A SEPARAÇÃO DOS PODERES E A DITADURA DO PODER
JUDICIÁRIO BRASILEIRO
JORGE AMAURY MAIA NUNES
Brasília - 1995
INTRODUÇÃO
Parece
que a todos os que lidam com os princípios organizativos do Estado moderno é motivo
de perplexidade a norma incrustada no artigo 2º da Constituição ("São
poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário), não tanto pela sua expressão literal, mas,
possivelmente, em face do pequeno grau de correspondência que esse princípio
vem tendo no chamado mundo sensível — considerado aqui especificamente o Estado
brasileiro —, a ponto de juristas do porte de Galeno Lacerda[1] terem afirmado que os poderes
Legislativo e Executivo são subordinados ao Judiciário. No mesmo sentido — da
supremacia do Poder Judiciário — é o lecionamento de Sacha Calmon Navarro
Coelho, afirmando que dessa posição
sobranceira é que adviria o poder de "negar eficácia às leis feitas pelo
Legislativo e de anular os atos de execução das mesmas (sic), promovidos pela Administração Pública." [2]
Ao
que tudo indica, mais de três Séculos de elaboração, experimentação e
consolidação da teoria da separação dos poderes não foram suficientes para
espancar as hesitações doutrinárias e práticas a respeito do perigo que
representa o abandono da tese: o poder
pára o poder. Isso se deve, talvez,
a uma tresleitura do princípio ou à necessidade de sua releitura, não sendo
poucos, porém, os que sustentam que, avelhantada, a teoria "expirou desde
muito como dogma de ciência."[3]
Será
que se corre o risco, hoje, de cair na ditadura do Judiciário, como sustenta
Calmon de Passos[4], justamente dos três poderes
aquele que não possui legitimação política?
Nesse
sentido, expressiva a manifestação do cientista político Wanderley Guilherme
dos Santos[5], especialmente sobre a situação
de "cúmplice passivo da desordem", que é ostentada pelo Poder
Judiciário, imune a qualquer controle, refratário a reformas e insubmisso ao
poder soberano do voto; daí a sua ausência de legitimação política.
Ou é esse um falso
dilema? Afinal, como se tem sustentado
axiomaticamente, algum dos poderes tem de dar a última palavra sobre as
disceptações entre eles e, por isso, é justo que esse poder seja atribuído ao
Judiciário, o único que não está sujeito a pressões, em razão das garantias de
vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, deferidas a
seus membros pela Lex Legum. Demais disso, como afirmou Charles Huges. "a lei não é o que é. Ela
é o que o Judiciário disser que ela é."[6]
A
questão, porém — obtempera-se —, é justamente a ausência de controles sobre o
Judiciário, porque, como atesta Montesquieu no seu "O Espírito das
Leis", todo homem que detém o poder tende a dele abusar. [7]
Verifica-se, nessa
linha de entendimento — e esse e o cerne da problematização — , que juízes de
todos os graus de jurisdição, e no exercício de competências outras que não a
penal, soem determinar a prisão,
geralmente de autoridades públicas, sob o argumento de que essas, em regra, teriam
cometido crime de desobediência, ou de prevaricação, sempre que descumpridos
comandos judiciais. A demonstração desse fato é assaz facilitada pela
verdadeira pletora de julgamentos e acórdãos lançados diariamente no Diário de
Justiça da União, contendo decisões a respeito desse tema.
A
questão é: o sistema jurídico constitucional brasileiro permite o
entendimento, esposado por esses juízes, de que a expedição de ordens de prisão
nessas condições, se insere na sua seara de atribuições, estando o proceder em
causa acobertado sob o manto do Poder Jurisdicional que lhes é deferido? Se não
permite, por que agem assim os nossos julgadores? revivescência da escola do
direito livre, exacerbação do direito alternativo?
O
tema não é pacífico: as manifestações doutrinárias têm refletido mais ou menos
o vínculo profissional dos doutrinadores que dele se ocuparam — se oriundos da
magistratura fazem a apologia do sistema; se não, criticam-no a não mais
poder.
Impõe-se um exame crítico do assunto, em termos do que
realmente significa ou pode significar a separação dos poderes, como concepção
teórica e como princípio referenciado ao ordenamento jurídico-político
brasileiro, de modo a tentar descobrir,
se for o caso, em que medida a dimensão que se lhe atribua repercutirá sobre
o relacionamento do Judiciário com os
demais Poderes.
Como
concepção teórica, pareceria correto admitir que os formuladores do princípio e
seus precursores (Aristóteles, por exemplo) não conferiram ao
Poder Judiciário a posição de proeminência que parcela da doutrina
juspublicista lhe atribui. Locke[8], com efeito, a ele nem sequer se
refere como poder autônomo; Montesquieu dispensa-lhe um papel
secundário, como um desdobramento da atividade executiva.[9]
Como
princípio referenciado ao ordenamento jurídico brasileiro, o seu acolhimento
constitucional não é, por si só, capaz de deitar luzes definitivas ao problema.
É que, como advertem Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres de Brito[10], os princípios ensartados no
Estatuto Político, entre eles o da separação dos poderes, "padecem de uma
imprecisão conceitual ontológica", fenômeno, aliás, reconhecido por
praticamente todos os constitucionalistas que se ocuparam do exame da matéria.
É
necessário, pois, precisar esse conceito, sempre tendo presente que todos os
elementos interpretativos do texto constitucional hão de ter sua conformação
exclusivamente endógena, dada a noção de autorreferência que cerca a
hermenêutica constitucional[11].
Não se pretende, contudo, fazer
dessa investigação mera formulação teórica, desvestida de utilidade prática.
Está em curso uma revisão constitucional. É a oportunidade, pois, de se
rediscutir o relacionamento do Poder Judiciário com os demais poderes, bem
assim as formas de controle e legitimação a que deva ser submetido e, mesmo, a
sua forma organizativa (relacionamento intrapoder).
PODER
Conceito de Poder
Sendo objeto da investigação uma
afirmada separação, faz-se necessário saber o que se pretende separar; é
preciso saber qual "poder" vai ser objeto de separação — e, mesmo, se
é de separação que se trata — , isto para que possamos forrar-nos a críticas
que eventualmente sejam lançadas na esteira do pensamento de Norberto Bobbio para quem "não há teoria
política que não parta de alguma maneira
de uma definição de "poder" e
de uma análise do fenômeno do poder."[12]
Ocorre que a definição do que seja
poder, dentro da visão que interessa ao objeto de nossa análise, não é tarefa
das mais simples. Adverte, a esse respeito, Claude Raffestin que "Se há uma palavra
profundamente rebelde a toda definição certamente esta é poder." Não se
abate com isso, porém, o professor de
Genève; admite, ao revés, a necessidade de não se dar por satisfeito com
qualquer confissão de impotência a esse respeito.[13]
É mister, pois, prefacialmente, como sugere esse Professor,
proceder por aproximação, extraindo
quaisquer ambigüidades da expressão — ainda que para isso se as tenha de
realçar.
Não se cuida, é claro, para o
atingimento desse desiderato, de confinar o Poder ao Estado, nem assimilar uma
coisa a outra, embora pareça exato considerar, como o faz Jean Dabin[14], que existe íntima conexão — relação
de causa e efeito — entre o poder e o direito positivo de um determinado
Estado.
Por outro lado, não se cogita de
obter um conceito antropológico ou sociológico do poder, a não ser no que isso seja necessário para a formulação de um conceito que
privilegie os seus aspectos jurídico e político.[15]
Jacques Cadart, a esse respeito, destaca que
não possui qualquer dificuldade em distinguir o poder genérico, objeto da
Antropologia e da Sociologia, do poder político, espécie, objeto da Ciência
Política, e do poder estatal, objeto da Teoria Geral do Estado e do Direito
constitucional.[16]
Para nós, o melhor caminho será
partir dos qualificativos gerais do poder. Nesse sentido, pode-se afirmar que o
poder é a aptidão, de etiologia difusa, de um indivíduo ou grupo de indivíduos
de submeter outros da mesma espécie, minoritários ou majoritários, à sua
vontade — id est, a atender ao seu
querer — sem embargo de haver contestação ou resistência a essa vontade. Aliás,
cumpre que se diga que a resistência é elemento inerente ao poder, tanto quanto
o seu caráter relacional.[17]A sua origem pode encontrar-se,
indiferentemente, na força física, na força tecnológica, no poder de persuasão,
sedução, na disponibilidade de informação, ou em alguns desses elementos, ou em
todos.
Essa aptidão, quando dirigida à
organização da sociedade, representa o poder político. Consiste ele, segundo o
lapidar magistério de Meirelles Teixeira, "na possibilidade
concreta, que assiste a uma comunidade, de determinar o seu próprio modo de
ser, os fins e os limites de sua atuação, impondo-os, se necessário, a seus
próprios membros, para a consecução do bem comum."[18]
Não se logra demonstrar com
facilidade, porém, que a vontade do grupo exercente do poder represente,
teleologicamente, o bem comum para a coletividade sobre a qual é exercido o
poder, como também se tem como certo que bem comum é um conceito absolutamente
vago. Aliás, Locke, no capítulo I do seu Ensaio
sobre o Governo Civil, já firma o seu conceito a respeito do Poder Político,
imbricando-o, com o bem público (=bem comum). Assevera o jusfilósofo inglês:
"Entendo, pois, por poder político o direito de fazer leis que estejam
sancionadas com a pena capital e, em conseqüência, leis sancionadas com penas menos graves para
a regulamentação da propriedade; e de empregar as forças do Estado para impor a
execução de tais leis e para defender a este (Estado) de todo atropelo externo;
e tudo isto com vistas ao bem público."[19]
No mesmo sentido, relata Machado
Paupério que "de tal modo está a
autoridade ligada à consecução do bem comum, que no antigo Egito só se tinha
por bom o Faraó que, construindo barragens e canais, tivesse produzido boas
inundações do Nilo e, portanto, bons efeitos fertilizantes para a terra."[20]
Como, todavia, a expressão, bem
comum, constitui algo difuso, parcela da doutrina, visando a contornar o
problema, elimina ou substitui a expressão, colocando em seu lugar paráfrases
do tipo solução dos problemas sociais
ou de fins sociais[21], o que também definitivamente
não resolve a questão.
