sexta-feira, 6 de abril de 2012

Repercussão Geral: cabimento de Reclamação contra ato que sobrestiver o recurso extraordinário



A repercussão geral e os múltiplos recursos fundados em idêntica controvérsia


O art. 543-B do Código de Processo Civil cuida do julgamento, pelo STF, de múltiplos recursos fundados em idêntica controvérsia. Esclareça-se que idêntica controvérsia não significa, aqui, absoluta semelhança quanto à moldura fática. Significa, isto sim, a discussão sobre a incidência de preceito constitucional ou legal (nas hipóteses do art. 102, III, “b”) sobre relações jurídicas semelhantes, de mesma natureza, mas não necessariamente iguais.

Diferentemente do que dispõe o art. 543-C, o § 1º do Art. 543-B dispõe que cabe ao tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia para fins de encaminhá-lo ao Supremo Tribunal Federal. Apesar da divergência redacional, parece não haver dúvida de que o procedimento de seleção dos recursos representativos há de ser exercido pelo presidente ou vice-presidente do tribunal. A seleção de recursos representativos será tanto mais bem realizada quanto mais a autoridade competente buscar amostras capazes de refletir a controvérsia em toda a sua inteireza, com a indicação de recursos aviados por diferentes profissionais, com todas as possíveis vertentes argumentativas, de uma parte e outra, sobre a constitucionalidade/legalidade do agir questionado no recurso.

Os demais recursos ficarão sobrestados no próprio tribunal recorrido, até que haja deliberação sobre (i) a existência ou não de repercussão geral; e/ou (ii) o mérito do recurso. Na primeira hipótese, se reconhecida a inexistência da repercussão geral, os recursos sobrestados serão considerados automaticamente como inadmitidos, sendo julgados prejudicados eventuais agravos de instrumento tirados contra decisão de inadmissibilidade. Vale o apontamento de que, no nosso entender, se reconhecida a inexistência de repercussão geral, mesmo os agravos de instrumento tirados por outros motivos (v.g., negativa de trânsito ao RE por intempestividade, ausência de prequestionamento e preparo, ou de qualquer outro pressuposto de admissibilidade) deverão ser considerados prejudicados. É que a ausência da repercussão é suficiente para inviabilizar o sucesso do agravo, ainda que possa restar demonstrada a existência de todos os outros pressupostos de admissibilidade. Não haveria, pois, interesse de recorrer.

Dispõe o RISTF no Art. 328. “Protocolado ou distribuído recurso cuja questão for suscetível de reproduzir-se em múltiplos feitos, a Presidência do Tribunal ou o(a) Relator(a), de ofício ou a requerimento da parte interessada, comunicará o fato aos tribunais ou turmas de juizado especial, a fim de que observem o disposto no art. 543-B do Código de Processo Civil, podendo pedir-lhes informações, que deverão ser prestadas em cinco dias, e sobrestar todas as demais causas com questão idêntica.”

Há, sem embargo da busca de precisão do legislador do CPC e do elaborador do regimento, algumas questões que estão a necessitar de resposta. Explica-se: o legislador partiu da premissa de que sempre a presidência do tribunal realizará a adequada triagem dos processos cujo sobrestamento deva ocorrer. Exatamente por isso, o legislador não previu nenhuma solução para este problema: se o presidente ou vice-presidente do tribunal sobrestiver equivocadamente determinado recurso, cuja controvérsia não tenha nenhuma pertinência com aquela alçada ao exame do STF, o que deve fazer a parte que se sinta prejudicada?

Por certo que o reconhecimento ou não da repercussão geral não pode ser estendido ao recurso em tela. A questão, portanto, é descobrir de que meios deve lançar mão o recorrente para ter o seu recurso examinado pela Corte maior. O STF assevera que esse agir (determinação de que sejam sobrestados recursos múltiplos) tem natureza meramente procedimental, não sendo possível cogitar de recurso. Ora, co a vênia habitual, de A não decorre B. Com efeito, o fato de uma atividade ter natureza procedimental não implica sua irrecorribilidade. Aliás, na generalidade dos casos, os atos de procedimento são recorríveis e, diríamos mesmo, no Brasil há muito mais recursos relativos a procedimento do que pertinentes ao direito substancial discutido. Não é esse, pois, um argumento que mereça ser placitado.

Por outro lado, temos a convicção de que é impossível tentar a correção do equívoco perpetrado pela instância de origem com a utilização do agravo de que trata o art. 544 do Código de Processo Civil. Aquele recurso é posto à disposição das partes exclusivamente para as hipóteses em que haja ocorrido a inadmissão do recurso extraordinário ou do recurso especial e é certo que a aplicação da sistemática da repercussão geral não coincide com a hipótese descrita no fragmento legal em referência, pela singela razão de que, ao aplicar a sistemática em tela, não está o magistrado procedendo ao exame de admissibilidade do recurso interposto.

