Reproduzo, aqui, artigo produzido para a coluna Processo e Procedimento que mantemos, Guilherme Pupe da Nóbrega e eu, no Jornal Migalhas
Jorge Amaury Maia Nunes
Não têm sido
raras as investidas de membros do Judiciário contra o Código de Processo Civil.
Mesmo imbuídos de boas intenções, tribunais, associações, escolas de
magistratura, a pretexto de uniformizar entendimento sobre a aplicação do novo Codex, findam por deturpar-lhe o sentido
e, não raro, a finalidade.
A última
dessas investidas veio sob o patrocínio do Superior Tribunal de Justiça, na
quarta-feira pretérita, dia 16, conforme dá notícia o sítio daquela Corte. A
primeira parte da notícia chega a ser deveras animadora porque informa que “o
STJ aprovou uma série de mudanças em seu regimento interno. Todos os pontos
foram debatidos pelo Pleno, na tarde da última quarta-feira, 16. A mudança
contempla importantes aspectos para o funcionamento da Corte, como os pedidos
de vista, as decisões monocráticas, as cautelas provisórias e os embargos
declaratórios.”
Era isso
que realmente se esperava de uma Corte encarregada pela Constituição de dar a
última palavra sobre a aplicação do direito federal. Ocorre que, logo no
primeiro tópico examinado, Pedido de vista, vem a decepção bater na nossa porta. Com
efeito, a matéria informa que
“Fica mantido o prazo de 60 dias (prorrogáveis por mais 30) para a
devolução de pedidos de vista. O novo CPC reduziu o prazo para 10 dias, com a
possibilidade de convocação de outro magistrado caso o julgamento não seja
finalizado.
O plenário concluiu que a regra própria utilizada pelo STJ agilizou a
apresentação dos votos-vista dentro de um prazo razoável. Fundamentalmente, o
Pleno entendeu que a nova regra do CPC é destinada aos tribunais locais, de
apelação, e não ao STJ.”
Não é o
caso nem de pedir vênia para indicar o despropósito que isso representa. O STJ
investiu-se de poderes de legislador ordinário e derrogou o art. 940 do Código
de Processo Civil, por meio da redução do seu âmbito de vigência pessoal e material,
afirmando que o dispositivo em tela somente seria aplicável aos tribunais
ordinários, não merecendo aplicabilidade no próprio STJ. O texto da lei é claro:
Art. 940. O relator ou outro juiz que não se considerar habilitado
a proferir imediatamente seu voto poderá solicitar vista pelo prazo máximo de
10 (dez) dias, após o qual o recurso será reincluído em pauta para julgamento
na sessão seguinte à data da devolução.
§ 1o Se os autos não forem devolvidos tempestivamente
ou se não for solicitada pelo juiz prorrogação de prazo de no máximo mais 10
(dez) dias, o presidente do órgão fracionário os requisitará para julgamento do
recurso na sessão ordinária subsequente, com publicação da pauta em que for
incluído.
§ 2o Quando requisitar os autos na forma do § 1o,
se aquele que fez o pedido de vista ainda não se sentir habilitado a votar, o
presidente convocará substituto para proferir voto, na forma estabelecida no
regimento interno do tribunal.
Dele, não resulta nenhuma ideia de restrição quanto ao seu âmbito de
vigência pessoal ou material. Ao revés, o exame da topologia da norma e a
interpretação sistemática indicam caminho oposto àquele trilhado pelo egrégio
STJ. Deveras, esse artigo está encartado no Livro
III, dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões
judiciais, Título I, da ordem dos
processos e dos processos de competência originária dos tribunais, Capítulo II
da ordem dos processos no tribunal.
da ordem dos processos no tribunal.
Não se lê, no título e no capítulo indicados, nenhuma indicação
restritiva. Ao revés, o que se pode depreender é que a regra vale para todo e
qualquer tribunal, aí incluídos o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo
Tribunal Federal. Bom exemplo disso é o vizinho art. 937, aqui parcialmente
reproduzido:
Art. 937. Na sessão de julgamento, depois da exposição da causa
pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao
recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público,
pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada um, a fim de
sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses, nos termos da parte final do
caput do art.
1.021:
Ora, não parece que possa o STJ deixar de ler, no
texto normativo, especialmente nos três últimos incisos, hipóteses em que
destinatárias são instâncias de superposição. Isso seria suficiente para deitar
por terra essa tentativa daquele tribunal de criar uma regra extremamente mais
restrita do que aquela concebida pelo legislador ordinário. Em homenagem ao
tribunal, a única coisa que se pode dizer é que a conduta dele não é original.