O
problema está em que o Poder Político tem sido entendido como uma forma
homogênea que brota no seio da sociedade e que busca organizá-la, conceito
utópico, que não possui razão de ser. Com efeito, são hoje inadmissíveis as
teorias contratualistas de Locke e Rousseau e, bem assim, o pacto de
sujeição de Hobbes[22].
Há de ser admitida, pelo menos para
os tempos modernos, a existência da atomização do poder, com o aparecimento de
grupos de pressão defendendo interesses corporativos,[23] nada homogêneos, contrapondo-se
uns aos outros, na eterna prática de lobbies. A sociedade inorganizada, como
acentua Jean Dabin — ou os grupos de pressão, como
cremos nós — termina por impor sua lei[24] ao Estado.
Isso não quer dizer que se pretenda
assimilar poder político a poder estatal, como o faz entre nós, por exemplo,
Pontes de Miranda, consoante apontado por Meirelles
Teixeira[25], até porque o poder político é
anterior ao Estado, preexiste ao Estado, funda
ele próprio o Estado — agora mesmo, nos tempos presentes, assiste-se a
este fenômeno a todo instante com a criação dos estados independentes que
surgiram com o fim da União Soviética, e
com a dissolução da Iugoslávia etc.
Seria logicamente impossível admitir um poder estatal fundando o próprio
Estado. Coerentemente só se pode admitir o Estado sendo criado por um ente que
lhe seja externo e anterior.
Isso, porém, não se incompatibiliza
com o magistério de Miguel Reale que admite um tendência natural
para que o poder político, uma vez instituído o Estado, se torne cada vez mais
estatalizado. Afirma o pai da Teoria Tridimensional do Direito: "... o que
se pode verificar é a jurisfação, ou
seja, a juridicidade progressiva do
poder, mas nunca o desaparecimento do poder... há uma dialética essencial entre
direito e poder, de tal modo que o poder se subordina ao direito no ato mesmo
em que se decide por uma das soluções normativas possíveis, em função dos
valores e fatos que condicionam a decisão mesma. É a essa correlação dialética
que denomino jurisfação do poder."[26]
Em cima dessas premissas, podemos
afirmar que essa capacidade de imposição da vontade individual, ou de grupos de
pressão, à sociedade organizada, ou à organização da sociedade — visto como lhe
é precedente — e que tende, em certo sentido, após um momento inicial, a se
confundir com a sociedade por ela organizado é que se chama Poder Político.
Exercício do Poder
Questão que se coloca é, conceituado
o poder político, saber a quem toca o seu exercício, na organização da
sociedade política.
Há nessa matéria certa unanimidade
em assimilar, no momento da gestação do Estado, o conceito de poder político ao
de soberania[27]. Esse parece ser, por exemplo, o
pensamento de Machado Paupério, supedaneado em Ranelletti: "A soberania poderá
pertencer ao povo, no momento da constituição de um Estado ou da instauração
nele de uma nova forma de governo. Nesse caso,
o poder que cabe ao povo é um poder de fato, não um poder jurídico, que
não pode existir antes da constituição do Estado.[28]
Em sentido mais amplo, encontramos o
magistério de Leon Duguit: "Eu estou convencido que
todas essas discussões sobre o sentido o alcance da palavra soberania são
inteiramente despiciendas, porque as expressões soberania, poder político,
poder de dominação são sinônimas."[29]
Não se pode, porém, qualquer que
seja a corrente adotada, é abraçar a, data
venia, ingênua visão — que, conceda-se, foi de vital importância para a
história da humanidade, a partir da
adoção, na França, do pensamento do
Abade Sieyés, que permitiu a convolação dos
Estados Gerais em Assembléia Nacional —
de que a soberania é cometida ao povo, considerado como uma unidade homogênea.
Não se descura da conotação
histórica que é, certamente, da maior importância. O cometimento da soberania,
como poder de organização da sociedade, ao povo, partia da necessidade de
oposição que se fazia ao sistema absolutista vigorante na França, que atribuía
todo o poder ao Rei, poder esse de natureza divina, enquanto que na Inglaterra,
onde já se implantara a chamada
monarquia constitucional com Guilherme de Orange, o exercício do poder político
já passara para outras "mãos, sob a inspiração dos ensinamentos de Locke — que, fique bem claro, não era
totalmente original nas suas concepções
— , que inspirou as primeiras
formulações sobre o princípio da separação dos poderes e que são, restará
demonstrado, algo diversas das formulações teóricas hoje prevalecentes.
Parece certo admitir, contudo, nos
tempos de hoje, que o exercício do poder político multifacetado, fragmentário,
atomizado, segue duas vertentes: uma institucional, em que o poder é exercido —
e assegurado — por órgãos criados e reconhecidos pelo Estatuto Político do
Estado, a Constituição; outra em que o poder é exercido sobre esses órgãos,
através de entes, personalizados ou não, formadores de opinião, ou seja,
capazes de influir sobre o ânimo da coletividade (por exemplo, o Direito brasileiro
não reconhecia as centrais sindicais cujos representantes eram, sem embargo,
interlocutores constantes do Governo na formulação da política de formação de
preços, na política salarial e de modo
geral, na formulação da política econômica).
Nisso não há, porém, inteira
novidade. Com efeito, a separação dos poderes, que será vista com mais vagar na
seção subseqüente, partia de princípios similares aos que hoje provocam a
partição do poder. Novo é apenas o
aspecto fragmentário do poder e o fato de que a sociedade moderna — considerada
aqui apenas a chamada civilização ocidental — não é rigidamente estratificada.
Talvez até tenha sido a existência de sociedades rigidamente estratificadas a
mola propulsora do desenvolvimento da teoria da soberania popular.
O exercício do poder político é,
assim, do povo; não, porém, como unidade homogênea, mas sim de forma
fragmentária, embora não estamentalizada, onde a sociedade inorganizada
encontra múltiplas formas de manifestações e interesses sem que se possa perceber
exatamente qual o interesse prevalecente, sendo certo que o prevalecer de
idéias não está necessariamente ligado à expressão numérica do fragmento social
mas sim à capacidade de organização, articulação e pressão.
SEPARAÇÃO DOS PODERES
Considerações Prévias
Tem-se admitido como certo que o
Princípio da Separação dos Poderes, de estatura constitucional, influi de maneira preponderante na formação do
Estado, sendo acolhido praticamente em todas as modernas constituições,
ressalvada a Constituição do Estado do Vaticano.[30]
É certo, porém, que os princípios insculpidos
no Estatuto Político "padecem de uma imprecisão conceitual
ontológica", como já apontado preambularmente, cabendo à doutrina
precisá-los. No caso concreto, cumpre especificar o que hoje significa o
Princípio da Separação dos Poderes e como foi ele lançado no ordenamento
constitucional brasileiro pelo poder constituinte originário.
Isso não poderá ser feito senão com
o estudo da evolução do pensamento
filosófico e científico a respeito do tema.
Aristóteles,
o Precursor
Toda investigação a respeito conduz
ao estagirita como precursor da Teoria da Separação dos Poderes. Ao conceber no
seu A Política os princípios informadores da constituição mista, ou da
constituição média[31], já previa a partição do poder
entre classes, idéia que certamente foi assimilada pelos modernos formuladores
da teoria sob exame: o equilíbrio do poder político, através de sua
distribuição através das várias classes sociais, como forma de representar os
chamados fins sociais realmente queridos por toda a coletividade.
Para atingir esse desiderato
Aristóteles entendia ser necessário misturar
as diversas formas de governo que concebeu — realeza, aristocracia e república,
formas boas, e tirania, oligarquia e demagogia, formas más.[32] [33] [34]
— , porque nas constituições
puras[35] um único grupo ou classe social
detém o poder político.
A constituição mista é, para
Aristóteles, aquela em que os vários grupos
ou classes sociais participam do exercício do poder político, ou aquela em que
o exercício da soberania, ou o governo, em vez de estar nas mãos de uma única
parte constitutiva é comum a todas.
Há, pois, na teoria das
constituições mistas, uma espécie de separação dos poderes (poder político)
através de sua distribuição entre as várias classes sociais, embora não tivesse
cogitado Aristóteles, ainda, de uma expressa divisão
orgânica.
Locke
Menos festejado do que Montesquieu, parece certo afirmar que foi
Locke quem assentou — visando a dar
legitimidade à assunção de Guilherme de
Orange ao trono inglês — as bases do
Princípio da Separação dos Poderes, ou, mais bem dizendo, de uma das formulações
conceituais de maior prestígio a respeito do tema.[36]
As formulações de Locke não eram de natureza meramente
teórica. Ao revés, fundavam-se na experiência inglesa e, ao que parece,
representavam os anseios políticos da época.
