.

 

                  De mesma natureza (jurisprudência defensiva) é o famoso prequestionamento que, sem embargo de historicamente não constar em nossos textos constitucionais desde a Constituição de 1946, ainda continua a ser exigido como fundamental à apreciação do cabimento dos recursos excepcionais.

 

                  Se o agir por via da chamada jurisprudência defensiva soa legítimo, do ponto de vista humano, dado o assombroso número de processos que desabavam diariamente sobre os ombros dos Ministros das duas Cortes, o certo é que essas exigências não pareciam (nem parecem) ajustar-se ao contido no ordenamento positivo brasileiro.

 

                  Talvez por isso, e agora corretamente, o esforço do constituinte derivado (Emenda Constitucional nº 45) e do legislador infraconstitucional (art. 543-C) tenha sido no sentido de tentar dotar o Direito brasileiro de mecanismos legítimos, visando a atribuir um pouco de ordem e eficácia ao sistema recursal excepcional, limitando a revisibilidade, uma a uma, das irresignações levadas a essas duas casas maiores.

 

         Se as medidas preconizadas conseguirem o efeito desejado, de redução drástica do número de recursos interpostos e examinados, então, não será mais necessário o culto da jurisprudência defensiva, nem da invenção de novas técnicas de indeferimento de agravos de instrumento (v.g, o carimbo do protocolo está ilegível na cópia trazida ao Tribunal e nenhuma certidão do órgão da justiça ordinária pode substituir o carimbo; o pagamento do preparo foi realizado via internet e o comprovante do pagamento “pode” ser falso, etc.).

 

         Há, exatamente em decorrência disso, amplo espaço para a edição e adequada aplicação da Lei nº 12.322, de 2010, que “transforma o agravo de instrumento interposto contra decisão que não admite recurso extraordinário ou especial em agravo nos próprios autos”, pondo por terra toda uma gama de precedentes defensivos. Deveras, como o agravo, agora, é interposto nos próprios autos do processo, não há mais possibilidade teórica de ser indicada como razão da inadmissibilidade do recurso a ausência de algum documento tido por indispensável à formação do agravo.

 

                  É bem verdade, entretanto, que a mente humana é muito mais imaginativa do que a lei e nada impede um Ministro da Corte, dotado de certa criatividade, de inventar outras técnicas defensivas, visando a não conferir admissibilidade ao recurso de agravo interposto nos próprios autos.

 

                  Ainda recentemente, quase imediatamente após a entrada em vigor da lei em comento, num dos primeiros agravos que teve sua admissibilidade examinada no STJ, certo Ministro saiu-se com esta:

 

O protocolo de interposição do recurso especial está ilegível (fl. 48), sendo, portanto, imprestável para aferir sua tempestividade.

Nego, por isso, seguimento ao agravo.

 

                  Como é possível? Simples: mesmo ocorrendo o aviamento do agravo nos próprios autos, dois procedimentos têm sido adotados: (i) o STJ determina, sponte sua, e por meio de seus próprios funcionários, a digitalização dos recursos que chegam à Corte, com a devolução dos autos ao tribunal de origem; ou (ii) o próprio tribunal recorrido digitaliza integralmente os autos e remete por meio eletrônico para o STJ.

                              

                  Nas duas hipóteses, o recorrente não possui nenhuma forma de controlar o procedimento de digitalização (nem tem como fazê-lo).  A perpetuar-se o absurdo, ficará o jurisdicionado sem armas para lutar contra essa nova e perversa forma de jurisprudência defensiva, que condena o requerente a residir no sol.

 

                  Sem embargo disso, é certo que será necessária muita criatividade para ressuscitar todas as técnicas defensivas das instâncias de superposição. Enquanto elas não vêm, convém saudar e aplicar a nova lei.

 

Da nova regência legal e seus desdobramentos

 

                  O Texto da Lei nº 12.322, de 2010, na parte pertinente aos recursos excepcionais, tem este teor:

Art. 544. Não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo nos próprios autos, no prazo de 10 (dez) dias.

§ 1o  O agravante deverá interpor um agravo para cada recurso não admitido.

[foi mantida a anterior redação do § 2º]. 

§ 3o  O agravado será intimado, de imediato, para no prazo de 10 (dez) dias oferecer resposta. Em seguida, os autos serão remetidos à superior instância, observando-se o disposto no art. 543 deste Código e, no que couber, na Lei no 11.672, de 8 de maio de 2008. 

