terça-feira, 1 de maio de 2012

Revelia



Conceito de Revelia


Tanto o autor quanto o réu podem não comparecer perante o juízo para a prática de determinado ato processual ou até mesmo para a prática de todos os atos processuais. Supõe-se que o autor compareceu ao menos para ofertar a petição inicial, enquanto que o réu pode ter uma espécie de não-comparecimento absoluto. Na doutrina processual civil há dois termos para caracterizar o não-comparecimento das partes, contumácia e revelia, que ora têm o mesmo sentido, ora tem sentido diverso, sendo certo que no direito processual civil italiano o termo contumácia parece ter tido mais sucesso do que no direito brasileiro. Contumácia, para os fins do nosso estudo, é a ausência de autor ou réu relativamente à prática de certos atos processuais. É, portanto, gênero, que indica o não-comparecimento para a prática de ato processual tanto do réu quanto do autor.

Do ponto de vista da história do processo parece ser certo afirmar que a revelia não foi conhecida no Direito Romano no período da ordem jurídica privada (ordo iudiciorum privatorum), em que a ação somente se estabelecia com a presença de ambos, para fins de firmar-se a litiscontestatio. Com o advento do sistema da cognitio extraordinem, passou a ser possível a instauração da actio sem a presença do réu, tornado-se possível, também, daí em diante, a ocorrência da revelia do réu que não comparecesse em juízo para contestar a ação.

Revelia, de acordo com o Código de Processo Civil, consiste num dado objetivo: é a ausência de contestação. É uma espécie de não-ato de réu, relativamente à oferta de contestação daquele que foi citado para desincumbir-se do ônus de fazê-lo. Não obstante a clara dicção do art. 319 do Código de Processo Civil, uma forte parcela da doutrina assevera que revelia não é a ausência de contestação e sim a ausência de resposta. É certo que a interpretação literal é a mais pobre de todas as interpretações, mas também é certo que, como diria RUMPF, as audácias do hermeneuta não podem ir ao ponto de substituir a regra que existe por outra, que ele quer que exista. Nada autoriza a extensão da espécie contestação pelo gênero resposta, sobretudo considerando o principal efeito que a revelia tem aptidão para produzir, que é a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor. É que é na regência da contestação, e somente nela, que o CPC estabelece a obediência ao princípio da eventualidade, cabendo ao réu impugnar especificamente (art. 302) os fatos narrados na petição inicial sob pena de serem presumidos verdadeiros os fatos alegados pelo autor, o que é sistematicamente compatível com o disposto na segunda parte do art. 285 do mesmo código.

Revelia, portanto, para fins de nosso estudo, será sempre considerada como sendo a ausência objetiva de contestação. Sem embargo disso, que deflui da leitura dos arts. 319 e 320 do Código , há de ser considerada, no mesmo Código, a redação dos artigos 13 e 265 do CPC, §2º . Nesses fragmentos, revelia aparentemente, pelo menos, surge com sentido diverso, sem significar falta objetiva da contestação, mas sim ausência do réu, num dos sentidos que se atribuem à expressão contumácia.

No que concerne às hipóteses previstas no art. 13, a compreensão a respeito da revelia supõe a compreensão dos vícios processuais que incidem sobre os sujeitos do processo e que normalmente são examinados no estudo das nulidades processuais. Em rápidas palavras, é possível que, em certos momentos em que os sujeitos do processo afastam-se de normas que traçam o figurino legal para a prática de determinados atos processuais. Nessas circunstâncias e de acordo com a natureza da norma processual violada, pode o juiz declarar a nulidade do ato processual praticado e de eventuais atos posteriores que com ele tivessem relação de dependência. Outra é a situação quando o vício não atinge o ato processual e sim os sujeitos da relação processual, em si considerada (autor, juiz, réu). Nessa circunstância, a regra é a de que o vício em relação ao sujeito contamina os atos que ele pratica. Daí que, se o réu contestou a ação, mas sobre si recaía o vício da incapacidade processual ou da irregularidade de representação, é como se a contestação não houvesse sido apresentada (nulamente apresentada). Esse o motivo para que se o declare revel, desde que, é claro, tenha sido assinalado razoável prazo para sanação do defeito e ainda assim o réu haja permanecido inerte.

Na hipótese do art. 265 do CPC, que cuida da suspensão do processo, diz o § 2º que se o réu não constituir novo mandatário (no caso de morte do anterior) no prazo que lhe for assinalado pelo juiz, o processo prosseguirá á sua revelia. Aqui, claramente, a hipótese cuida de uma revelia não objetiva e sim subjetiva, máxime porque, no mais das vezes, a contestação já terá sido apresentada (e, possivelmente, de maneira válida, sob o patrocínio de advogado que posteriormente veio a falecer).