Locke encontrava estabelecida no Estado Inglês a temática da
constituição mista porquanto o rei, a nobreza e os comuns ocupavam posições bem
definidas tanto nas instituições estaduais quanto no exercício do poder político.[37]
Ao contrário, porém, do que se sucede na teoria das constituições
mistas, que se baseiam num fato natural, Locke, a exemplo de Rousseau e Hobbes,
encontra a essência do poder político e, por via de conseqüência, do
Estado, em um pacto — pacto de sociedade para os dois primeiros, pacto de
sujeição para o último.
A adoção da teoria contratualista
sugere que Locke se afasta da teoria mista da
distribuição estamental do poder e pugna pela divisão de poderes; classifica-os
em legislativo, executivo e federativo, sendo que este último concerne aos
assuntos exteriores (poder de fazer a guerra, a paz, constituir ligas e
alianças e de levar adiante todas as negociações que seja preciso realizar como
pessoas e comunidades políticas alheias).[38]
Paulo Bonavides[39] aponta ter Locke distinguido o Judiciário como um
poder autônomo. Na mesma senda caminha Jose Maria Rodriguez Paniagua[40]. Essas opiniões são, a nosso
ver, equivocadas. Deveras, o exame da
fonte primeira, O Ensaio sobre o Governo
Civil, não autoriza a conclusão a
que chegam. Com efeito, a epígrafe do Capítulo XII bem demonstra o pensamento
do filósofo inglês: Do Poder Legislativo, do Poder Executivo e do Poder
Federativo da Comunidade Política; e, nele, somente esses três poderes são versados.
É claro que Locke não desconhece a necessidade do
exercício da função judicial, mas o atributo que lhe comete é esse mesmo: de
função; jamais lhe empresta a conotação de poder independente. Assim, por
exemplo, ao cuidar da sociedade Política, ou Civil, no Capítulo VII, afirma:
"Isto é que retira os homens de um estado de Natureza e os coloca dentro
de uma sociedade civil, quer dizer, o fato de estabelecer neste mundo um juiz
com autoridade para decidir todas as disputas e reparar todos os danos que
possa sofrer um membro da sociedade. Esse juiz é o Poder Legislativo."[41] O exercício da função judicial
seria, pois, atribuído ao poder legislativo, ou a quem ele delegasse; jamais
seria um outro poder.
Esclareça-se que essa separação de
poderes concebida por Locke não os colocava em absoluto pé
de igualdade. É compreensível isto: assim como Hobbes, no Leviatã, fazia a apologia do
poder absolutista (daí o pacto de sujeição), Locke
atacava as bases dos Estados absolutos conferindo o poder de fazer as
leis à sociedade como um todo e vinculando o chefe do Executivo a agir na sua
conformidade. Suas palavras não deixam margem a dúvida:
"Não somente é o poder legislativo o
poder máximo da comunidade política; é também sagrado e imutável em mãos onde a
comunidade o haja situado. Nenhum edito ou ordenação, seja de quem seja,
qualquer que seja sua redação e qualquer que seja o poder que lhe dê supedâneo,
tem a força e a obrigatoriedade de uma lei, se não tiver sido aprovada pelo
poder legislativo eleito e aprovado pelo povo." [42]
Sem embargo dessa supremacia do
Legislativo, parece evidente que a atribuição do poder executivo ao monarca 1)
aproximava a teoria de Locke da teoria das constituições
mistas e 2) intuía a separação de funções do Estado de forma não estanque,
sobretudo porque reservava ao Poder Executivo a chamada Prerrogativa, uma
espécie de poder de editar medidas
provisórias, para promover o bem comum, onde a lei fosse omissa ou lacunosa, ou
mesmo, em certos casos, agir contra legem
para atenuar os rigores da lei[43].
Isso tudo nos leva a crer ter sido Locke o primeiro formulador de uma teoria
da separação dos poderes, embora essa, evidentemente, não corresponda àquela
que foi popularizada por Montesquieu que, registre-se, foi
construída, indutivamente, a partir da observação do filósofo francês sobre a
Constituição e a praxis inglesas.
Montesquieu
Escreveu Madison nO Federalista: "O oráculo
que sempre se consulta e cita a esse respeito é o celebrado Montesquieu. Se não foi ele o autor deste
valioso preceito da ciência política, teve ao menos o mérito de expô-lo e
recomendá-lo de modo mais eficaz à atenção da humanidade."[44] Essa a dimensão que se deve
atribuir ao contributo de Montesquieu à teoria da separação dos
poderes, que se erigiu em princípio fundamental da organização política do
Estado moderno[45], marcando a evolução do
constitucionalismo francês e mundial, sobretudo após sua inserção no artigo 16
da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, soando "Toda sociedade
na qual não esteja assegurada a garantia
dos direitos do homem nem determinada a
separação dos poderes não possui constituição."
É quase indissonante o entendimento
de que o princípio da separação de poderes concebido por Montesquieu consiste em distinguir três funções
estatais — legislação, administração e jurisdição — e atribuí-las a três órgãos
ou grupos de órgãos, reciprocamente autônomos, que as exercerão com
exclusividade ou ao menos preponderantemente.[46]
Não nos parece, contudo, que esse
seja o único entendimento preponderante na teoria do jusfilósofo francês, como
será demonstrado a seguir.
A respeito de suas concepções, cujo
conhecimento facilita a compreensão da teoria sob exame, é preciso que se diga
que, diversamente de Locke e Rousseau, Montesquieu não é adepto das teorias
contratualistas e, por isso, não vê o poder soberano unitariamente contido no
povo. Isso é facilmente identificável em
diversas passagens de sua obra, quando se refere aos vários estratos sociais
como eventuais detentores do poder político[47], o que autoriza o entendimento
de que, mesmo com a não utilização expressa do termo, Montesquieu se aproxima seguramente da
teoria das constituições mistas, de distribuição do Poder Político por entre os
diversos estamentos sociais. Expressiva é esta passagem, extraída do famoso
Capítulo VI do Livro XI:
Existem sempre num
Estado pessoas eminentes pelo nascimento, pelas riquezas ou pelas honras.
Se elas ficassem
confundidas entre o Povo, e não tivessem senão um voto como os outros, a
liberdade comum seria a sua escravidão, e elas não teriam interesses em
defender a liberdade, porquanto a maioria das resoluções seria contra elas.
A participação dessas
pessoas na Legislação deve pois estar proporcionada às demais vantagens que têm
no Estado. Ora, isto se dará se elas formarem um corpo com direito de frear as
iniciativas do Povo, assim como o Povo terá direito de frear as delas.
Assim, o Poder
Legislativo estará confiado não só ao corpo
de nobres mas também ao corpo escolhido para representar o Povo. Os dois corpos
terão cada qual as suas assembléias e suas deliberações à parte, e pontos de
vista e interesses distintos.
Nuno Piçarra bem enfatiza esse aspecto e, em
conseqüência, consegue examinar a teoria de Montesquieu debaixo de um duplo enfoque: um
institucional, funcional, a que se chama separação vertical, que cuida da dimensão
orgânico-funcional; outro, extra-institucional, ou separação horizontal, que
cuida da dimensão político-social de sua doutrina.[48]
É evidente a utilidade da dimensão
político-social para a compreensão da obra de Montesquieu que, de sabença geral, era
referida à Inglaterra do Sec. XVIII e que tinha como referencial inarredável a
realidade social da França daquela época.
A distribuição do poder dentre os diversos estamentos buscava impedir a
sustentação teórica das chamadas monarquias absolutas, se bem que em Montesquieu
não se encontra uma real correspondência entre os diversos estratos sociais e
os órgãos designados para o exercício do poder.
Outro aspecto interessante na obra
de Montesquieu, quanto à dimensão
político-social é que, ao que parece, embora não adepto das teorias contratualistas,
entendia o Barão De La Brède que a representação das classes era, internamente,
fruto de uma vontade homogênea. Não havia, pois, para ele, conceito de maioria
ou minoria dentro das classes. Esse conceito só poderia ser entendido se
referenciado a outra classe.
É induvidoso, porém, que o caráter
mais festejado e mais conhecido da teoria de Montesquieu é o da separação das funções do
Estado, como forma de evitar o arbítrio. Assevera o jusfilósofo que em cada
Estado há três espécies de poderes: o Legislativo; o Executivo das coisas que
dependem do Direito das Gentes e o Executivo das que dependem do Direito Civil.
Pelo primeiro, o Príncipe ou
magistrado cuida da elaboração das leis, para algum tempo ou para sempre, e
corrige ou ab-roga as que estão feitas; pelo segundo, ele faz a paz ou a
guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança, previne invasões;[49] pelo terceiro, pune os crimes,
ou julga as demandas entre particulares.
A
respeito dessa separação, afirma Manoel Gonçalves Ferreira Filho:
"Em realidade, essa tripartição não tem
o rigor necessário para ser acatada como científica. De fato, é fácil mostrar
que as funções administrativa e jurisdicional são no fundo a mesma coisa que é
a aplicação da lei a casos particulares. A distinção entre ambas pode estar de modo, no acidental, portanto, já que
substancialmente não existe."[50]
Talvez nem seja o caso de ingressar
nessa discussão; porém, é evidente que o constitucionalista brasileiro sustenta
exatamente a mesma posição que é esposada por Montesquieu. Não há dissenso entre eles como
pareceu ao Professor brasileiro. Deveras, na variante que ora se examina, duas
são as funções executivas: uma das coisas que dependem do direito das gentes
(Poder Executivo do Estado); outra o Executivo das coisas que dependem do
Direito Civil (Poder de Julgar)[51]. Ambas funções de natureza
executiva no sentido de não serem atividade de criação do Direito, e serem, ao
revés, atividades conseqüentes, atividades de aplicação do Direito.
