EXECUÇÃO
Primeiros apontamentos
Em Teoria Geral
do Processo, quando estudamos as primeiras classificações sobre a atividade
desenvolvida pelas partes e pelo juiz, percebemos, de forma bastante singela,
que há situações em que a preocupação das partes é tentar demonstrar ao
magistrado o direito que alegam possuir. Em contrapartida, o magistrado
preocupa-se em investigar os fatos narrados na petição inicial e na
contestação, para, ao fim, inteirado quanto a certeza dos fatos, atribui o bem
da vida ao autor ou ao réu.
Essa atividade
corresponde ao que a doutrina apelidou, justamente, de processo de
conhecimento, expressão também adotada pelo direito positivo, que corresponde,
no caso de procedência do pedido do autor, a sentenças de natureza
declaratória, constitutiva, condenatória (a que depois Pontes de Miranda acrescentou
duas novas categorias, executiva e mandamental).
Além dessa
atividade de cognição que visa ao acertamento do direito das partes, há, no
âmbito do processo civil, outra atividade jurisdicional, que já parte da
certeza do direito (decorrente da investigação que o magistrado realizou ou
da presunção atribuída pelo ordenamento
positivo a certos títulos), apelidada de atividade jurissatisfativa, e que não
se limita apenas a procurar a certeza
quanto aos fatos para atribuir no campo normativo, o bem da vida a A ou a B, mas, sim, a provocar, no mundo sensível, uma alteração de
situação tal que implique a efetiva atribuição do bem da vida ao vencedor da
demanda.
Esse mister
jurissatisfativo é exercido por meio de atividades executivas, normalmente,
porém não necessariamente, dentro de um processo de execução, e tem recebido
novo apelido quando decorre de uma sentença proferida no processo de
conhecimento: cumprimento de sentença.
É certo que o
código de processo civil pretérito tinha, no curso das alterações por que
passou, desde 1994, suprimido, sempre que pôde, tanto a expressão sentença
condenatória quanto execução de sentença, como se o legislador reformista
estivesse tentando expurgar do ordenamento positivo seres malditos, capazes de
gerar danos à sociedade, responsáveis por todas as mazelas sofridas pela
prestação tardia da atividade jurisdicional. Por certo que essas expressões não
possuem a força nefasta que lhes é atribuída, nem a sua supressão é capaz de
eliminar ou alterar a natureza da atividade executiva, a ser realizada pelo
Estado-juiz como fito de dar efetividade, no mundo dos fatos, àquilo que foi
decidido no plano normativo (da norma jurídica individual apelidada de
sentença). Diz-se, por isso, normalmente, que o processo de conhecimento o juiz
caminha dos fatos par a norma e, no processo de execução, caminha da norma para
os fatos.
A EXECUÇÃO
A EXECUÇÃO
O étimo da
palavra ajuda a compreensão do fenômeno: execução, como lecionava o velho
Alcides de Mendonça Lima, corresponde pelo sentido ao verbo latino exsequi, mas provém da forma românica executare (pelo particípio exsecutus). A raiz seq
ou sec indica o sentido de
seguir, conseguir, executar, execução, perseguir... (conferir, Comentários,
vol. VI, tomo I, Forense, 1977, p. 20). Modernamente, e sem muita precisão técnica,
podemos arrolar como executiva toda atividade processual tendente a realizar
efetivamente o direito daquele que, por ato judicial ou por outro título
legitimante, tem o direito de impor a
outrem que com ele esteja em relação jurídica uma conduta positiva ou negativa,
por vontade própria ou por constrangimento estatal. De fato, promovida a
execução, por meio da qual foi exigida da parte passiva uma obrigação de fazer,
não fazer, dar e pagar (e a obrigação de pagar nada mais é do que uma especial
forma de obrigação de dar), o executado pode simplesmente aquiescer a cumprir a
obrigação constante no título executivo (judicial ou extrajudicial) ou pode
ignorar ou, até, resistir à pretensão executiva exercida pelo suposto credor.