A Revelia e seus efeitos


Não se pode confundir revelia com efeitos da revelia. Se não for apresentada contestação (revelia) são presumidos verdadeiros os fatos alegados pelo autor (efeitos da revelia). No artigo 320, são dispostos os casos em que não ocorrem esses efeitos (isto é, não seriam presumidos verdadeiros os fatos constantes da inicial). A primeira dessas hipóteses decorre a existência de litisconsórcio passivo. Sabe-se que os litisconsortes são independentes em relação à parte contrária, e os atos de um não prejudicam nem beneficiam os demais. Entretanto, se a contestação de um hostilizar algo comum aos litisconsortes, ou se se tratar de litisconsórcio unitário, a ausência de contestação dos outros não induz a ocorrência dos efeitos da revelia. Aliter, se a contestação se referir a aspectos particulares da defesa do litisconsorte e que não aproveitem ao conjunto de situações retratadas na demanda. Aí os efeitos da revelia far-se-ão sentir sobre aqueles que não contestaram.

Também não ocorrem os efeitos da revelia se o litígio versar sobre direitos indisponíveis, assim considerados, por exemplo, os direitos do Estado e, também, os direitos inerentes à personalidade que se caracterizam justamente por sua intransmissibilidade e irrenunciabilidade. Se a ação versar sobre essas espécies de direito, pode o réu ser revel, mão não ocorrerão os efeitos da revelia.

Outra hipótese que obsta a ocorrência dos efeitos da revelia se dá quando o autor não junta à inicial o documento público indispensável à prova do ato (documento ad solemnitatem). A rigor, se documento dessa natureza não estiver acostado à exordial para embasar o pedido do autor, a hipótese é de indeferimento da petição inicial.

Questão interessante relativa à revelia acontece na hipótese de o réu ser revel, mas oferecer reconvenção. Discute-se nessa hipótese, se ocorrem ou não os efeitos da revelia em relação aos fatos alegados pelo autor, na petição inicial. Entendemos que a matéria comporta certa explicitação. A reconvenção supõe conexão (i) pelo pedido, (ii) pela causa de pedir; (iii) com os fundamentos da defesa. Ora, no que concerne à hipótese descrita em (ii), i.e., conexão pela causa de pedir, os fatos narrados a esse título na reconvenção podem estar em confronto com a inicial do autor- reconvindo. Se esse o caso, não haverá possibilidade lógica de ocorrerem os efeitos da revelia, porque a instrução probatória é una e porque, na forma do art. 318 do CPC, ação e reconvenção são julgadas pela mesma sentença.

Outro tanto não deve ser dito se tratar de reconvenção conexa pelo pedido ou com os fundamentos da defesa. Nessas circunstâncias, são diversas as causae petendi, nada aproveitando, pois, ao réu o fato de haver oferecido reconvenção. Ocorrerão os efeitos da revelia com relação ao quanto alegado pelo autor na petição inicial.

Semelhante questão se coloca quando o réu oferece reconvenção (réu-reconvinte) e o autor (autor-reconvindo) não contesta, apesar de instado a fazê-lo. Ocorrem os efeitos da revelia. Em princípio sim, sobretudo com relação às hipóteses em que a reconvenção houver sido aviada com fundamento em (i) e (iii). Quando, entretanto, a reconvenção houver sido proposta com base na conexão pela causa de pedir, pelas mesmas razões antes apresentadas, o juiz não deverá considerar presentes os efeitos da revelia. A convicção do magistrado no processo, a respeito da dinâmica dos fatos, há de ser sempre só uma.

O réu pode intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que o processo se encontra. Se, embora revel, não ocorrem por alguma razão, os efeitos da revelia, faz-se necessário que o autor especifique as provas que pretende produzir em audiência (já se disse que a indicação de provas se faz na inicial e na contestação). Há muitas circunstâncias em que o revel participa das provas requeridas e produzidas pelo autor e pode contraprovar, isto é opor-se, até com testemunhas, à prova do fato constitutivo do direito do autor, além de participar da prova determinada de ofício pelo magistrado, por exemplo, uma perícia, podendo indicar assistente técnico e formular os quesitos a que se reportam os artigos 421, 425 e 435 do Código de Processo Civil .

É bom lembrar, por derradeiro, que os efeitos da revelia são vários (por exemplo, o previsto no artigo 322 que reza que se o réu for revel e não tiver patrono constituído, os prazos correrão contra ele independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório), embora a presunção de veracidade seja o efeito o principal.

3 comentários:

  1. Todos esses textos estão sendo de extrema valia para nosso aprendizado em Processo Civil I. Ficam os votos de agradecimento. Muito obrigado.
    É gratificante ver um professor realmente preocupado em dar um ensino de qualidade. Sempre pontual, disponibilizando textos como esse e, até, dando aulas extras no sábado! Acredito estar falando em nome de grande parte da turma, muito obrigado, professor Amaury!

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  2. Sou eu quem deve agradecer.
    Professor somente existe porque existe aluno.

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  3. Eu Gilberto Cristensen, 5º semestre em Direito agradeço pela colaboração dos textos acima relacionados para o meu trabalho

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