É bem de ver, porém, que, nada
obstante trate de uma mesma atividade executiva, Montesquieu sugere que,
subjetivamente, tais funções sejam atribuídas a seres distintos, como o faz,
também, relativamente ao Poder Legislativo. É celebre a passagem que se reproduz:
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de
Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade.
Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou o mesmo Senado faça leis tirânicas
para executá-las tiranicamente.
Também não haverá liberdade se o Poder de
Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto
com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria
arbitrário, pois o Juiz seria Legislador.
Se estivesse junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um
opressor.
Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um
mesmo corpo de principais ou de nobres, ou do Povo, exercesse estes três
poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de
julgar os crimes e as demandas dos particulares.
Montesquieu, em diversas passagens, acentua
uma enorme preocupação com o Poder de Julgar, com o que constitui, hoje, a
atividade do Poder Judiciário, e busca, cautelosamente, neutralizá-lo, num
exercício premonitório do que viria a acontecer mais tarde, por exemplo, nos
Estados Unidos, onde se estabeleceu o chamado "governo dos juízes" e
no Brasil. Fá-lo nestes termos:
O Poder de Julgar não
deve ser entregue a um senado — a
expressão deve ser entendida como representando um grupo de pessoas de escol —
permanente, mas exercido por pessoas tiradas do seio do Povo, em certas épocas
do ano, da maneira prescrita em lei, para formar um tribunal que não durará
senão o quanto o exigir a necessidade.
Deste modo, o Poder
de Julgar tão terrível entre os homens,
não estando ligado nem a um certo estado, nem a uma certa profissão torna-se,
por assim dizer, invisível e nulo.
..................
Mas, se os tribunais
não devem ser fixos, devem-no os julgamentos. A tal ponto que não sejam estes
jamais senão um texto preciso da lei. Fossem
eles a opinião particular dos juízes, e viver-se-ia na sociedade sem saber
precisamente quais os compromissos assumidos."[52] — os grifos não são
do original.
O Moderno Conceito de Separação
dos Poderes
Referindo-se a esse princípio,
alguns autores nacionais contemporâneos têm buscado demonstrar, hoje, a sua imprestabilidade.
Nesse sentido, afirma Manoel Gonçalves Ferreira Filho que "sua importância
costuma ser minimizada, seu fim, profetizado, sua existência até negada... ela
é mais aparente do que real"[53] Na mesma toada, Paulo Bonavides vai buscar em Coste-Floret a afirmação de que "há
muito tempo a regra da separação dos poderes, imaginada por Montesquieu como um meio e lutar contra o
absolutismo, perdeu toda a razão de ser."[54]
Ora, não procede o entendimento dos
que seguem essa corrente — pelo menos, não totalmente. Deveras, o que se pode ter como certo dessa
afirmação é que, sobretudo após a segunda guerra, não se fazem mais presentes
as condições que autorizavam a formulação da teoria da separação os poderes
especificamente referenciada à partilha do poder político, no sentido de que
todos os estratos da sociedade deveriam estar representados no concerto do
exercício das funções estatais.
Realmente, com o declínio das monarquias, mais bem dizendo, com o declínio das
estruturas monárquico-constitucionais detentoras do poder político e com a ascensão da chamada democracia parlamentar,
desapareceu o próprio substrato fático que autorizava a construção da teoria
das constituições mistas e da separação horizontal do poder, já que todo o
poder político passou a ser concentrado de modo uniforme no seio de toda a
coletividade, dentro de uma concepção que pode, nesse ponto particular,
ser considerada rousseauniana.
De outra parte, não se pode cogitar
de, com a ausência da sociedade estamentalizada, com diferentes pólos de poder,
uma inaplicação total dos postulados lançados por Montesquieu. Com efeito, já se disse aqui,
ao lado da separação horizontal, cuidou Montesquieu de uma separação
orgânico-funcional. Cometeu as principais atividades estatais
preponderantemente a certos órgãos, ainda que taxionomicamente se possa lançar
essa ou aquela crítica a esse cometimento. Bem de ver, contudo, que próprio
conceito de Poder Executivo à época da formulação de Montesquieu era
absolutamente distinto do que se tem hoje. O Poder Executivo de então se
resumia ao poder de executar as
resoluções públicas e se obtinha por
oposição, e residualmente, a Legislativo. Em outras palavras, o que não fosse
atividade de criação da lei seria atividade executiva. De outra parte, a Europa
daquela época não concebia um Estado
onipresente[55], atuando em todas as frentes
participando ativamente do jogo da economia e atuando como "Estado
assistencial" ou Estado "providence".
Mesmo, porém, com a alteração que se
possa ter do conceito de Poder Executivo, permanece válida, a nosso pensar, a
divisão orgânico-funcional preconizada na teoria da separação dos poderes[56] que tem, até, o condão e
estremá-la da teoria das constituições mistas, de purificá-la, portanto.
Mister se faz, apenas, que os
exercentes do poder (no aspecto orgânico-funcional), sejam legitimados pelos
detentores do poder político nas democracias representativas, por meio de
processos seletivos e temporários de representação.
Também não merecem qualquer
credibilidade as afirmações que rejeitam a teoria da separação dos poderes
porque a prática constitucional demonstrou ser impossível uma total separação,
sendo preferível falar-se em interdependência entre os poderes. É preciso que
se diga que Montesquieu jamais preconizou a separação absoluta entre os
poderes. Ele conhecia a versão da balança dos poderes, ou sistema de freios
recíprocos, controles recíprocos, tributário que era, confessadamente, do
constitucionalismo inglês, de onde é originário essa idéia. Nem por outro
motivo, uma das expressões mais famosas de Montesquieu é: o poder pára o
poder. Justamente por isso, atribui aos
poderes a faculté d'empêcher e a faculté de statuer sendo a primeira,
obviamente, um meio de controlar ou contrabalançar o poder de um outro
órgão.
Parece possível admitir, portanto, o
pleno espaço que possui essa teoria como uma das formas de garantia contra o
arbítrio, se bem aplicada for.
Ocorre, todavia, que, desaparecida a
sociedade estamental, o palco da garantia de poder político dividido entre
classes sociais, subsiste com outros atores, e em que a tentativa do arbítrio,
da opressão, é mais dissimulada, mais daninha e, quiçá, mais nociva, porque não
representa sequer os anseios de uma classe, mas inconfessadas pretensões
pessoais ou de grupos estritos. Isso, porém, será analisado quando for tratada
a realidade do Poder Judiciário Brasileiro.
A SEPARAÇÃO DOS PODERES NAS
CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
Desde a nossa primeira Constituição,
a Constituição Imperial de 25 de março de 1824, que a separação dos Poderes é
prevista no nosso ordenamento positivo. De fato, o Título III, que cuida
"Dos Poderes, e Representação Nacional" o consagra expressamente, in verbis:
Art. 9° - A divisão e harmonia dos
poderes políticos é o princípio conservador dos direitos dos cidadãos, e o mais
seguro meio de fazer efetivas as garantias que a Constituição oferece.
Art.
10 - Os poderes políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brasil
são quatro: o poder legislativo, o poder moderador, o poder executivo e o poder
judicial.
Art. 11 - Os representantes da nação
brasileira são o Imperador e a assembléia geral.
Art. 12 - Todos estes poderes do
Império do Brasil são delegados da nação.
De diferente, aí, somente o Poder
Moderador; no mais, é a estrutura de uma monarquia constitucional. A
Constituição Brasileira de 1824 e a Constituição portuguesa de 1826[57] adotaram o Poder Moderador sob o
influxo das idéias de Benjamin Constant, que partia do princípio de que
os três poderes ordinariamente concebidos na Teoria de Montesquieu poderiam
entrar em conflito de tal forma que se estabelecesse um impasse paralisante da
atividade estatal.
Esse Poder Moderador, cometido
exclusivamente ao Imperador, é que teria as funções de solucionar os impasses
que porventura viessem a ocorrer entre os outros Poderes. No caso brasileiro,
porém, como o Poder Executivo e o Moderador eram atribuídos ao Imperador, não
se conseguia a neutralidade que este último deveria possuir — consoante a
concepção de Benajmin Constant —, ocorrendo, isso sim, uma verdadeira
hipertrofia do Poder Executivo.
A primeira Constituição Republicana,
de 24 de fevereiro de 1891, acolheu o princípio na sua forma tradicional,
dispondo:
Art. 15. São órgãos da soberania
nacional o poder legislativo, o executivo e o judiciário, harmônicos e
independentes entre si.
A Constituição de 1934, limitou o
exercício dos poderes políticos aos lindes estatais — jurisfação do poder — expressando,
no seu artigo 3°:
Art. 3° São órgãos da soberania
nacional, dentro dos limites constitucionais, os Poderes Legislativo, Executivo
e Judiciário, independentes e coordenados entre si.