Na hipótese da
indiferença ou resistência à pretensão exercida pelo credor, caberá ao
Estado-juiz lançar mão do aparato da força legítima para realizar o direito do
credor. Os meios de que pode valer-se o Estado para consecução do objetivo
execucional são vários, e sua utilização dependerá do tipo da prestação obrigacional
perseguida em juízo. Fala-se, em sede de doutrina, em execução própria e
execução imprópria, dependendo da utilização da técnica A
ou da técnica B,
classificação que, a nosso ver não colabora em nada para fins da compreensão do
fenômeno executivo. Fala-se, também, e às vezes no mesmo sentido, de execução direta e indireta, para
caracterizar a atividade do Estado-juiz. No primeiro caso, incidindo de forma
imediata sobre o patrimônio do executado, por meio da sub-rogação do Estado em
alguns dos bens do executado cujo valor seja capaz de honrar o crédito
perseguido. No segundo caso, execução indireta, cogita-se de atividades do
Estado que, sem incidir imediatamente sobre os bens do devedor, são capazes de
infligir-lhe receios suficientes que o estimulem a cumprir a obrigação. São
técnicas de coerção, de que podem ser mencionados, como exemplo, o preceito
cominatório, multa cominatória, astreintes,
e a prisão do devedor por alimentos.
Poder-se-ia
pensar, na execução direta, em técnicas de desapossamento, como, por exemplo,
nas execuções de entregar coisa (art. 538 e arts. 806 a 810), por meio da expedição de mandado de
imissão na posse de bem imóvel, ou do mandado de busca e apreensão, na execução
de dar coisa móvel.
Poder-se-ia
pensar, também, na possibilidade da transformação, em situações tais como
aquelas decorrentes da execução de obrigação de fazer infrutífera, em que há a
convolação da obrigação original em obrigação de pagar, já porque a obrigação
foi prestada por terceiro ou realizada pelo próprio credor, já porque foi
substituída pelo pagamento em pecúnia dada a impossibilidade do adimplemento da
obrigação original.
Na execução de
obrigação de pagar, o Estado-juiz pode valer-se da técnica do desconto em
folha, sobretudo quando se tratar de execução por prestação alimentícia. Na
hipótese de sub-rogação, relativa à generalidade das execuções por quantia
certa, pode ocorrer a expropriação do bem, com uma das seguintes consequências:
(i) o credor exequente fica com o bem para si, ocorrendo, aí, a figura da
adjudicação; (ii) o credor requer ao magistrado que seja deferida a alienação
do bem pro particular; (iii) o credor requer que o bem seja levado a leilão ;
(iv) o credor fica com o bem em usufruto até a completa satisfação do crédito
exequendo.
Princípios que regem a execução
É claro que o Direito
é um sistema de regras; não há, entretanto, que desconsiderar os princípios que
ornam o ordenamento e que são capazes de elucidar o alcance e dimensão das
regras e que colaboram decisivamente para a sua correta interpretação e
aplicação. Vale a ressalva de que são aceitas aqui, sem maior juízo crítico,
algumas normas diretamente encartadas no Código de Processo Civil, que, para
parcela da doutrina talvez pudessem ser consideradas como normas-regra e não
como normas-princípio.
São estes os
princípios normalmente mencionados nos livros de doutrina: princípio do título,
princípio da autonomia, princípio da patrimonialidade, princípio da máxima
coincidência possível, princípio da menor onerosidade, princípio da
disponibilidade, sendo certo que os tratadistas e manualistas não se ajustam a
respeito de quais e quantos são esses princípios.
Princípio do título
É velha a lição
da doutrina: nulla executio sine titulo,
para significar que o título executivo é o bilhete de ingresso da execução. Sem
ele, não há execução que possa prosperar. Há, em sede doutrinária, larga
discussão sobre a natureza do título
executivo, ora afirmando-se trata-se de documento, ora de ato documentado.
Araken de Assis bem demonstrou a insuficiência de ambas as teorias, não sendo
necessário, nas dimensões deste trabalho, adunar outros argumentos além
daqueles já esgrimidos pelo processualista gaúcho.