É claro que o recorrente pode dirigir-se ao próprio Presidente do tribunal de origem para indicar o indevido sobrestamento porque, por exemplo, o recurso extraordinário cuida de matéria diversa daquela encaminhada à Corte maior, sendo certo que o julgador pode, se considerar que sobresteve indevidamente o recurso, corrigir o ato que praticou, exercer o imediato exame de admissibilidade e, se o caso, isto é, se presentes todos os pressupostos exigidos para a espécie, determinar a imediata remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal.

A Reclamação como meio próprio para fazer subir o RE

 

Se, apesar do aviamento da petição retroindicado, o Presidente do tribunal recorrido insistir em manter sobrestado o recurso excepcional, o caminho não será — como já dissemos acima — o do agravo de art. 544 do CPC, nem, muito menos, de um inexistente agravo de instrumento. Quando tratamos, em outro momento, do recurso extraordinário retido e do recurso especial retido, por força do disposto do § 3º do art. 542, lembramos a possibilidade, de larga aceitação jurisprudencial do pedido de desretenção. Dada a similitude de tratamento, poderíamos falar de pedido de dessobrestamento. A chance de a expressão cair no gosto acadêmico é remota; entretanto, põe em evidência o que se pretende obter: o exercício imediato do juízo de admissibilidade. Em princípio, os veículos utilizáveis para o aviamento de um pedido dessa natureza seriam (i) simples petição; (ii) medida cautelar, sem necessidade de formação de contraditório; e (iii) reclamação.

Com relação à medida cautelar embora do ponto de vista da lógica nenhum óbice houvesse, a teor do disposto no art. 800 e parágrafo do Código de Processo Civil, a jurisprudência do STF fixou-se no sentido de que a vereda do extraordinário somente estará aberta após o juízo positivo de admissibilidade, razão da edição das súmulas 634 e 635 que fixaram a competência do tribunal ordinário para o exame e julgamento dos pedidos cautelares.

No que concerne ao cabimento da reclamação, a matéria é controvertida. Assevera-se que, como a reclamação tem por objetivo primacial a preservação da competência da corte, a hipótese em discussão não comportaria a utilização do instituto, haja vista que a atividade de seleção e sobrestamento do recurso é deferida pela lei ao tribunal recorrido e não ao STF. A ementa abaixo é um exemplo do que se narra:

RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ALEGAÇÃO DE EQUÍVOCO NA APLICAÇÃO DA REPERCUSSÃO GERAL PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. INOCORRÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. I – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que não é cabível a reclamação para corrigir eventual equívoco na aplicação da repercussão geral pela Corte de origem.

O equívoco do STF ressumbra evidente. Com efeito, a competência do Supremo Tribunal Federal é, ao mesmo tempo, inextensível e irrestringível pelo legislador ordinário. A lei ordinária não pode ampliar, nem limitar a competência da Corte maior. Não é, pois, o fato de a norma que alterou o CPC ter concebido a sistemática dos recursos múltiplos fundados em idêntica controvérsia para fins de exame da repercussão geral e para extensão do julgamento de mérito aos recursos sobrestados que será capaz de eliminar ou simplesmente limitar a competência constitucional do STF para julgar os recursos extraordinários.

Deveras, a única inovação constitucional a respeito do recurso extraordinário é a que cria, no § 3º do art. 102, o pressuposto de admissibilidade chamado repercussão geral, sem que exista uma palavra a respeito do julgamento ou sobrestamento de múltiplos recursos. Essa regência, portanto, que comparece no art. 543-B, não tem estatura constitucional, sempre produto exclusivamente do legislador infraconstitucional. Não seria, pois, o caso de afirmar a impossibilidade de lançar mão da reclamação.

Só um problema nisso tudo: quem decide isso é o próprio STF. Assim, o comentário que fizemos poderia ter este título: O Direito vivo como deveria ser e a reclamação como forma de alçar o RE indevidamente sobrestado ao STF.

4 comentários:

  1. Essa reflexão sobre efeitos danosos de um sobrestamento descuidado realmente merece uma atenção especial, ainda mais se se levar em conta a inexistência de um recurso próprio. O acolhimento da sugestão de um pedido de dessobrestamento parece inevitável, se restar demonstrado o prejuízo irreparável advindo de um equívoco evidente.Isso é claro se o bom senso dos julgadores prevalecer.

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  2. Bom dia professor!
    Obrigada por mais essa aula. Ficou uma dúvida.
    Em sede de contestação visando provar depósito bancário dos numerários em favor do autor, poderia o Réu ter requerido expedir-se ofício ao banco para tal fim? Ou o meio seria por reconvenção?

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  3. É possível ajuizar reclamação constitucional contra sentença que não aplicar decisão proferida em sede de repercussão geral? Estou escrevendo artigo sobre o tema e gostaria de opiniões. Mandem sugestões ou críticas para silviopadovan@hotmail.com. Pode adicionar no skype tb. Obrigado e boa noite.

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