O Supremo Tribunal Federal - sem nenhuma
autorização que não o próprio poder -
deu também interpretação restritiva ao parágrafo único do art. 800 do
Código de Processo Civil revogado, para afirmar que o fragmento em tela somente
teria aplicabilidade nas situações que envolvessem as instâncias ordinárias,
chegando, mesmo, a editar súmulas a esse respeito (súmulas 634 e 635), sem
embargo da literalidade do texto.
Art. 800.
As medidas cautelares serão requeridas ao juiz da causa; e, quando
preparatórias, ao juiz competente para conhecer da ação principal.
Parágrafo
único. Nos casos urgentes, se a causa estiver no tribunal, será competente o
relator do recurso.
Por maior que seja o esforço, não se lê
no texto reproduzido nada que permita ao Supremo a redução do âmbito de
vigência da norma. O máximo que se pode dizer é que o STF fez-se desatento em relação
à advertência de Rumpf, citado por Maury
de Macedo[i]: As audácias do hermeneuta
não podem ir a ponto de substituir, de fato, a norma por outra.
Uma
vez aberto, pelo STF, o desprezo pelo âmbito de vigência das normas
processuais, sentiu-se o STJ animado a perpetrar o mesmo crime contra a norma
do art. 940 do CPC/2015. Os argumentos que se têm lido e ouvido para justificar
são, no máximo da boa-vontade, pífios. Diz-se que o STJ pode fazê-lo porque, no
Direito Brasileiro, é o intérprete último da norma processual. E é mesmo, mas
disso não se extrai que o órgão do Judiciário tenha poderes de legislador para
alterar a norma jurídica. Diz-se, também, que o legislador processual invadiu a
seara administrativa dos tribunais ao editar normas reitoras de prazos internos
das cortes. Sem comentários. Aliás, só um comentário. São os regimentos de
tribunais que hão de ajustar-se aos Códigos Processuais. Jamais, o contrário.
No que concerne aos Embargos de Declaração, andou
bem o STJ ao estabelecer que, a partir de agora, os embargos de declaração serão
previamente publicados em pauta para garantir transparência e previsibilidade
ao julgamento. Acabou o julgamento dos embargos em mesa ou por lista, conforme
determina o novo CPC. Todos os embargos de declaração serão publicados em pauta
para que todos saibam com antecedência quando eles serão julgados pelo
colegiado. Realmente, ainda que se tenha enorme preocupação com o absurdo
número de processos que desabam sobre as cortes superiores, não parece que
possa ajustar-se ao conceito de devido processo legal um julgamento que se faz
por lista, relação, ou coisa semelhante. É preciso que as partes e a sociedade
de um modo geral saibam o que está a julgar a corte. Aplausos, pois, ao STJ
que, no particular, ajustou-se ao novo Código de Processo Civil
Em outra
vertente, é bem de ver que o STJ deliberou que o relator poderá decidir monocraticamente
sempre que houver jurisprudência dominante do STF ou do STJ. Essa era a regra
do art. 557 do Código revogado e que não foi repetida no novo Código. Agora,
fala-se na possibilidade de o relator negar provimento a recurso que seja
contrário a súmula do STF, STJ ou do próprio tribunal, ou contrário a acórdão
proferido pelo STF ou STJ em julgamento de Recursos repetitivos; ou, ainda, a entendimento
firmando em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de
competência.
Cuidou o
STJ, no mesmo azo, de publicar alguns enunciados administrativos, com o objetivo
de orientar a comunidade jurídica sobre a questão do direito intertemporal,
referente à aplicação da regra nova ou da antiga, a cada caso. Cabe o registro
de que as questões de direito intertemporal, no caso brasileiro, são sempre
delicadas e, certamente, não obstante o esforço despendido pelo STJ, gerarão
muitas dúvidas e questionamentos. Sem embargo disso, parece válida a tentativa
do Tribunal de antever algumas hipóteses e oferecer desde logo a solução que
reputa adequada.
Os enunciados aprovados pelo Plenário do STJ são seguintes:
a) aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
b) Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
c) os feitos de competência civil originária e recursal do STJ, os atos processuais que vierem a ser praticados por julgadores, partes, Ministério Público, procuradores, serventuários e auxiliares da Justiça a partir de 18 de março de 2016, deverão observar os novos procedimentos trazidos pelo CPC/2015, sem prejuízo do disposto em legislação processual especial.
d) nos recursos tempestivos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016), não caberá a abertura de prazo prevista no art. 932, parágrafo único, c/c o art. 1.029, § 3º, do novo CPC.
e)Nos recursos
tempestivos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões
publicadas a partir de 18 de março de 2016), somente será concedido o prazo
previsto no art. 932, parágrafo único, c/c o art. 1.029, § 3º, do novo CPC para
que a parte sane vício estritamente formal.
Ainda voltaremos ao tema.
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