Título executivo
para os fins de proporcionar o início da execução será somente aquele a que a
lei atribuir essa condição. Particulares não podem criar títulos executivos
além dos assim considerados pela lei federal. No nosso direito processual
civil, os títulos executivos podem ser judiciais (sentenças/acórdãos e decisões
interlocutórias que antecipam os efeitos da tutela), especificados no art. 515
do Código de Processo Civil e extrajudiciais, tais assim os definidos no art. 784
do Código de Processo Civil, além daqueles criados na robusta legislação
extravagante a respeito do assunto.
Ao assunto
voltaremos de forma pormenorizada logo após o exame dos demais princípios.
Princípio da autonomia
No auge do
cientificismo do Direito Processual civil, cristalizou-se o entendimento de que
o processo de execução possuía total autonomia em relação ao processo de
conhecimento. As raízes desse entendimento são profundas e, provavelmente
decorrem das origens romanistas do nosso direito e da histórica desconfiança
dos iluministas franceses e relação aos juízes (que compravam seus cargos).
Nessa vereda, o
Código de Processo Civil de 1973 na sua versão original, possuía três livros
iniciais, cuidando cada um de um tipo de tutela, dotada de autonomia: o livro I
para o processo de conhecimento; o livro II para o processo de execução; e o
livro III para o processo cautelar, aos quais foram acrescentados o livro IV para os procedimentos
especiais e o V para disposições finais e transitórias, que escaparam da
taxionomia inicial.
Dentro dessa
concepção, elaborada à imagem e semelhança de Liebman, o processo de execução
possuía absoluta autonomia em relação ao processo de conhecimento. A execução,
mesmo se consequente a um processo de conhecimento em que proferida sentença
condenatória, supunha, sempre, a necessidade da instauração de uma nova relação
processual (agora executiva) com o objetivo de realizar o direito conferido ao
credor no processo de conhecimento. Começava-se um novo processo. Não por outro motivo, o legislador editara,
na versão original do art. 463 (Livro I do CPC), norma asseverando: ao publicar
a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional.
É verdade que os
fatos não pedem licença a modelos teóricos: a parte que vai a juízo buscar
indenização por danos causados ao seu patrimônio, não quer obter uma sentença
condenatória, em que o devedor seja reconhecido como tal e instado a reparar o
prejuízo. Essa separação não faz nenhum sentido para o autor. O que ele
efetivamente almeja é obter no mundo sensível, no mundo real, uma situação que
efetivamente signifique que o prejuízo foi ressarcido, apenas e tão somente
isso. Não interessa a ele obter uma sentença condenatória e, após, iniciar novo
processo, embora de outra natureza, até porque a experiência demonstrou que a
consequência prática da eleição desse modelo autonomista era uma grossa demora
na entrega do bem da vida, na conclusão da chamada atividade jurissatisfativa.
Com o advento
das leis 8.952, de 1994, 10.444, de 2002, 11.232, de 2005, que instituiu um
processo de conhecimento em que a última fase é o exato cumprimento (rectius, execução) da sentença,
apelidado de processo sincrético, não parece fazer muito sentido falar em
princípio da autonomia do processo de execução. Houve, com o advento das leis
antes mencionadas, uma clara redução do âmbito de vigência material do Livro II
do Código de Processo Civil de 1973, que regia, na sua versão original, toda a
execução por crédito (fosse decorrente de título judicial, fosse decorrente de
título extrajudicial) e hoje regula
apenas e tão somente a execução por título extrajudicial e, por outra razões, a
execução da sentença condenatória contra a fazenda pública e contra o devedor
de alimentos.
Autonomia
haverá, portanto, somente em relação a essas últimas espécies de execução.