§ 4o  No Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, o julgamento do agravo obedecerá ao disposto no respectivo regimento interno, podendo o relator: 

I - não conhecer do agravo manifestamente inadmissível ou que não tenha atacado especificamente os fundamentos da decisão agravada; 

II - conhecer do agravo para: 

a) negar-lhe provimento, se correta a decisão que não admitiu o recurso; 

b) negar seguimento ao recurso manifestamente inadmissível, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal; 

c) dar provimento ao recurso, se o acórdão recorrido estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal. (NR) 

Art. 545.  Da decisão do relator que não conhecer do agravo, negar-lhe provimento ou decidir, desde logo, o recurso não admitido na origem, caberá agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, ao órgão competente, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 557. (NR) 

                  Presente o texto da lei, a primeira observação a ser feita é a de que o novo agravo, nos próprios autos, é fruto da transformação do agravo de instrumento (assim diz a ementa). Vale o registro de que os advogados, na elaboração do recurso, não precisam nem devem nominá-lo como “agravo nos próprios autos”, basta que escrevam agravo. O complemento “nos próprios autos” tem pertinência com a forma ou com o locus da interposição, mas não com a denominação do recurso.

 

                  Com isso, já é possível deduzir que me incluo entre aqueles que abominam a expressão agravo inominado. Havendo sido dito que é agravo, então já se trata de recurso nominado, recurso de agravo! Agravo inominado é uma contradição essencial. A maneira, a forma como se processa o recurso, mero adjunto, não faz parte da nominação.

 

                  Não por outro motivo, o legislador somente utilizou a expressão “nos próprios autos”, no caput do art. 544, para contrapor ao que acontecia até o momento anterior à entrada em vigor da lei, em que o agravo era tirado por via de instrumento. Depois dessa menção inicial, em todos os outros fragmentos da lei, limitou-se o legislador à expressão agravo.

 

                   Sem embargo disso, convém mencionar que a expressão agravo no auto do processo (correspondente a agravo nos próprios autos) é de larga tradição histórica no direito luso-brasileiro. Deveras, as Ordenações Manoelinas de 1521[14] já a ele se referiam no Livro III, 54, § 8, e 77. Foi reafirmado na Carta Régia de 1526 e mantido nas Ordenações Filipinas, Livro III, Tit. 20. Desprezado no nosso Regulamento nº 737, de 1850, reapareceu no Código de Processo Civil de 1939 (art. 851).

 

                   Ainda que possa parecer ocioso, convém deixar anotado que esse agravo que objetiva o trânsito dos recursos excepcionais não se confunde com o agravo retido de que cogita o art. 522 do Código de Processo Civil. Este último, que é aviado de sorte a obstar a preclusão de matérias deliberadas pelo juiz do primeiro grau de jurisdição, somente é apreciado em “preliminar” de apelação, enquanto que o agravo do art. 544 tem tramitação e exame imediatos, ressalvada a incidência do art. 543-C, do Código de Processo Civil.

 

                  No que concerne ao procedimento, esse ficou bastante simplificado. O agravo é tirado perante a autoridade judiciária que negou trânsito ao Recurso Extraordinário ou ao Especial, ou a ambos, no prazo de dez dias contados da intimação da decisão denegatória, sendo que, se houver ocorrido a denegação de ambos os recursos excepcionais, deverá ocorrer a interposição de dois recursos de agravo, um para cada decisão contrária. Como há expressa referência ao art. 543 do Código de Processo Civil, deve ficar claro que, em qualquer  hipótese (agravo de não-admissão do Extraordinário, agravo de não-admissão do Especial, agravo de não-admissão de ambos), os autos do processo deverão ser primeiramente encaminhados ao STJ para exame, ou do Especial ou do agravo interposto e, somente após essa atividade serão encaminhados ao STF, se for o caso, dado que a decisão do STJ pelo integral provimento do recurso Especial pode tornar desnecessária a remessa à Corte Maior.

 

                  A redação do § 2º do art. 544 não sofreu alteração em decorrência da Lei 12.322, sendo mantido, inexplicavelmente, este teor:

 

§ 2º A petição de agravo será dirigida à presidência do tribunal de origem, não dependendo do pagamento de custas e despesas postais. O agravado será intimado de imediato para no prazo de 10 (dez) dias oferecer resposta, podendo instruí-la com cópias das peças que entender conveniente. Em seguida, subirá o agravo ao tribunal superior, onde será processado na forma regimental.

 

                  Ora, pelo menos duas razões de ordem sistemática não autorizariam a mantença do dispositivo, tal como se encontra redigido. Primus, parcela da redação desse fragmento legal foi trasladada para o § 3º. Confira-se, em ambos os parágrafos, este trecho: O agravado será intimado de imediato para no prazo de 10 (dez) dias oferecer resposta.  Tem-se uma redundância legiferante que somente pode ser creditada a um descuido do legislador; secundus, o novo perfil do agravo, agora nos autos, pelo menos em uma primeira leitura, não sugere que o agravado possa ou deva instruir sua resposta com “cópias das peças que entender conveniente.” Todas as peças estarão, pela própria forma eleita pelo legislador, encartadas nos autos.