Ainda que tenha tido vida breve,
convém esclarecer que a Constituição de 34 retomou, certa maneira, uma espécie
de Poder Moderador, só que não mais atribuído ao Chefe do Executivo e sim ao
Senado. Dispunha, deveras, a regra do Artigo 88:
Art. 88. Ao Senado Federal, nos
termos dos arts. 90, 91 e 92, incumbe promover a coordenação dos poderes
federais entre si, manter a continuidade administrativa, velar pela
Constituição, colaborar na feitura de leis e praticar os demais atos da sua
competência.[58]
Por motivos óbvios, a Constituição
de 1937 não consagra o Princípio da Separação dos Poderes. A estrutura
concebida pelo Estatuto Básico de então, a nosso ver de estrutura evidentemente
ditatorial, encontra o seu apologista em Francisco Brochado da Rocha:
“No
presidencialismo brasileiro de 1937, o poder público não se divide. O poder,
que é uno, pertence, na sua totalidade, à Nação, ao seu povo. São os órgãos do
poder, não o próprio poder, que se especificam: Parlamento, Presidente da
República Tribunais; mas já não é a mesma natureza da tripartição clássica.
Como outrora, na Carta de Castilhos, a competência é preferentemente objetiva.
O Parlamento retém ainda a tarefa legiferante, mas só a retém em parte e o
Judiciário aplica a lei. O presidente da República, entretanto, não incorpora
só a atividade executiva. Ele vela pela execução da lei e possui igualmente,
não só a participação, mas também as funções legiferantes, quer por direito
próprio, quer por suplemento temporário, quer por delegação imperativa. Sua
posição proeminente se manifesta; ele é a suprema autoridade do País.”[59]
A Constituição de 1946, retomando a
tradição, estabelece, no seu artigo 36:
Art. 36. São Poderes da União o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si.
Somadas as verba legis acima à dicção do artigo primeiro, "todo poder
emana do povo", tem-se a concepção orgânico-funcional de Montesquieu,
evidentemente com a atualização do conceito de Poder Executivo.
A Constituição de 67 (inclusive a
Emenda n° 1 de 1969) manteve, no seu artigo 6°, sem qualquer alteração de
substância, mas com pequena inversão, a mesma redação da Constituição de 46.
A Constituição de 1988, no Título I,
que cuida dos Princípios Fundamentais, lança, no seu artigo 2°, a mesma
redação, valendo, pois, para o atual Estatuto Básico, o quanto se disse a
respeito da Constituição de 1946.
O PODER JUDICIÁRIO EM FACE DO
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO
Considerada a evolução do Direito
Constitucional Brasileiro parece não sobejar dúvida quanto à independência e harmonia dos três poderes.
Assim, lançado esse fragmento constitucional no Título que cuida dos Princípios
Fundamentais, a sua compreensão há de passar necessariamente pela hermenêutica
constitucional.
Nesse mister, é importante não
descurar da especificidade de que se revestem os elementos norteadores dessa
hermenêutica, deles importando reter a noção de autorreferência, visto que a
interpretação de tais normas não se pode valer de parâmetros, critérios e
princípios que não os nelas mesmas substanciados[60]. Importa dizer que todos os
elementos interpretativos do texto constitucional hão de ter sua conformação
exclusivamente endógena, além do que, sendo a Constituição um sistema, dotado,
portanto, de coerência, não se pode presumir contradição entre suas normas[61].
Havendo, portanto, situações
lindeiras, que insinuem a existência de antinomia constitucional, como parece
ocorrer na hipótese presente — haja vista a verdadeira inversão na estrutura
frasal do artigo 2°, onde se pretende substituir a expressão independência e harmonia dos poderes
por supremacia do Poder Judiciário[62]
—, impõe-se
buscar, na própria Constituição, à vista dos princípios dela extraíveis, um
modo de atribuir coerência e utilidade aos fragmentos nela lançados, não por
acaso, pelo legislador constituinte.
Sobreleva notar, no exercício da
hermenêutica constitucional, que o princípio
fundamental eleito pelo Constituinte como base da República Federativa do
Brasil foi o da harmonia e independência
dos poderes entre si.
Segundo o lapidar magistério de
Celso Antônio Bandeira de Mello:
Princípio é o mandamento nuclear de um
sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre
diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua
exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.[63]
Com as vistas voltadas para esse
princípio — e para os demais ensartados no título I — é que há o hermeneuta de
pautar a exegese de todas as normas do texto constitucional, porque é
justamente o Título I, que contém a síntese perfeita daquilo que o constituinte
originário, detentor da soberania, sufragou como supedâneo da República
Brasileira.
De outra parte, não olvidando que os
elementos da interpretação constitucional hão de ter sempre o caráter endógeno,
autorreferente, cumpre não descurar do fato de que o Constituinte, ao pinçar um
princípio para insculpi-lo no Estatuto Político, o faz consoante o princípio é
concebido na sociedade que a Lei Básica pretende reger. Não seria lógico
entender que o conceito informador do princípio da separação dos poderes, na
Constituição Brasileira, estivesse referenciado à distribuição do poder
político como nas monarquias mistas, ou na separação horizontal, justamente
porque a sociedade brasileira não é estamentalizada. Tanto mais assim se há de
entender quanto se sabe que o Parágrafo Único do artigo 1° elege o Povo como o
solitário detentor do poder.[64]
A questão é, pois, de separação
funcional. O poder é reservado ao Povo e é por este delegado aos membros do
Legislativo e do Executivo, ou é exercido diretamente, nos termos da
Constituição.
Há aí uma espécie de deslocamento de
pano de fundo: por um lado, a teoria de que o poder pára o poder deixa de se
preocupar com as classes sociais, com os estamentos, para se preocupar com
pessoas ou grupos de pessoas (grupos de pressão, lobbies). Por outro, o poder
político, num movimento originário de autorregulação estabelece, no seu
estatuto político, regras de jurisfação do poder de tal sorte que o exercício
de uma função não permita ao seu agente apresar os agentes das outras funções
estabelecidas, isto atentando à máxima de Montesquieu sobre a tendência que têm os
detentores do poder a dele abusar.
Não é difícil vislumbrar, nesta
Constituição, o zelo com que a matéria foi versada, o que nos deu um texto de
dimensões amazônicas, talvez um dos maiores do mundo em termos de fragmentos
(aí considerados artigos, incisos, alíneas, parágrafos), sendo tal zelo somente
justificável como um receio de evitar a hipertrofia do Poder Executivo, como
historicamente vinha ocorrendo na República Brasileira, às vezes disfarçada, às
vezes escancaradamente, como com a Constituição de 1937, e com o governo dos atos institucionais, tão
em voga após a revolução de 1964 — atos
esses que sem dúvida alguma representavam manifestação do poder constituinte
originário, fundado na força de um grupo misto,
militar e civil, com predominância do primeiro —, que
faziam com que o Brasil tivesse tantas
constituições ou alterações da constituição quantas fossem as suas edições.
A Assembléia Constituinte, que
vislumbrou nesses períodos o desmantelo do conceito de governo democrático,
privilegiou a atividade do Poder Legislativo — o que nos parece essencialmente
correto —, aproximando-se do conceito Lockeano de separação dos poderes que
também impunha a supremacia do Legislativo, que é onde se encontram os
representantes do Povo para deliberar a forma e sob que leis a sociedade se
quer ver regida, e alargou a incidência das chamadas cláusulas pétreas. Essas
impedem que mesmo o poder constituinte constituído (ou derivado) possa alterar:
a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a
separação dos Poderes e; os direitos e garantias individuais.
Ocorre que, cessados os períodos de
exceção e "consolidado" o assim chamado Estado Democrático de Direito
com a promulgação da Constituição de 1988, um fenômeno novo (em termos de
sociedade política brasileira), fático, passou a se manifestar, já com a
chamada Escola do Direito Alternativo,
da
Justiça do Rio Grande do Sul, já através de posições independentes de natureza
igualmente heterodoxa, em que o juiz abandona a lei — e a Constituição — e busca o seu sentido de justo legal, sem
qualquer compromisso com a norma estabelecida pelos representantes!? do
Povo.
Isso, que nos parece teratológico e
que fulmina com qualquer resquício que se tenha do conceito de soberania
popular, vem encontrando guarida irresponsável em sede de doutrina, quase
sempre lavrada por integrantes da própria magistratura, numa desabrida
advocacia pro domo sua, verdadeiro golpe de Estado desarmado.
Os corifeus dessa doutrina asseveram
que a existência de institutos (rectius,
ações constitucionais) como o Mandado de Segurança, o Mandado de Segurança
Coletivo, a Ação Popular, o Habeas Corpus
e o Habeas Data firmam o
convencimento no sentido do poder conferido ao Judiciário de investigar e
controlar os atos do Poder Executivo. Da mesma maneira, a existência, no
Direito Brasileiro, do controle difuso e concentrado de constitucionalidade de
leis demonstra a revisibilidade dos atos do Legislativo pelo Judiciário. As
ações de um e outro Poder estariam, portanto, sempre submetidas ao Judiciário
(que poderia placitá-las, ou não), o que atribuiria a este uma posição de
supremacia relativamente àqueles.
O
argumento é falto de qualquer supedâneo científico e desalinhado — quiçá adrede
desalinhado — de todas as regras de
hermenêutica conhecidas. Deveras, a existência dessas ações constitucionais,
segundo se depreende de sua inserção no artigo 5°, que cuida dos direitos e deveres
individuais e coletivos, visa justamente a garantir o cidadão contra os órgãos
do Estado, indistintamente, não contra esse ou aquele Poder. Considere-se, por
exemplo, o cabimento de ação popular contra o Estado por atos praticados pelo
Judiciário ou os mandados de segurança individuais e coletivos que podem ser
impetrados contra ato do próprio Judiciário.