Registre-se, por honestidade acadêmica, que o professor Araken de Assis oferece
resistência à desconsideração do princípio da autonomia mesmo naquelas
hipóteses em que houve integração da fase executiva ao processo de
conhecimento, identificando, aí, pelo menos uma espécie de autonomia funcional
(Manual da Execução, 14ª edição, Revista dos Tribunais, p. 110).
princípio da patrimonialidade
Também apelidado
de princípio da responsabilidade patrimonial, esse princípio quer significar
que a execução dos tempos atuais possui o caráter real e não pode mais incidir
sobre o corpo do devedor. A rigor, essa é uma conquista do vetusto direito
romano. Com efeito, desde 326 a.C. que foi editada a Lex Poetelia Papiria para impedir a execução sobre o corpo do
devedor civil. Até então, o credor poderia até mesmo matar o devedor
inadimplente, ou vendê-lo como escravo trans
tiberim (além do Rio Tibre); após a edição da lei, vedada a manus iniectio, estabeleceu-se a ideia
de execução de caráter exclusivamente patrimonial, que hoje vem consignada no
art. 789 do CPC atual: o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com
todos os seus bens presentes e futuros, salvo as estrições estabelecidas em
lei.
Vale o
apontamento de que esse princípio encontra exceções e abrandamentos no próprio
Código de Processo Civil, consistentes na prisão de devedor por alimentos e nas
técnicas executivas de que cogita o art. 536 (além do 139, IV), que permite
ao magistrado a adoção de várias medidas que extrapolam as fronteiras da
patrimonialidade e ingressam na seara da pessoalidade: v.g., remoção de coisas e
pessoas.
princípio da
máxima coincidência possível
A ideia que
anima o princípio é a de que o credor que tem razão deve obter, com a execução,
exatamente aquilo a que tem direito, tal como consignado na sentença ou no
título executivo extrajudicial. O Estado deve assegurar-lhe, sempre que
possível, esse resultado.
É certo que,
algumas vezes, a prestação ordinariamente exigida pode se tornar impossível, ou
porque a coisa a ser entregue se perdeu, pereceu, ou a obrigação a ser prestada
é infungível e encontra invencível resistência por parte do devedor. Em
situações que tais, deve o Estado dar ao credor, como diretor do processo
executivo, a solução mais próxima da ideal (no já mencionado art. 536) “pelo resultado prático equivalente”.
Princípio
da menor onerosidade
O princípio da
menor onerosidade possível tem pertinência com a ideia de que a execução visa à
satisfação do direito do credor sem que isso signifique, entretanto, que deva
ser instrumento de sua vingança pessoal. Não por outro motivo, o art. 805 do
CPC deixa claro que, quando a execução puder ser realizada por mais de uma
forma, o juiz deve determinar que seja feita pelo modo menos gravoso para o devedor.
A menor
onerosidade conecta-se com a ideia do respeito à dignidade da pessoa humana, no
sentido de que a execução não pode e não deve ser realizada quando, para a
realização do direito de crédito do exequente, o devedor tiver de ser reduzido
à condição análoga à de escravo, sem o mínimo necessário para sua subsistência.
Sabiamente, o
legislador processual para atingir esse desiderato, colocou fora do alcance da
execução certas parcelas patrimoniais do devedor (art. 833) que lhe garantam a
condição humana, declarando, sobre tais bens, a absoluta impenhorabilidade,
isto é, a impossibilidade de sobre eles incidir constrição do Estado para o fim
da satisfação de eventual direito do credor.
Princípio da
disponibilidade
A execução
existe para satisfação do direito do credor. Não se lhe pode impor, entretanto,
que lance mão do processo executivo, nem que continue na condução daquele que
haja começado. Não por outro motivo, dispõe o CPC, no art. 775: O exequente tem o direito de desistir de toda a execução ou de apenas alguma medida executiva.
Fique claro, entretanto, que, se o executado houver oposto embargos à execução
(isto é, uma ação de conhecimento, de natureza incidental, que normalmente visa
a desconstituir o título ou demonstrar a sua inexigibilidade) será necessária a
sua concordância dado que, a partir do ajuizamento da demanda incidental,
também o executado passou aa ter direito a uma prestação jurisdicional sobre o
título executivo que amparava a execução.
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