 

                  O fragmento não é, entretanto, de todo desnecessário. Têm valia a indicação procedimental de que o agravo deve ser dirigido ao presidente do Tribunal de origem e a referência ao não-pagamento de custas e despesas postais.

 

                   Vale a anotação, aqui, de que o § 4º, na esteira, aliás, do que tem sido a tendência do processo civil brasileiro nos três últimos lustros, atribuiu ainda mais poder ao relator do recurso de agravo. Com efeito, os poderes do relator ganham maior dimensão.

 

                   O Ministro relator terá poderes para (1) não conhecer do agravo: (1.1) manifestamente inadmissível; ou (1.2) que não haja hostilizado os fundamentos da decisão agravada; (2) conhecer do agravo para: (2.1) no mérito, negar-lhe provimento, se entender que a decisão de inadmissão do REsp ou do RE está correta; (2.2) negar seguimento ao REsp ou RE manifestamente inadmissível, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal; (iii) dar provimento; (3) dar provimento ao RE ou REsp se o acórdão recorrido estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal.

 

                   Cotejado com a redação anterior, o novo § 4º deu tratamento sistemático à matéria que antes se encontrava no antigo § 3º, cuidando, agora, tanto de hipóteses em que o Relator deve não conhecer do agravo como daquelas em que deve examiná-lo. A regência anterior cuidava apenas das hipóteses, positivas, de conhecimento do agravo e de provimento direto do REsp ou do RE. Se a conclusão do relator divergisse de uma dessas duas atitudes, então a solução deveria ser buscada no art. 557 do CPC.

 

                   É certo que o tratamento atual é mais sistemático, mas ainda assim contém equívoco de natureza justamente sistemática. Deveras, é exato afirmar que não se deve conhecer de agravo manifestamente inadmissível ou que não tenha atacado os fundamentos da decisão agravada, em violação ao requisito extrínseco da regularidade

formal. Não é exato, entretanto, estabelecer que o relator deve conhecer do agravo para (b) negar seguimento ao recurso manifestamente inadmissível, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal.

 

                   A dicção dessa alínea ‘b’ sofre de ausência de paralelismo em relação à alínea ‘a’, antecedente. Com efeito, nesta última, o relator conhece do agravo e lhe nega provimento. Ora, então, na ‘b’, antes citada, o relator deveria, em primeiro plano, conhecer e dar provimento ao agravo.  Feito isso, passaria ao exame do RE ou do REsp e lhe negaria seguimento porque inadmissível (por motivo diverso daquele invocado pelo presidente ou vice-presidente do tribunal ordinário, dado que, se fosse pelo mesmo motivo, a hipótese seria da alínea ‘a’); somente assim o texto obedeceria ao critério instituído pela norma mesma.

 

                   Matéria que merece consideração é a relativa à possibilidade de retenção dos atos no tribunal de origem. Deveras, a referência, no novo parágrafo terceiro, à Lei nº 11.672, de 2008, dá conta da possibilidade de o recurso não ter tramitação imediata. Pode ficar sobrestado por força do fato de que, aplicada à espécie o art. 543-C, somente serão encaminhados à instância de superposição aqueles recursos representativos da controvérsia. Os demais ficam sobrestados (diz a lei: suspensos) até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça.

 

                   Outro aspecto a ser realçado e que representa consequência direta do ajuste da legislação infraconstitucional ao que disposto na Emenda Constitucional nº 45, que instituiu a repercussão geral como requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário, tem pertinência com o disposto no art. 543-B do Código de Processo Civil: o legislador estabeleceu que, quando houvesse multiplicidade de recursos em que tivesse sido agitada a mesma controvérsia, o tribunal de origem selecionaria um ou mais recursos e os encaminharia ao STF. Os demais ficariam sobrestados na instância a qua.[15]   

                   Assim, no que concerne ao represamento do Recurso Extraordinário, no tribunal ordinário, por força da aplicação do citado art. 543-B do CPC, depois de alguma hesitação inicial, a jurisprudência fixou-se no sentido de que não cabe nem agravo de instrumento nem Reclamação na hipótese de ocorrência de algum equívoco quanto ao sobrestamento de que cogita esse artigo, na hipótese de multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia. Apenas a título de exemplo, traz-se este recente julgado do STF:

 

                   RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ALEGAÇÃO DE EQUÍVOCO NA APLICAÇÃO DA REPERCUSSÃO GERAL PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. INOCORRÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. I – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que não é cabível a reclamação para corrigir eventual equívoco na aplicação da repercussão geral pela Corte de origem.[16]  

 

                   Parece-nos que esta não é a melhor solução. Deveras, mesmo não sendo o caso de agravo nos autos (e realmente não o é, porque sobrestar recurso não significa negar seguimento, única hipótese que autoriza o agravo do art. 544), parece que a alternativa natural seria a reclamação para firmar a competência do STF: entretanto, o entendimento atual tem sido o de que a solução terá de ser encontrada no próprio tribunal de origem. Como se trata de decisão da presidência ou vice-presidência do tribunal, a medida a ser adotada, um agravo interno, deverá ser objeto de exame pelo plenário da casa ou, onde houver, pela corte especial.