Ainda que assim não fosse e,
realmente, por descuido do constituinte originário, ocorresse antinomia entre
fragmentos constitucionais (o artigo 2° e diversos incisos do artigo 5°) de que
regras deveria valer-se o hermeneuta para superar o impasse e, se possível,
atribuir utilidade a todos os textos
e apaziguar situações conflitivas?
A resposta a nosso ver
cientificamente honesta, e já alinhavada, não exige alta disquisição, desde que
se tenha presente a topologia das normas sob exame. O artigo 2° se encontra
incrustado no Título I (Dos Princípios Fundamentais), que é justamente o que
contém, como já acentuado, a síntese perfeita daquilo que o constituinte
originário elegeu como espeque da República Brasileira. Parece, por isso, até
despiciendo afirmar que é no princípio que há o hermeneuta de buscar a fonte de
compreensão de todas as normas.
A adequação visando a evitar a
antinomia far-se-á, pois, da regra para o princípio, jamais em sentido contrário; jamais do
referido para o referente, do fundamentado para o fundamentante; jamais puxar o
piano para o pufe.
O princípio, de seu turno, embora
exija o conhecimento de formulações teóricas a seu respeito, e das dissensões
teóricas lavradas, possui, em si, algo de absolutamente incontroverso: a independência e harmonia dos três
Poderes entre si.
Ora, no lugar em que o constituinte
diz independência não pode o
hermeneuta ler submissão, dependência,
subalternidade. Afinal, como adverte Rumpf, citado por Maury de Macedo, "As audácias do hermeneuta
não podem ir a ponto de substituir, de fato, a norma por outra."[65] Assim, as ações constitucionais
hão de existir, ter sua aplicabilidade e ser entendidas como forma de garantir esse independência e harmonia
entre os Poderes da República. Nunca o contrário.
Isso nos parece suficiente para
espancar essas peralvilhices que visam a atribuir supremacia ao Judiciário em
detrimento dos outros Poderes e, sobretudo —
e muito mais importante —, da soberania popular e de todos os conceitos
de democracia, como governo exercido pelo povo ou por seus representantes.
A DITADURA DO JUDICIÁRIO
A questão que se põe a esse
respeito tem pertinência com o fato de que, sem embargo de as considerações
retro se mostrarem de evidência solar, órgãos do Judiciário, sobretudo do Poder Judiciário Federal, no exercício de competência que não a penal,
vêm determinado a prisão de agentes dos outros poderes sob o argumento de que
cometem crimes de desobediência ou de prevaricação sempre que descumprem
comandos judiciais (= de juiz), sejam partícipes ou não de determinada relação
processual. É dizer, basta que o juiz ordene, mesmo a quem não seja parte, para
que surja o dever de cumprir, sob pena de prisão.[66].
Atribuem-se, esses julgadores, o
título de vice-rei e fazem tábula rasa já do Estatuto Básico já da legislação
subconstitucional. A esse respeito, afirma o Ministro Costa Lima, ao relatar Habeas corpus impetrado pelo Autor destas linhas, perante o colendo
Superior Tribunal de Justiça:
Agora, a moda sensacionalística,
alastra-se ao Ministério Público e ao Judiciário....
Há decisões que atentam contra a
Constituição pois, mesmo sem o devido processo legal, decretam prisão de
autoridades em processo civil e de pessoas que nem figuram como partes nas
demandas.
Diz a Constituição - art. 5°, LXI
- "ninguém será preso senão em flagrante delito ou
por ordem escrita e fundamentada
de autoridade judiciária competente.
"
A prisão de qualquer cidadão pode
decorrer:
a) de uma pena resultante de uma
ação criminal com sentença trânsita em julgado;
b) de uma prisão processual, em
flagrante, temporária, preventiva, decorrente de pronúncia ou de sentença
condenatória recorrível;
c) prisão civil, aplicável ao
"responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação
alimentícia e a do depositário infiel" — CF, art. 5°, LXVII e
d) prisão administrativa.
Desse modo, fica difícil de
compreender esses decretos de prisão de administradores, ao fundamento de que
desobedeceram a uma ordem judicial.
Ora, é comezinho que, se a
desobediência já se efetivou, o Juiz, no mesmo processo civil, não pode
decretar prisão, mas, única e exclusivamente, enviar peças dos autos ao Ministério
Público, a fim de que promova a ação penal competente, se a tanto concluir.
Caso a desobediência ainda não
ocorreu, também não pode decretar prisão antecipada, por presunção de que não
será obedecido. flagrante não se decreta, constata um fato ocorrente.
Lamentavelmente, porém, não se
conhece o instituto do stare decisis[68] [69] no Direito Brasileiro — que
poderia funcionar à semelhança do poder hierárquico do Direito Administrativo
—, o que faz com que juízes de jurisdição inferior, impunemente, desacolham as
razões desse julgado e busquem, de todas as formas, preservar suas
possibilidades de arbítrio.
Assim,
por exemplo, juízes que não se encontram no exercício da competência penal,
tentam justificar suas arbitrárias ordens de prisão afirmando que, em caso de
flagrante delito, a qualquer do povo e, também ao juiz, é admitido efetuar a
prisão. Colhemos, apenas à guisa de exemplo, argumentação desenvolvida nas
informações prestadas pela autoridade coatora[70]; no HC n° 93.01.04792-6:
"A prisão em flagrante pelo
juiz sem jurisdição criminal não se exerce apenas quando o ato for praticado em
sua presença, mas também quanto (sic) for objeto da infração. Causa
espécie o raciocínio que o legislador tenha permitido que qualquer do povo, em
se tratando de prisão em flagrante possa efetuá-la e não um juiz cível que está
presenciando no curso de uma demanda um ato de desobediência ou prevaricação em
mandado de segurança. "
No caso concreto, um mandado de
segurança[71], o órgão do Judiciário
determinou à Ré que concretizasse certo negócio e que "agentes da polícia
deveriam proceder à prisão em flagrante... caso houvesse resistência."
De lembrar, na certeza de que não
constitui superfetação, o entendimento do Ministro Costa Lima: não se pode decretar prisão antecipada, por presunção de que não será
obedecido. Flagrante não se decreta. Constata um fato ocorrente.
.
Também chega às raias do absurdo
pretender atribuir esse poder de fazer prender, ao juiz incompetente, com
espeque no argumento de que, in casu,
age ele como qualquer do povo. É evidente a especiosidade. Seria de
perguntar-se: qual do povo teria o poder de determinar a agentes de polícia que acompanhassem essa ou aquela
diligência? Qual do povo teria o poder de mandar que agentes de polícia agissem
dessa ou daquela maneira em face de um agir ou não agir de certo sujeito de
direitos? Qual agente de polícia atenderia a essas ordens, se emanadas de
qualquer do povo? Ora, não se pode torturar a lógica dos fatos. É de hialina
evidência que o agente de polícia age sob a autoridade de um juiz, não de um
qualquer do povo, e, no caso, sob a autoridade de um juiz incompetente.
Vale trazer à colação o magistério
de Hugo de Brito Machado a respeito:
"Poder-se-ia argumentar que, em
se tratando de situação flagrante, vale dizer, em se tratando de desobediência
que está sendo cometida, a prisão é válida porque pode ser efetuada por
qualquer pessoa. O argumento, porém, tem validade apenas aparente.
Com efeito, é necessário distinguir
o ato de prender, de efetuar a prisão de alguém, do ato de ordenar, do ato de
decretar a prisão de alguém. O ato de prender alguém pode ser motivado pelo
flagrante, o decreto de prisão
obviamente há de ter outro fundamento...
............................
Decidiu já a Quarta Turma do
Tribunal Regional Federal da 1a. Região: 'Fora do flagrante delito, ocorrido em
sua presença, o juiz que não tem competência para o processo criminal não
poderá ordenar a prisão de quem quer que seja."[72]
Sem embargo, alastra-se a prática
malsã em sentido contrário. Mesmo em execuções trabalhistas há adoção de duas
posturas absolutamente distintas, conforme o executado seja um particular ou o
Estado.
Se aviada contra um particular, a
execução segue seu iter normal com a
constrição, em caso de inadimplemento, incidindo sobre o patrimônio do devedor,
em prática multimilenar, que nos vem desde os meados do primeiro período
processual do direito romano.[73]
Se é contra o Estado, a constrição,
de forma desautorizada pela Constituição e pela legislação infraconstitucional,
se faz contra o corpo dos agentes administrativos, com a sua prisão[74], sob o mesmo argumento de que,
inacolhido o preceito judicial, ocorre crime de desobediência,
"deslembrados"!, esses juízes, de que o processo de execução se rege
por um sistema de ônus e constrições e não por um sistema de direitos e
deveres.
Pois bem, mesmo se levado de vencida
o argumento de que se trata de um sistema de ônus, o que só se concede para
argumentar, ter-se-á, então, um dever de
obediência no processo de execução. Descumprido o dever, poderão estar
presentes as elementares do tipo descrito no artigo 330 do Código Penal. Ora,
na hipótese, trata-se de crime (!) afiançável, o que desveste de qualquer
legalidade procedimentos praticados pelo juízo cível endentes à efetivação da
prisão.