 

                   Desnecessário afirmar que esse órgão último, em brevíssimo tempo, ficará com as pautas inteiramente tomadas somente com o exame de matérias dessa natureza.

 

                  Postas essas considerações a respeito do novo art. 544, parece lícito concluir que a ideia do legislador, ao proceder à transformação do agravo de instrumento para permitir trânsito ao Recurso Especial e ao Recurso Extraordinário, há de ser acatada como alvissareira por quantos militam na prática diária da advocacia. Sem embargo disso, não está afastado o receio de que os tribunais superiores continuem a conceber novas e desnecessárias técnicas defensivas, objetivando a denegação de seguimento dos agravos interpostos por meio dessa nova modalidade, sobretudo em face da digitalização dos autos que, como já se viu, não é matéria afeta aos advogados que patrocinam os feitos e que não têm nenhum poder de fiscalização a exercer.



[1] Apud MEDINA, 2002, p. 28.
 
 
 
 
 
[4] Estudos de História do Processo: Recursos. Osasco: FIEO, 1996, p. 80
[5] Apud, MEDINA 2002, p.30.
[6] Cf. CORTES, 2003, p. 22.
[7]  Diversamente do que aqui sustentado, Nelson NERY considera o reexame necessário uma condição de eficácia da sentença.
[8] Para quem trabalha com a teoria dos três planos (da existência, da validade e d eficácia), há evidente distinção entre pressupostos, que são relativos ao plano da existência, e requisitos (ou elementos) que são relativos ao plano da validade. O Código de Processo Civil, entretanto, toma um termo por outro, razão por que dispensamo-nos de realizar qualquer discrímen.
[9] O parágrafo único do artigo 9º tinha esta redação:
Haverá também recurso para o Supremo Tribunal Federal das sentenças definitivas proferidas pelos tribunaes e juízes dos Estados:
a)     Quando a decisão houver sido contraria á validade de um tratado ou convenção, à aplicabilidade de uma lei do Congresso Federal, finalmente, à legitimidade do exercício de qualquer autoridade que haja obrado ooem nome da União — qualquer que seja a alçada.
b)    Quando a validade de uma lei ou acto de qualquer Estado seja posta em questão como contrário à Constituição, aos tratados e às leis federaes e a decisão tenha sido em favor da validade da lei ou acto;
c)     Quando a interpretação de um preceito constitucional ou de lei federal, ou da clausula de um tratado ou convenção, seja posta em questão, e a decisão final tenha sido contrária à valide do título, direito ou privilegio ou isenção, derivando do preceito ou cláusula.
 
[10] Mantida a grafia da época para todos os textos históricos.
[11] A redação é extremamente semelhante à do já citado Decreto nº 510, com a diferença de que, no Decreto, tratava-se exclusivamente de decisões da justiça federal.
[12] A argüição de relevância foi alçada à estatura constitucional com Emenda Constitucional nº 7, de 1977, cabendo ao STF estabelecer, em seu regimento, o processo e julgamento dessa argüição.
[13] Cf. Mancuso, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e especial. P. 65.
[14] A rigor, houve duas edições anteriores dessas Ordenações, em 1512 e 1514, mas foram mandadas destruir, por erro de tipografia.
[15] O relativo varia em latim, por isso, instância a qua e não a quo. Esta última forma somente se aplica se o termo a que se refere o relativo for masculino ou neutro.
[16] AgR na Rcl 11250/RS, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Julgamento:  07/04/2011.  Tribunal Pleno, DJe-125 DIVULG 30-06-2011 PUBLIC 01-07-2011.
 

2 comentários:

  1. Professor, apenas uma retificação, consta o parágrafo único do artigo 518, que mencionaria a palavra pressupostos, na verdade, o Código prevê esse termo no §2º, do mesmo artigo, e obrigada pelo texto.

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    1. Tem razão. Esse texto vem sendo escrito e atualizado há muito tempo. É certo, na origem, que a expresão pressupostos comparecia no parágrafo único do art. 518. Ocorre que, após a rejeição, na PEC 29 (que resultou na EC nº 45/2004), da súmula impeditiva de recursos, os seus mentores fizeram inserir um texto, com a mesma pretensão, no art. 518, que corresponde ao § 1º atual. Com isso, o antigo parágrafo único foi deslocado e passou a ser o atual § 2º. É claro que essa explicação histórica não justifica a falha consistente na ausência de atualização.
      Muito obrigado pela advertência.

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