Nesse sentido há voto vencedor do
Ministro Vicente Cernicchiaro, proferido em Habeas Corpus impetrado pelo Autor, cuja
transcrita é oportuna:
"Além do mais, a ordem expedida
"paga" ou "esteja preso" caracteriza o crime de
desobediência. Observa-se, a infração do art. 330 do Código Penal é afiançável,
e, por isso, haveria necessidade de se estabelecer a fiança. Há, portanto,
através da execução forçada, tanto no processo civil quanto no processo
trabalhista, o caminho adequado. Não há possibilidade de fazer-se, no caso,
superposição de sanção. A matéria é resolvida inteiramente na via processual, e
urgia, como dito, estabelecer a fiança."
[75]
Registre-se mais uma vez que a
matéria versada é essencialmente de índole constitucional. De fato, o artigo
5°, inc. LXVI, da Lei Básica, impede que alguém seja levado a prisão ou nela
mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.
Nem por outro motivo, Hugo de Brito
Machado, forte no decidido no HC n°
91.01.09138-7, em que foi Relator o Juiz Olindo Menezes, assevera: "Só é cabível a prisão em flagrante de crime
inafiançável."[76]
Os relatos e considerações acima são
apenas exemplificativos e têm por objetivo pôr a nu uma prática diuturna de
órgãos do Judiciário, representativa do mais odioso e execrável arbítrio.
CONCLUSÃO: A NECESSIDADE DE
CONTROLE DO JUDICIÁRIO
Lord Acton, citado por Ives Gandra Martins, dizia que o poder corrompe e o
poder absoluto corrompe absolutamente[77].
Se é certo que a Constituição
pátria prevê a independência e harmonia dos poderes, não estabeleceu eficaz
sistema de controles recíprocos, ou seja, não dividiu igualmente as faculdades d'empêcher
de que cuidava Montesquieu, como forma de equilíbrio entre
os poderes.
O tratamento constitucional
inusitado que recebeu o Poder
Judiciário brasileiro, cujos membros não são eleitos, e têm deferida a
faculdade de controlar a constitucionalidade das leis, tornou-o um
essencialmente diverso do concebido por praticamente todos os teóricos das
separação dos poderes, merecendo, também por isso, um tratamento especialíssimo de modo a evitar
que se torne letra morta a cláusula pétrea do princípio da separação dos
poderes.
Esse tratamento há-de levar em
conta, com máximo desvelo, a questão pertinente à legitimação dos três Poderes
da República.
Admitido como certo que o princípio
da separação dos poderes cuida de uma separação orgânica de funções — porque
incompreensível a adoção da teoria das constituições mistas em sociedades não
estamentalizadas — tem-se que a legitimação próxima do exercício dessas funções
deflui do próprio texto constitucional.
Ocorre que esse mesmo instrumento legitimante reconheceu que todo o
poder emana do povo, que o exerce por
meio de representantes eleitos, ou diretamente.... (Constituição Federal,
artigo 1°, parágrafo único), o que vem confirmado no artigo 14 do mesmo
Estatuto Político que determina: "A soberania popular será exercida pelo
sufrágio universal e pelo voto direto e secreto “(e periódico, conforme
definido no artigo 60, § 4°, que inclui essa disposição entre as cláusulas
pétreas).
Esse poder soberano, mesmo admitida
a tese de Miguel Reale sobre a jurisfação do poder, é exercido
sobre as funções (=poderes) Legislativa e Executiva, justamente por meio do
voto direto e periódico, como forma de escolha de seus agentes, representantes
no poder, e, induvidosamente, como forma de placitar ou reprovar condutas
havidas no exercício dessa representação.
No que diz, porém, com o Poder
Judiciário, a situação é bastante diferente. Não são os seus agentes escolhidos
pelo detentor da soberania e, sobretudo, não passam pelo controle periódico de
legitimação, o voto, visto como são vitalícios. Não têm, por isso, de proceder
na conformidade com o justo social,
presumivelmente querido pela lei. Elegem o seu justo pessoal — ao menos, podem
elegê-lo — independentemente de prestação de contas à sociedade sobre cuja
conduta decidem. Fazem-se independentes do voto da desavisada sociedade, que desconhece
a advertência de Lord Devlin: "
"É grande a tentação de
reconhecer o judiciário como uma elite capaz de se desviar dos trechos
demasiadamente embaraçados da estrada do processo democrático. Tratar-se-ia,
contudo, de desviação só aparentemente provisória; em realidade, seria ela a
entrada de uma via incapaz de se reunir à estrada principal, conduzindo
inevitavelmente, por mais longo e tortuoso que seja o caminho, ao estado
totalitário."[78]
Quadra lembrar que esses agentes,
não detentores de legitimação política, tiveram a si deferido o poder de julgar
situações conflitivas entre órgãos do Estado e particulares[79] e, comprovando a máxima de
Montesquieu, estão adegenerar esse poder em arbítrio, tentando subjugar os dois
outros poderes, justamente os que, bem ou mal, poderiam, ou podem, ser
controlados pelo detentor da soberania.
Esse proceder, tendente ao arbítrio
e à opressão, vulnera a Constituição naquilo que ela possui de mais
fundamental: a soberania da sociedade política. Vem a pêlo, por isso, repetir
as palavras candentes de Calmon de Passos:
"As violências contra a
Constituição levadas a termo pelo judiciário são menos espalhafatosas, porque,
sendo ele um poder desarmado, não tem a seu serviço nem o Exército, nem a
Marinha, nem a Aeronáutica ... Se menos espalhafatosos, não são menos
perniciosos, talvez sejam até mais daninhos. São como enfartes de que a gente é
vítima sem saber, enfartes que não nos
hospitalizam, mas vão minando a nossa saúde cívica e fazendo da cidadania do brasileiro uma coisa cada vez
mais esgarçada, mais abstrata, mais de pouca monta."[80]
É preciso, em face disso tudo, que
efetivos controles sobre o Judiciário sejam criados, de modo a garantir a
higidez do Princípio da Separação, o primado da soberania popular e a liberdade
dos cidadãos. Os controles existentes são ineficazes (processos por crime de
abuso de autoridade, responsabilidade do Estado por erro judiciário,
recorribilidade das decisões teratológicas) e isso é facilmente perceptível no
chamado mundo sensível, embora tenham alguma pertinência no chamado mundo
normativo.
Não se pretende, obviamente, reduzir
a independência do Judiciário. Quer-se, isso sim, reduzi-lo às suas reais
dimensões: igual aos outros Poderes, nem mais nem menos importante. Não é,
pois, o caso de reduzir o Judiciário a "um poder nulo e invisível" ou
à "boca que pronuncia as palavras da lei", mas sim de confiná-lo aos
limites da Constituição.
Para isso é imprescindível a criação
de uma corte política de controle de constitucionalidade — que possa exercer um
juízo prévio de compatibilidade das leis com a Constituição — extinguindo-se a
possibilidade do controle difuso exercido pelos juízes, nos mesmos moldes do
direito francês. Essa imprescindibilidade
resulta de uma obviedade: se ao Judiciário couber dizer o que é a Constituição
e quais leis são ou não com ela compatíveis, toda a sua conduta, por mais
estapafúrdia, estranha e arbitrária que seja, será por ele mesmo julgada legal!
Além disso, outros instrumentos e
mecanismos podem ser criados. É
cogitável, por exemplo, a extensão legal dos efeitos de uma decisão de um órgão
de jurisdição superior sobre todos os órgãos de jurisdição inferior, com
penalidades ao juiz que desacatasse esses efeitos vinculantes. Seria uma
espécie de stare decisis, no direito
do tronco romano-germânico, a exemplo dos assentos
do Direito Português.
Poder-se-ia cogitar, também, de
eleições para o cargo de juiz, e para os mais recalcitrantes em admitir essa
idéia (que não é nem nova nem inusitada, já que encontra paradigma no Direito
comparado), far-se-ia a concessão do referendo popular. Em outras palavras, o
sistema de ingresso na magistratura seria por meio de concurso de provas e
títulos, referendável o acesso, após um determinado período.
Também seria possível a inserção,
no texto constitucional, de preceito estabelecendo a responsabilidade dos
órgãos do Judiciário, a exemplo do que se contém no artigo 23 da Constituição
do Uruguai, cuja transcrita é oportuna:
"Art.
23. Todos los Jueces son responsables
ante la Ley, de la más pequeña agresión contra los derechos de las personas,
asi como por separarse del orden de proceder que en ella se establezca".
A adoção dessas medidas não
excluiria a possibilidade de conselhos de cidadãos, detentores originais da
soberania, com competência para fiscalizar a atividade do Judiciário e coibir
abusos e desviamentos cometidos em detrimento do regime democrático ou em
violação dos direitos da cidadania. Aí sim, a soberania popular teria o
controle de todas as funções estatais.
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NOTAS
1]O
Jurista gaúcho publicou Relatório que ofereceu ao Congresso da Associação
Internacional de Direito Judiciário sustentando que a Constituição conferiu ao
Poder Judiciário, no Estado de Direito, "importância superior à dos demais
Poderes.", in Revista de
Processo n° 61, p. 161.
[2]
in, O Controle da Constitucionalidade
da Leis e do Poder de Tributar na Constituição de 1988, p. 23.
[3]
Ver, por todos, Paulo Bonavides, in,
Ciência Política, p. 162.
[4]
in Mandado de Segurança Coletivo,
Mandado de Injunção e Habeas data (Constituição e Processo), p. 51.
[5]
Revista Veja (Páginas Amarelas), Ano 26, nº 17.
[6]apud, VELLOSO, Carlos Mário da Silva. O
Superior Tribunal de Justiça (competências Originária e Recursal), in, Recursos no Superior Tribunal de
Justiça, Coordenação de Sálvio de Figueiredo Teixeira, p. 3.
[7]
"... c'est une expérience éternelle que tout homme que a du pouvoir est
porté à en abuser.", apud Caio Tácito,
Poder de Polícia e Polícia do Poder, in
Direito Administrativo da Ordem Pública, p. 95.
[8]
Confira-se o entendimento do filósofo inglês em An Essay Concerning The True
Original Extent and end of Civil Government, passim.
[9]
Conceda-se, porém, que o conceito de poder executivo, à época, era diverso do
que vige hoje, conforme será oportunamente demonstrado.
[10]
Interpretação e Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 1982, p. 16.
[11]idem,
ibidem, p. 14.
[12]
Cf. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, in,
Teoria do Poder, p. 34, nota 4.
[14] Afirma o mestre de Louvain: "Du
moment que le droit positif est lié à l'existence d'un ordre sociétaire — celui
de la société politique, interne ou internationale, — il ne peut trouver sa
source, au moins sa source dernière, que dans le pouvoir, c'est à dire,
l'autorité qualifiée pour presider à l'organisation du groupe et à la direction
de ses membres", in Théorie
Générale du Droit, p. 31.
[15]
Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, no "sentido antropológico, o poder se origina num diferencial de capacidade, sempre presente, dada a natural desigualdade
entre cada ser humano, que a vontade pode utilizar para produzir efeitos que
não ocorreriam espontaneamente. No sentido
sociológico, o poder é o princípio motor da instituição, o acréscimo
energético, o quantum que faz do
costume uma instituição, tornando-a impositiva para organizar o meio social
segundo uma idéia.", op. cit., p. 36.
[16] apud, Diogo de Figueiredo Moreirta
Neto, op. cit., p. 53.
[17]
Nesse sentido Claude Raffestin, op. cit. p. 46.
[18]
Curso de Direito Constitucional, p. 202.
[19]
Op. cit. p. 29, n/tradução.
[20] In, O Conceito Polêmico de Soberania,
p. 181, nota 23.
[21]
Cf. Paulo Bonavides, in, Ciência Política, pag. 108.
[22]
Cf. Machado Paupério, op. cit.p. 86, nota 25.
[23]
Fala-se de interesses de sindicatos, de banqueiros, da imprensa, dos sem-terra,
dos usineiros etc.
[24]
Op. Cit. , p. 34.
[25]
Obra e local citados.
[26]
in Teoria do Direito e do Estado, p.
82.
[27]
Diz-se, ao momento da formação do Estado, porque, após, dividem-se as opiniões,
uns entendendo que o poder político passa a ser exercido pelos órgãos
constituídos, outros entendendo que ele continua fora da estrutura do Estado,
embora sobre ele incidindo de forma direta.
[28]
Op. cit. p. 81.
[29]
No original: "Je reste convaincu que toutes ces discussions sur le sens e
la portée du mot souveraineté sont purement oiseuses, que les expressions
souveraineté, pouvoir politique, pouvoir de domination sont synonymes.."in, Traité de Droit Constitutionnel,
vol. I, troisième édition, Ancienne Librairie Fontemoing & Cia., Éditeurs. E.
de Boccard, Sucesseur, 1927, pag. 544.
[30]
Cf. Nuno Piçarra, in, A separação dos
Poderes como Doutrina e Princípio Constitucional — Um contributo para o Estudo
e suas Origens e Evolução, p.11, nota 1.
[31]
Nuno Piçarra entende que o conceito de constituição mista atende às desigualdades
e diversidades existentes na sociedade com o objetivo de as compor na orgânica
constitucional, de tal maneira que nenhuma classe adquira preponderância sobre
a outra, enquanto que a constituição média encara o equilíbrio entre as classes
como um processo de atenuação das diferenças entre elas, ou seja, como um
processo de integração numa grande classe média.- op. cit. p. 35.
[32]
A Política, p. 109.
[33]
Nuno Piçarra, baseado na mesma fonte, indica como formas de governo a
monarquia, aristocracia, república e tirania, oligarquia e democracia. op. cit,
p. 33.
[34]
Ives Gandra Martins aponta: reino, aristocracia e politia (boas formas) e
tirania, oligarquia e democracia (formas más), in, A Separação dos Poderes no Brasil, p. 17.
[35]
Aristóteles assimilava constituição a governo.
[36]
Há três opiniões, segundo Nuno Piçarra, a respeito da autoria da separação dos
poderes: a que entende ter sido Locke o seu autor original; a que vê em Locke
mero precursor de Montesquieu e a que não vê na sua obra qualquer doutrina de separação.
[37]
Cf. Piçarra, op. cit. p. 67.
[38]
Locke, op. cit. p. 167
[39]
Ciência Política, p. 148.
[40] In, Historia del Pensamiento
Juridico, especialmente pp. 124/ 125.
[41] Ob. cit. p. 111.
[42] Op. cit. p. 153, n/ trad.
[43] Op. cit. p. 182.
[44]
Apud, Paulo Bonavides, op. cit. p.
149.
[45]
A primeira vez que esse princípio foi expressamente adotado foi em 1776, na
Declaração de Direitos da Virginia.
[46]
Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, p. 76.
[47]
V. g. Livro XI, cap. VI.
[48] Op. cit. p. 105
[49]
Corresponde essencialmente ao Poder Federativo da teoria de Locke.
[50]
Op. cit. p. 78
[51]
Esclareça-se que a concepção de Direito Civil é absolutamente distinta da que
se tem hoje. Montesquieu, por exemplo, dividia o Direito em: Direito das Gentes,
Direito Político e Direito Civil (onde se situa inclusive o direito penal,
embora já distinguisse as questões penais das demandas entre particulares).
[52] Op. cit. p.s. 167/168.
[53] Op. cit. p. 79.
[54] Op. cit. p. 162
[55]
Diferentemente do que acontecia na antiguidade clássica, como relata Fustel de
Coulanges, in A Cidade Antiga.
[56]
Isto se casa com o conceito rousseauniano de que o poder é indivisível (uno) na
sua origem e múltiplo no seu exercício.
[57]
Equivocada a informação de Paulo Bonavides,
in Ciência Política, p. 159, no sentido de que somente o Brasil teria
adotado a Teoria do Poder Moderador.
[58]
Cf. Celso Ribeiro Bastos, A Constituição de 1934, p. 4.
[59]
in
A Constituição de 1937, p. 9.
[60]
Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres de Brito, Interpretação e Aplicabilidade
das Normas Constitucionais, p. 14/15.
[61]
Eros Roberto Grau, A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e
Crítica), p. 214.
[62]
Confira-se o entendimento de Galeno Lacerda e Sacha Calmon Navarro Coelho, nas
notas 1 e 2.
[63]
Elementos de Direito Administrativo, p. 299.
[64]
Observadas, obviamente, as nossas considerações sobre a atomização do poder nas
sociedades contemporâneas.
[65]
In, A Lei e o Arbítrio à Luz da
Hermenêutica, pag. 127.
[66]
Em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal, em desfavor do
Instituto Nacional de Seguro Social, tramitando perante a Justiça Federal de
São Paulo, o Juiz Corregedor do Tribunal Regional Federal da 3a. Região
determinou, sob pena de prisão, que o Presidente do Banco Central do Brasil,
que não era, evidentemente, parte no feito, bloqueasse as contas da Autarquia
ré.
[67]
Habeas Corpus n° 1169-0 -SP, publicado no DJ de 04.05.92
[68]
Cuja expressão completa é stare decisis
et non quieta movere.
[69]
Ressalvada hipótese assimilada no direito eleitoral e a disposição pertinente à
Ação Declaratória de Constitucionalidade, criada pela Emenda Constitucional n°
3/93.
[70]
A Juíza Federal da 4a. Vara, da Seção Judiciária de Brasília, DJ de 16.03.93.
[71]
Tratava-se de mandado de segurança com sentença concessiva, não transitada em
julgado, em que a ordem, resistida pela impetrada, consistia em determinar à
CEF que, em execução provisória??? concluísse, em caráter definitivo, um
negócio de compra e venda imobiliária, como se isso fosse possível nessa
modalidade de execução.
[72]
in, Correio Braziliense, Suplemento
Direito & Justiça, 09.03.92.
[73]
O período das legis actiones. A
partir da edição da Lex Poetelia Papiria,
em 326 a.C., proibiu-se que a execução se processasse sobre o corpo do devedor
e impunha que o patrimônio respondia pelas dívidas do seu titular.
[74]
Até agora, pelo menos, ainda não se viu o mesmo expediente contra o devedor
privado que não paga, em execução trabalhista. Penhoram-se-lhe os bens que,
levados a hasta, servem, com o produto, à integração do direito reconhecido ao
credor.
[75]
HC n° 1.404-1 - RJ, DJ de 14.06.93.
[76]
Obra e local citados.
[77]
in A Separação de Poderes no Brasil, p. 67.
[78]
Apud, Mauro Cappelletti, Juízes
Legisladores? p. 93.
[79]
Já se viu que na concepção clássica, até hoje acolhida em França, o Judiciário
não julga causa em que o Estado se encontre na qualidade de parte.
[80]
in Mandado de Segurança
Coletivo, Mandado de Injunção e Habeas
Data (Constituição e Processo), p. 51.
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